Publicidade

A batalha contra o câncer de seus pacientes – como Lula e Dilma – não é a única travada pelo médico Paulo Hoff, que trocou o hospital Sírio-Libanês pela Oncologia D’Or. Ele também está por trás da expansão da rede e quer vencer a guerra contra a desinformação que debilita a ciência

por paulo vieira fotos joão leoci

Ter sido responsável pelos tratamentos do câncer na laringe de Lula e do linfoma de Dilma Rousseff e haver acompanhado de perto os múltiplos tumores do ex-vice-presidente José Alencar não fizeram do oncologista paranaense Paulo Marcelo Hoff, 51 anos agora em setembro, um médico com parti pris partidário. Calhou, afinal, de ele estar no Sírio-Libanês na época em que os líderes da era lulopetista preferiam esse tradicional hospital de São Paulo. Hoff atende a todos, independentemente do credo político ou da condição financeira do paciente – ele atua destacadamente também na rede pública –, mas desde 2017 já não faz mais plantões no Sírio.

Há dois anos, Hoff mudou-se para a Rede D’Or São Luiz, na negociação que é considerada a mais espetacular da história médica brasileira – especulações falam num salário de R$ 1 milhão, valor que Hoff não confirma, além de luvas. Dinheiro parecia não ser mesmo problema para o novo empregador: a D’Or se beneficiou enormemente da mudança regulatória que em 2015 revogou a proibição ao capital estrangeiro no setor hospitalar. Com isso, levantou quase R$ 5 bilhões com os fundos Carlyle (também investidor da CVC) e GIC (fundo soberano de Cingapura). Ano passado, segundo o jornal Valor Econômico, o grupo faturou R$ 11 bilhões, receita 15,9% maior que a de 2017 (veja boxe). Surgida em 1977 no Rio de Janeiro como o laboratório de análises Cardiolab, a corporação é hoje a maior rede de hospitais privados do Brasil, com 44 deles distribuídos em sete estados, além das 40 clínicas oncológicas – comandadas agora por Hoff e pelo executivo Vinícius Rocha. O grupo tem ainda um instituto de pesquisa e ensino, o Idor, e participações em outros ativos, como laboratórios de análises clínicas e o plano de saúde Qualicorp.

O setor que Hoff lidera, a Oncologia D’Or, responde por cerca de 10% do faturamento do grupo e vem se expandindo. Além de São Paulo, Rio e Brasília, está presente no Ceará, Maranhão, Pernambuco, Bahia e Tocantins. As clínicas funcionam à americana, no conceito de “cancer center”. Profissionais de diversas especialidades (patologistas, rádio-oncologistas, cirurgiões etc.) trabalham juntos, muitas vezes revezando-se nas mesmíssimas salas. Em reuniões regulares, o coletivo de médicos das várias unidades pelo Brasil (o “tumor board”) discute as evoluções nos tratamentos de seus pacientes à quente. A sala no Itaim, em São Paulo, de onde Hoff comanda esses encontros, não fica a dever em nada às de CEOs de setores opulentos como o financeiro ou o de tecnologia.

Nascido em Paranavaí, no oeste do Paraná, a mesma cidade do ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, e do lateral-esquerdo do Corinthians Danilo Avelar, Hoff cresceu no Rio Grande do Sul, onde “garrou” amor moderado pelo Internacional – é capaz de torcer pelo arquirrival Grêmio em certas situações. Fez sua graduação na UnB (Universidade de Brasília) e as especializações em oncologia em Miami e depois no Texas – ao todo viveu 16 anos nos Estados Unidos. Em 2001 voltou ao Brasil, para uma passagem rápida pelo hospital Albert Einstein, e em 2006 regressou em definitivo. Adepto do videogame e da corrida, entretenimentos que ele lamenta não ter tempo e joelho para se dedicar com mais afinco, dá expedientes de até 14 horas na Oncologia D’Or.

