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Daniel de Jesus || Créditos: Maurício Nahas
Daniel de Jesus || Créditos: Maurício Nahas

Depois de vender por R$ 1 bilhão a Niely para a L’Oréal e entrar em negócios variados como os de fast- food e educação, o carioca Daniel de Jesus torna a empreender no front onde ele mais se sente em casa, a indústria de beleza

Por Paulo Vieira para PODER || Fotos: Maurício Nahas

Quando é convidado a contar a história da Niely, a empresa de cosméticos que fundou na Baixada Fluminense nos anos 1980 e que vendeu à L’Oréal por R$ 1 bilhão em 2015, o carioca Daniel de Jesus, de 60 anos, volta década e meia no tempo, para uma época em que ainda não sabia o que iria fazer na vida. Lá estava ele, “franzino”, com 12 ou 13 anos, em 1971 ou 1972, mocozado no trem que cruzava o subúrbio carioca em direção à mata, nas lonjuras de Paracambi, escondendo-se dos fiscais do rapa para não ter seus picolés apreendidos. Possuir inteligência emocional devia ser um imperativo nessa época em que ele estudava pela manhã e vendia sorvete nos vagões à tarde para ajudar o pai ascensorista e a mãe do lar. Diga-se logo que nesta história a expressão “inteligência emocional”, desconhecida naquela década, é um anacronismo. Melhor traduzi-la por “em rio que tem piranha, jacaré nada de costas”. O arranque do discurso de Jesus é de prender a respiração, mas a narrativa que daí segue entra em ritmo constante, sem clímax nem anticlímax, sem grandes jogadas administrativas ou estratagemas complexos, como se a sequência de fatos que desemboca no primeiro bilhão fosse perfeitamente comum, prevista e fácil de ser vivida pelo mais ordinário dos mortais. A estatística, contudo, não confirma a hipótese de que empresários que viveram sérios perrengues em seus tenros anos necessariamente se tornam milionários, que dizer bilionários, na maturidade.

Casos como o de Daniel de Jesus, no Brasil, e o de Larry Ellison, o fundador da empresa de tecnologia Oracle e hoje a sétima fortuna do mundo segundo a revista Forbes, nos Estados Unidos, são exceções meritosas. A narração monocórdia do empresário pode derivar de modéstia, de sua origem humilde ou até mesmo da ausência de um ghost writer em sua equipe, mas a verdade é que o tempo de Jesus para falar da própria vida está mais curto. Os dias andam muito corridos, já que setembro marca a volta do empresário ao velho ringue, o mesmo que ele abandonou ao vender a Niely, então com 2.200 funcionários e R$ 540 milhões de faturamento anual, para a transnacional L’Oréal. Com a futura marca, cujo nome preferiu não confirmar à reportagem, Jesus, químico de formação, entra outra vez no setor que conhece tão bem, o de tinturas e tratamentos capilares. De novo, visando as classes C, D e E – o “povão”, como diz. “Prefiro atender 100 pedidos de R$ 1 mil do que um de R$ 100 mil”, diz. “Se dez pararem de comprar, 90 continuam comigo. Já no caso do cara dos 100 mil, se ele para, eu tenho de fechar a fábrica”, disse ele a PODER, repetindo um velho mantra que costuma entoar. Passado um período de quarentena obrigatória desde que deixou o conselho da L’Oréal, ele agora está livre para navegar novamente nas águas que o fizeram bilionário. E pretende fazer tudo parecido, não só na paleta de produtos disponíveis ao consumidor – serão na partida 56 itens para cabelo, 25 deles tinturas –, como na estratégia de vendas e marketing: visitas pessoais aos pontos de venda e a contratação de atrizes do primeiro time televisivo para as campanhas de seus cremes e tinturas. Há algumas novidades na estratégia. Como as cervejas artesanais “ciganas”, Jesus não terá agora fábrica própria: vai aproveitar a ociosidade de parceiros e produzir em chão alheio – neste caso, a fábrica carioca da italiana Alfaparf, em Campo Grande, pertinho da avenida Brasil. O e-commerce também passa a ganhar relevo, assim como os investimentos em publicidade digital. “É importante preservar as práticas vencedoras do passado em distribuição, que eram muito fortes no engajamento de equipes e clientes, mas atrelando agora ferramentas de inteligência comercial, novas plataformas e sistemas digitais”, conta. O que está certo é que a iluminar o novo caminho segue a velha confiança do empresário naquilo que julga ter de melhor, o conhecimento de seu mercado consumidor – assim como as particularidades de cada praça desse mercado. É com essas armas e um investimento declarado de R$ 200 milhões que Jesus pretende conquistar em cinco anos 10% do segmento de beleza. Mesmo que para isso ele tenha de roubar participação de seus grandes concorrentes, dentre eles a outra vez rival L’Oréal, dona da Niely, e as gigantes Unilever e P&G. Uma tarefa que não muitos encarariam.

