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Com quase seis décadas de carreira, Juca de Oliveira diz que sua integridade é seu maior poder, que o teatro é sua pátria e que só pretende se aposentar daqui a 50 anos

Juca de Oliveira veste tricô Etiqueta Negra. Styling de Luna Nigro

Por Bruna Narcizo para revista PODER de setembro

Ao conversar com Juca de Oliveira pela primeira vez parece que a gente o conhece há muito tempo. E não só pela simpatia, já que ele é do tipo que não demora a deixar o visitante à vontade, mas pela lembrança que muitos de seus personagens trazem à memória.  Como esquecer o doutor Albieri, médico geneticista que produzia um clone humano em O Clone, novela que foi ao ar em 2001, ou o cruel e inescrupuloso Santiago, pai de Carminha,  personagem de Adriana Esteves em Avenida Brasil, de 2012 – isso só para falar dos mais recentes. Aos 79 anos e dono de personagens marcantes da TV e que ainda estão na cabeça das pessoas, mesmo anos depois, Juca confessa que sua pátria é o teatro. E é no palco que ele vive hoje o que considera o maior desafio de suas quase seis décadas de carreira: interpretar sozinho seis personagens do drama shakespeariano “Rei Lear”.

Além de ser considerada por muitos estudiosos como a peça mais difícil do dramaturgo inglês, é a primeira vez que se faz uma adaptação do texto para um monólogo. “Quando me dei conta de que ninguém nunca tinha feito isso, a tensão aumentou. Deu um desespero e quis cancelar, mas pensei: ‘Como vou assinar uma declaração de fracasso que todos ficarão sabendo?’.” E foi desse medo que ele tirou forças, que nem sabia que tinha. Um ano depois do primeiro contato com o texto e de dedicação integral,  “Rei Lea”r finalmente estreou em São Paulo, no dia 18 de julho. “Quanto mais difícil, mais deliciosa a conquista. A sensação no fim do espetáculo é de missão cumprida. Saio de cena com a roupa e os cabelos molhados de suor.”

Essa entrega é comum para Juca, em tudo o que faz. Ele deixou a casa dos pais, em São Roque, para cursar a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo, e logo começou a cursar teatro também.  Como vinha de uma família sem recursos, trabalhava e ainda encontrava tempo para se dedicar às lutas políticas durante a ditadura militar – chegou a ser exilado, inclusive.  “Fui comunista e hoje não sou mais porque tem um ditado curioso que diz: ‘Quem não foi comunista até os 20 anos, não tem coração; quem continua depois dos 30, não tem cérebro’. Eu deixei de ser na hora certa”, brinca ele, que largou o curso de direito no terceiro ano.

 

QUEM VOCÊS PENSAM QUE SÃO?

O comunista ficou para trás, mas a visão de igualdade e de justiça permaneceu intacta. Defensor ferrenho dos direitos da classe artística, Juca é um dos maiores críticos da lei da meia-entrada dos teatros. Ao tratar do assunto, ele aumenta o tom de voz e argumenta que, desde o início da carreira, existiam pré-estreias gratuitas e descontos para estudantes ao longo da temporada – e que isso não era lei. “Não é generosidade, o teatro tem ânsia de juventude. Aprendemos com os jovens”, explica. Para ele, a grande questão é a obrigatoriedade imposta por legisladores brasileiros que não fazem o mesmo pelo próximo. “Se são tão generosos, por que não doam 50% de seus salários para os estudantes? Agora, não venham dizer a nós, que vivemos de teatro, que devemos fazer isso com o nosso salário.”

É a política, aliás, que o tira do sério e ele exorciza seus fantasmas e frustrações ao escrever suas próprias peças de teatro. Mas diz que não escreve comédia, apenas escreve. “As pessoas que me irritam são engraçadas. Não tem como escrever seriamente e transformar em drama uma trajetória como a do Sarney ou do Renan Calheiros, por exemplo.” Em tempos de eleição, Juca está em vias de finalização de mais uma história, que deve se chamar “Senhor Ministro ou A Causa”. Na peça, que só será encenada caso a presidente Dilma Rousseff se reeleja, ele faz uma crítica ao atual governo. “A causa é a redenção do proletariado, a luta contra a burguesia. E, por causa da causa, tudo é permitido.”

Camisa VR, calça acervo pessoal

TIQUE-TAQUE

Em tempos de selfies, paparazzi e famas meteóricas, completar quase seis décadas de carreira em plena atividade é uma conquista de que poucos podem se orgulhar. “Existe uma bobagem muito grande que é a vulgarização da exposição. Isso não leva a nada. Porque o que determina a celebridade é o projeto e a obra, não ficar pelado na praia”, argumenta. Juca encara essa busca desenfreada pelos 15 minutos de fama como uma espécie de esquizofrenia da sociedade, porque cria uma geração sem identidade, que se reconhece no olhar do outro. Ainda assim, para ele, isso não diminui a profissão de ator, já que apenas os melhores profissionais conseguem atingir o estrelato.

Homem de hábitos simples a ponto de se autodefinir caipira, sua vaidade é sua arte. E ser um homem íntegro, o ativo maior que o ser humano pode ter, é sua definição de poder. Nem no palco ele se sente poderoso, ao atuar é quando está em comunhão com o espiritual em contato com suas musas – Tália e Melpômene, diz, referindo-se a duas das nove musas das artes que são filhas de Zeus e protegem a comédia e a tragédia, respectivamente. “É inexplicável a minha relação com o palco. Quando minha mãe era viva, sempre que entrava em cena, procurava uma silhueta de óculos na plateia e representava um pouco pensando nela e, depois, espalhava para os outros. Mesmo imperceptível, isso é um ato de amor.” E é esse amor que o move. Seja pelas pequenas coisas do dia a dia ou até pela natureza, que é onde gosta de passar seu tempo, nas terras da fazenda na cidade de Itapira. “Somos os maiores produtores do Estado de São Paulo de… prejuízos.” Brincadeiras à parte,  em suas terras há gado e plantações. “Produzi mel uma época, mas não tínhamos  pessoal adequado. Talvez, daqui a 50 anos, quando me aposentar, eu mexa com isso de novo.”

 

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