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Lily Safra
Foto: Bertrand Rindoff Petroff/Getty Images

Morreu nesse sábado, em Genebra, na Suíça, a brasileira que mais destacadamente circulou pelos caminhos exclusivos do grand monde internacional: Lily Safra, a socialite, filantropa e bilionária cuja história de vida é daquelas que daria um filme. Segundo sua assessoria, Lily não resistiu às complicações de um câncer no pâncreas contra o qual lutava fazia algum tempo. Ela tinha 87 anos, e deixa dois filhos, Adriana e Eduardo, ambos frutos de seu primeiro casamento com o magnata da indústria têxtil argentino Mario Cohen, que durou entre 1952 e 1960. O casal também teve Cláudio, morto em um acidente de carro em 1989, o primeiro dos grandes traumas da trajetória recheada de momentos hora esplendorosos e hora trágicos da gaúcha nascida em 30 de dezembro de 1934, em Porto Alegre, e batizada Lily Watkins.

Filha de mãe uruguaia com descendência russa e de pai tcheco, um engenheiro ferroviário, que se mudaram para o Brasil no começo da década de 1930, Lily foi criada em um ambiente de classe média alta tal como eram as meninas e moças de sua época com a mesma condição, e para ser dona de casa e esposa – o que a lendária jet-setter foi com maestria e em quatro momentos diferentes. Depois do fim do casamento com Mario, com quem vivia junto com os herdeiros em Buenos Aires , Lily foi morar no Rio de Janeiro, onde conheceu Alfredo Monteverde, fundador da rede de lojas de eletrodomésticos Ponto Frio e tratado por “Freddy” pelos mais chegados. Os dois trocaram alianças em 1964, e ficaram juntos até 1969, quando o empresário se matou com um tiro no peito – este, portanto, o segundo trauma dela.

Pouco tempo antes, no entanto, Alfredo estipulou em seu testamento que Lily deveria ser a única herdeira de sua fortuna, então estimada em US$ 150 milhões (R$ 789 milhões). A família dele gritou, em vão, e chegou a questionar as circunstâncias de sua morte, que foi investigada. Mas nada de errado foi descoberto. Multimilionária e, àquela altura, já conhecida como uma das melhores anfitriãs do high carioca, Lily queria casar novamente, mas temia acabar encontrando um interesseiro que a quisesse apenas por conta de seus milhões. Mas o acaso (sempre ele!) colocou em seu caminho o banqueiro Edmond Safra que, com mais de 40 anos, buscava uma mulher porém tinha o mesmo receio de sofrer um golpe do baú.

Dizem que o encontro dos dois foi do tipo “amor à primeira vista”, mas Edmond relutou um pouco em “agilizar” a situação. Impaciente, mas também muito sabida, Lily teria dado seu ultimato para o pretendente da melhor forma: se casando, em 1972, com o bon vivant britânico Samuel Bendahan, supostamente apenas para causar ciúmes no homem em quem de fato estaria interessada e, acima de tudo, a fim de forçá-lo a tomar uma atitude. Funcionou, a união com Bendahan durou menos de um ano e, depois de alguns outros de namoro sério com Edmond, eles finalmente oficializaram sua relação em 1976. Além da segurança de estar com alguém que não a queria por causa do seu dinheiro, inclusive por ser bem mais rico, Edmond tinha um atrativo a mais que agradou Lily: passagem livre pelas altas rodas internacionais.

Com suas residências ao redor do planeta, Lily e Edmond se tornaram míticos naquele pequeno clube de pessoas que vive como se estivesse em um conto de fadas, oferecendo banquetes e jantares para membros de realezas, políticos poderosos, magnatas de todas as indústrias, astros de Hollywood e por aí vai. Um desses regabofes, dos mais emblemáticos, certa vez fez cair o queixo de outra Lily que também dominava a arte de receber, a Marinho, que foi casada com Roberto Marinho, fundador da Globo. “Me sentei ao lado do príncipe Philip [o falecido marido da rainha Elizabeth II], e depois soube que só em flores foram gastos mais de US$ 50 mil (R$ 263 mil) para aquela noite”, lembrou décadas mais tarde a última moradora da mansão do Cosme Velho sobre um jantar no dúplex de Lily e Edmond com vista para o Mediterrâneo, em Mônaco, no qual marcou presença nos anos 1970.

O mesmo endereço pra poucos, conhecido como “La Belle Époque”, acabou sendo o cenário da terceira grande tragédia da vida de Lily, sem dúvida a maior de todas, que foi a morte de Edmond, em 1999, em um incêndio criminoso causado pelo enfermeiro americano Ted Maher, cuidador em tempo integral do barão das finanças, que sofria do mal de Parkinson. Maher, tendo em mente a conhecida generosidade de seu patrão, orquestrou um assalto de mentira do qual planejava sair como herói por salvar Edmond, mas um fogo pequeno que lançou em uma lata de lixo, parte da ideia esdrúxula, saiu de controle e acabou se espalhando pelo imóvel. Temendo estar sendo vítima de um atentado encomendado por algum desafeto, Edmond se trancou em um banheiro que funcionava como quarto do pânico e nele morreu de asfixia por causa da fumaça que se espalhou pelo local. Quando encontrado já sem vida, a viúva pediu para ficar sozinha com seu corpo brevemente.

Lily herdou a menor parte do patrimônio de Edmond, o suficiente para garantir sua entrada no clube dos dez dígitos em dólares, e o restante foi para a fundação filantrópica que leva o nome de ambos, cujo controle passou a ser dela em razão da tragédia fatal. As estimativas sobre sua fortuna sempre variaram, e giraram em torno de US$ 1,3 bilhão (R$ 6,8 bilhões) até US$ 4,7 bilhões (R$ 24,7 bilhões). “Too Much Money”, ou “Dinheiro Demais”, como diria Dominick Dunne, jornalista da “Vanity Fair” que escrevia sobre o 1% dos 1% e intitulou um de seus livros, supostamente um “roman à clef” inspirado na história de Lily e Edmond, com essa frase. “Não há no mundo mais do que cem pessoas que vivem como os Safras”, Dominick, morto em 2009, escreveu em um de seus vários longos textos sobre os membros mais célebres da família Safra, que era representada por essas bandas pelos também já falecidos irmãos de Edmond, Joseph e Moise Safra, que morreram em 2014 e em 2020, respectivamente.

Edmond foi sepultado em um cemitério de Genebra, o mesmo no qual os restos mortais de Lily serão enterrados depois de seu funeral, marcado para a próxima segunda-feira. A bilionária vivia em terras suíças há mais de 20 anos, depois de ter ganhado a cidadania monegasca que lhe foi dada por Rainier III, o chefe de estado de Mônaco morto em 2005 e um amigo próximo de Edmond, como um agrado pela perda do amado. Entre os amigos de Lily, aliás, também haviam alguns “royals”, como Camilla Parker Bowles e o príncipe Charles, além de celebridades como sua vizinha de apartamento em Nova York, a comediante Joan Rivers, o popstar Elton John e o astro de Hollywood Michael J. Fox. Todos eles receberam de Lily milhões de dólares em doações para as respectivas causas do coração que defendem, e provavelmente serão agraciados com muitos outros ainda vindos do espólio da bff.

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