O Brasil é o quarto maior mercado mundial de beleza e cuidados pessoais, segundo a consultoria Euromonitor, mas mesmo com os movimentos cada vez mais vorazes da Natura e d’O Boticário, seus principais players, há espaço para mais gente – somos apenas o 53º do mundo em consumo per capita. Assim, não é difícil entender o porquê do regresso de Jesus à ribalta. Mas, e quanto à saída? “Não vendi a Niely pelo dinheiro. A empresa cresceu muito, eu não tinha estrutura interna para suportar o peso”.

CHURRASCO
Um sujeito não se torna bilionário da noite para o dia, assim como não costuma ouvir propostas para ingressar em novos negócios apenas na segunda-feira imediatamente posterior ao churrasco de despedida. Essas conversas e flertes se estenderam por algum tempo, e, se teve de ignorar convites para entrar em segmentos com os quais afirma não ter qualquer afinidade, como o agrobusiness, investiu com gosto em outros. Jesus tem participações em empresas como a rede de fast-food Taco Bell (22% da operação brasileira, em sociedade com a família de Carlos Wizard) e é investidor de fundos que controlam a Eleva (organização de ensino de Jorge Paulo Lemann) e o Oba Hortifruti. Também possui lote considerável de imóveis no Rio de Janeiro, que são geridos por sua holding Milano. Jesus admite ter cometido erros, quem sabe por não querer se indispor com antigos colaboradores, questão crítica para o empresário, mas para seu hoje parceiro na Taco Bell, Charles Martins, “não poderia haver sócio melhor”. Filho de Carlos Wizard e cofundador da holding Sforza, que gerencia os muitos negócios de sua família, Charles não economiza nos elogios ao carioca. “Ele agrega muito, é daqueles que não perdem tempo com picuinha, olha a floresta, não a árvore. E como é um sócio capitalizado, não toma decisões de negócio emocionais, mas sim racionais. Ele não tem apegos”, disse a PODER. Segundo Charles, Jesus deu sugestões certeiras para otimizar a expansão da Taco Bell no Rio, indicando os melhores endereços para as unidades. Além disso, outra dica dada por Jesus, a eliminação de uma pimenta que era servida ao consumidor, impactou positivamente a rentabilidade geral: se levar à mesa um trio de pimentas de ardências variadas era uma marca característica, quase uma assinatura da rede nos Estados Unidos, no Brasil tratava-se de luxo desnecessário. Essa sintonia fina de Jesus com o consumidor é o atributo mais habitualmente associado ao empresário pelos comentadores especializados. Ele não discorda. “Meu grande MBA sempre foi a rua, o ponto de venda. Tudo acontece lá. No escritório não acontece nada, no máximo chegam duplicatas para pagar”, diz.

