Com aumento de mais de 23% nas vendas online mundo afora em 2018, os apocalípticos já declaram o fim da loja física. Mas talvez seja só o caso de se integrar
Da revista PODER de dezembro por Caroline Mendes
No Vale do Silício – sempre ele, né? – existe uma loja de brinquedos, a Habbi Habbi, em que nada pode ser comprado e levado para casa. Lá, em vez de ouvirem a cruel frase “não põe a mão!”, as crianças são livres para brincar, testar os produtos, encorajadas pelos pais e pelo estafe a fuçar em tudo. Experimentar. “Tem gente que fica horas aqui e vai embora sem comprar nada, mas isso não é um problema para nós”, afirmam as sócias-fundadoras da loja, Hanna Chiou e Anne-Louise Nieto. Com background de business consultant e, hoje, de mães, elas se inspiraram nos próprios filhos para criar a empresa, que tem um modelo de negócio disruptivo, sustentado por uma estratégia de collective marketing (quando duas ou mais marcas se juntam para se promoverem individual e coletivamente) e um branding para pai millennial nenhum botar defeito. Trocando em miúdos, em vez de comprar brinquedos por um preço xis, mantê-los em estoque e colocá-los à venda por dois xis, Hanna e Anne-Louise fecham contratos com as marcas que interessam a elas – quase todas tecnológicas, cool, educativas, com sedes na Dinamarca, França, Espanha, Hong Kong –, espalham os produtos em um espaço que mais parece uma sala de brinquedos abastada e convidam todos para a brincadeira, literalmente. Convidam também para workshops, palestras, aulas e eventos de todo tipo ligados ao mundo infantil. Se o cliente quiser de fato levar alguma coisa, Habbi Habbi ajuda com a compra do produto diretamente no site da marca em questão. “Nós oferecemos o que sentimos falta no varejo hoje em dia: excelente experiência e descoberta de novas marcas, novos produtos. Tendo isso como prioridade, a conversão da venda vem em segundo lugar – quem disse, aliás, que ela precisa acontecer na loja? Pode ser mais tarde no celular, no tablet, no desktop, em qualquer lugar. Mesmo se a compra não se realizar, já que confiamos muito na experiência que oferecemos, o cliente vai voltar e aí talvez compre”, acreditam as donas da Habbi Habbi.
FECHADO PARA BALANÇO
De acordo com dados do portal Statista, 2018 deve fechar com um crescimento de 23,3% nas vendas on-line em todo o mundo; já para a consultoria PwC, que empreendeu pesquisas sobre o tema em quase 30 países em 2017, 59% dos entrevistados afirmaram fazer compras na Amazon e seus primos chineses. Mais relevante, talvez, 14% afirmaram só fazer compras na Amazon. Não é à toa que se fala tanto em Era Amazon… Se pegarmos os Estados Unidos, aliás, como exemplo, o país que inventou o shopping center viu a Toys “R” Us, maior rede de lojas de brinquedos da história, declarar falência no ano passado e a veneranda Macy’s virar algo próximo de uma atração turística após fechar 100 unidades nos últimos anos. O cenário parece preocupante? Depende do ponto de vista.
Para Gabriela Neves, sócia e presidente da agência de publicidade Factory 360, sediada em Nova York e focada em marketing experimental, as lojas físicas têm um trunfo que a online nunca – bem, talvez seja melhor nessa seara nunca dizer nunca – terá: gente, olho no olho, oportunidade de conectar o consumidor com o produto para fazê-lo se apaixonar e, ao fim do processo, abrir a carteira ali mesmo. “No fim das contas, somos todos humanos e gostamos do contato direto, de ver, pegar, sentir. A necessidade de uma interação maior ou menor com um produto no momento da compra varia de acordo com a categoria à qual ele pertence, mas, no geral, a experiência sempre foi e sempre será essencial”, afirma, sem deixar de ressaltar que “ir às compras” é uma expressão caduca. Consumir, para ela, vem se tornando um processo não linear: “Eu vejo um tênis no pé de um influencer no Instagram, jogo o nome do modelo no Google, vejo em que loja ele está disponível perto de mim, vou até a loja, experimento, gosto, pago com Apple Pay. É uma experiência multidimensional e em plena mudança”, diz.
GERAÇÃO DE VALOR
Sócio da PwC Brasil, Ricardo Neves concorda com Gabriela. Trazendo a discussão para o país, onde um quarto dos consumidores já compra produtos pela internet pelo menos uma vez por semana, Neves vê o varejo off-line tendo de representar um novo papel dentro da chamada “jornada de compra”. “As lojas deixam de ser simples expositoras de produtos e passam a ser um espaço de geração de experiências de marca e também de agregação de valores para os produtos que vende”, conta. O que está morrendo não são as lojas físicas, ele afirma, mas as “lojas físicas que não estão se mexendo para inovar e atender ao consumidor de uma forma mais personalizada, mais focada em serviço”. No Brasil, segmentos distintos como farmácias, atacarejos e pequenas e médias lojas de departamentos estão crescendo, revela Neves. Isso porque elas vêm investindo em vendas on-line e serviços personalizados, como entrega de produtos em poucas horas e programas de fidelidade, tudo para agradar o cliente – e, dessa forma, manter as vendas em época de crise econômica. “Constatamos que 89% dos brasileiros consideram a experiência na loja um fator muito importante na decisão de compra, e esse é um número muito maior do que a média mundial. Experiência é, sim, tudo”, crava.
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