ALTA RETARDADA
Até onde se sabe, nenhum presidente, papa, cacique, autocrata, xamã, marechal, nenhum poderoso desses foi capaz de vencer a própria morte. A morte iguala a todos na desdita, e o câncer é um processo particularmente doloroso, pois de um tumor inicial outros podem surgir, alongando e dificultando em muito seu combate. Hoff tem de lidar rotineiramente com a morte, e essa situação exige bastante do oncologista. “A gente enfrenta situações de morte com frequência enorme, é sempre muito difícil conviver com pacientes por meses e anos e vê-los falecer”, disse a PODER na OncoStar, o novo e agradável centro de tratamento de câncer da rede em São Paulo. Nos três andares que a clínica ocupa num moderno prédio comercial do Itaim não há sinais que evoquem um hospital. Com efeito, features como a vista privilegiada do Parque Ibirapuera e o serviço de concierge merecem igual ou maior destaque do que o corpo médico no vídeo de apresentação da OncoStar. Não seria exagero dizer que os pacientes podem até ter alguma vontade de retardar a alta para usufruir um pouco mais do ambiente. Chistes à parte, Hoff é otimista em relação à cura do câncer, que para ele será conhecida em talvez algumas décadas. “Provavelmente não vamos eliminar todos os tipos de câncer, mas a chance de cura de 90%, como é o caso hoje dos linfomas e do câncer de testículo, isso vai ser realidade para outros tumores também.” Doutor Pangloss, contudo, não baixou em Hoff, longe disso. Ele vê com bastante preocupação o crescente encarecimento da pesquisa científica aplicada ao câncer, hoje feita a partir do controle de variáveis muito específicas, com necessidade de mobilização de voluntários com mutações celulares minuciosamente determinadas. Como consequência, chega-se ao valor galopante dos tratamentos. “Remédios chegam ao mercado com custo muito elevado, ao redor de US$ 10 mil por mês para o paciente, e alguns podem passar muito disso. As sociedades vão ter de achar uma maneira de conter ou cobrir esse preço.”

O problema não é exclusivo do Brasil, mas a maré no Atlântico Sul definitivamente não está pra peixe. A produção científica brasileira, que poderia ajudar a enfrentar a questão, está na vazante. Contingenciamento de bolsas de estudo e ataques à academia não contribuem em nada para reter talentos no país. Dos nove brasileiros da turma de Hoff que foram estudar em Miami nos anos 1990, só dois não se radicaram no exterior – justamente ele e sua mulher, Ana Amélia, especialista em tumores endócrinos, que também atua na Oncologia D’Or. Hoje em dia, a saída por Cumbica e pelo Galeão parece ainda mais óbvia.

TERRAPLANISMO
Num momento em que se nega o aquecimento global, duvida-se da Terra redonda – é elipsoide, para ser mais preciso –, e um ceticismo bastante tosco coloca em xeque outras verdades científicas, coube a Hoff, à frente do Icesp, o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, entidade pública que também dirige, ser um dos responsáveis por coordenar a pesquisa que acabou por não chancelar os supostos efeitos positivos da fosfoetanolamina, a chamada “pílula do câncer”. Rapidamente tornada verdadeira panaceia, a substância desenvolvida por um químico da USP jamais havia sido testada cientificamente. Dos 72 pacientes com tumores diferentes que receberam a pílula, 59 foram efetivamente avaliados, e 58 não apresentaram qualquer melhora. Apenas um deles, com melanoma, um dos cânceres mais agressivos da “paleta” de tumores malignos, apresentou evolução no tratamento, que, diga-se, pode não estar associado à pílula. Denotando mais curiosidade do que preocupação, Hoff fala à reportagem do alastramento entre as populações mundiais do efeito Dunning-Kruger, que a Wikipedia consigna como “fenômeno pelo qual indivíduos que possuem pouco conhecimento sobre um assunto acreditam saber mais que outros mais bem preparados”. A moderação com que fala do problema supreende, considerando que Hoff vem escalando todos os degraus acadêmicos possíveis – um deles é ser titular da cadeira 58 da venerável Academia Nacional de Medicina, espécie de ABL da medicina. Mesmo que não suba o tom de voz nem esmurre a mesa – o que talvez jamais tenha feito na vida –, o médico é cético com o avanço do ceticismo e crê que a verdade triunfará. “Quero acreditar que com o tempo a ciência vai dialogar com a sociedade e se fazer ouvir. Não é razoável determinar legalmente nem por retórica que um fato científico não existe. Você pode não acreditar na força da gravidade, mas ela continua te puxando. Existem certas verdades que são verdades.”