De fato, nos tempos da Niely, era comum vê-lo pegar seu jatinho Phenom 100 da Embraer e passar diversos dias em verdadeiras romarias pelo Nordeste, visitando clientes e revendedores de vários estados. E se não houvesse pista de pouso perto de seu destino, alugava um carro e rodava a distância que fosse preciso. Tamanho esforço acabava sendo compensado com recepções festivas e grandes almoços. Num desses, ele conta, teve de comer uma carne de sol “raiz”, daquelas que ficam expostas ao sol, justificando sobejamente o nome.

Jesus costuma se envolver em diversas instâncias de seus negócios. Nos primórdios, foi ele mesmo o responsável por desenhar o logotipo da Niely, curvando as letras N e Y para que emulassem os movimentos do cabelo. Mais tarde, já nos anos 2000, não esperou ouvir aspones para tomar decisões arrojadas, que talvez ninguém mesmo tivesse coragem de lhe soprar aos ouvidos, como empenhar R$ 4,5 milhões para promover sua tintura Cor&Ton no Big Brother de 2007 – o produto seguiria patrocinando o programa da Globo por mais sete verões. E quanto a ter um consagrado ator internacional como Richard Gere (não por acaso o protagonista do filme Uma Linda Mulher) estrelando um comercial de sua linha de tratamento Gold Orquídea? Ideia dele, claro.

RIQUEZA

Embora possua o perfil típico dos empresários self made man e tenha passado seu nome à prole – a primogênita se chama Danielle (daí o Niely da empresa) e os filhos, João Daniel e Daniel Pedro – , Jesus costuma dizer em palestras que “ninguém faz nada sozinho”. “Quem pensa assim não vai a lugar nenhum”, disse em 2016 no CEO Summit, encontro de líderes empresariais promovido pela Endeavor, e que pode ser visto no YouTube. Não é apenas questão de “ter pessoas boas à sua volta, e apoiá-las”, como sublinhou na ocasião, mas jamais esquecer dos velhos companheiros. “Gere e distribua riqueza, não fique [com o dinheiro] pra você sozinho”, clama. O empresário diz que sistematicamente ajuda ex-funcionários. Um caso que gosta de contar é o de ter feito a editoração e depois publicado dois livros, com tiragem de 2 mil exemplares cada, a pedido de um antigo colaborador com pendores literários. Em resposta ao repórter da PODER, exemplificou seu conceito de distribuição de riqueza. “Se você passa na frente da garagem de alguém com tempo de casa e vê que ele está com um carro que já tem uns cinco anos ou mais [de uso], pergunta lá quanto custa o novo, vai e paga a diferença.” O exemplo parece bastante aleatório, tem mais cara de histórias meramente ilustrativas e não coincide com a cartilha empresarial ortodoxa. De qualquer forma, pelo sim pelo não, de Jesus é sempre bom não descrer.

Daniel de Jesus || Créditos: Maurício Nahas

***ORÁCULO***
Ao vender a Niely para a L’Oréal, Daniel de Jesus se tornou VP da transnacional, para onde também levou sua filha e braço direito, Danielle. Mas mesmo que tivessem migrado para o segmento de cereais maltados, é de se supor que pai e filha mantivessem estreito relacionamento com a área de beleza – Jesus é uma espécie de oráculo do segmento. O empresário esteve em março em Bolonha, na Itália, na Cosmoprof, a grande feira mundial de negócios do setor, mas não identificou um “next big thing” para 2019. “Temos apostas. São feitas inúmeras pesquisas para chegarmos ao ingrediente, receita ou ativo que vire um must have no mercado”, diz. Conta ter visto em Bolonha a babosa (aloe vera) “bombando”. Mas é um componente déjà-vu. “Já tem forte apelo com as mulheres, como o coco.” Para revistas especializadas, grandes tendências são a assunção cada vez maior dos cabelos grisalhos pelas mulheres mais maduras, os cabelos retos (“straight”) para as mais jovens, o grande volume para todas e, boa notícia para Jesus, uma forte onda de pintura de cabelos fora dos salões, dentro de casa.

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