A verdade tem valor inestimável, mas no trato do médico com o paciente de câncer, e ainda mais com seus familiares, ela precisa ser administrada com a melhor posologia possível. Afinal, quando se lida com a finitude da vida, até o ateu mais empedernido pode se tornar crente desde criancinha. Hoff acha que mesmo os pacientes mais belicosos tendem a ser “racionais e razoáveis” se as equipes que os tratarem “conversarem bastante”. “É uma questão de diálogo, e é natural que as famílias procurem alternativas, elas têm direito de buscar respostas.” O médico contudo é bastante crítico da interferência do poder público nesse particular. “Você pode querer resolver seu problema tomando chá ou raiz, mas daí querer que o estado sancione, financie ou distribua esse mesmo chá, isso contraria o benefício da sociedade como um todo.” Às batalhas que o médico enfrenta soma-se mais uma, na hora em que ele procura se “desligar da civilização”, quando tira “um ou dois dias” para ir à praia, normalmente as do Guarujá. Lá Hoff se depara com outro inimigo, que ele, aliás, teme muito: o plástico. Incapaz de se degradar na natureza, o material se acumula nos mares, rios, solo e até nos organismos animais. “Não sei se vocês passeiam de barco”, ele diz aos repórteres. “Mas é impressionante o que se vê de plástico no mar.” Talvez seja um tanto demasiado evocar aqui o mito grego de Sísifo, o infeliz condenado eternamente a subir um rochedo com uma enorme pedra às costas. Antes de atingir o topo, o peso descomunal do fardo o faz rolar de volta à base, de onde recomeça a operação. Mas é razoável pensar, como se diz, que Hoff descansa carregando pedra.

O CAPITAL VEM AÍ
Com faturamento de quase R$ 11 bilhões em 2018, expressivo aumento de 15,9% em relação ao ano anterior, segundo números do anuário 1000 Maiores Empresas do jornal Valor Econômico, a Rede D’Or São Luiz vive um momento auspicioso. O anuário a elegeu, entre todas as mil, a Empresa de Valor – primeira vez em 19 anos que uma companhia de capital fechado recebe a honraria. Alavancada por aportes de capital estrangeiro, a rede segue em seu plano de expansão: fala-se em R$ 8 bilhões até 2023. Nos últimos quatro anos a expansão foi catapultada por aquisições: quinze hospitais foram comprados nos últimos quatro anos. Para o consultor e investidor na área de saúde Roberto Schahin, fundador do Maria Health Partners, as boas notícias vão continuar. “O capital estrangeiro vai chegar”, disse a PODER. Para ele, diversas empresas americanas da área de saúde têm interesse em se estabelecer no Brasil, à maneira da UnitedHealth, detentora da Amil. “Todas conhecem bem o país, e há muita similaridade na regulação dos mercados dos Estados Unidos e Brasil.” Para o consultor, os players estão à espera “para ver o que vai acontecer na política”. Segundo Schahin, o primeiro investimento da UnitedHealth fora dos Estados Unidos foi justamente no Brasil. Ele ainda acredita que investidores chineses e outras nacionalidades também observam com interesse esse mercado. Por fim, Schahin acredita que o capital aportará primeiro nos grupos mais consolidados, como o D’Or, que assim terá plenas condições de manter sua liderança. Boa notícia para a família Moll, dos fundadores, que detém mais de 60% do controle acionário.

DOIS MÉDICOS E TRÊS PRESIDENTES
Na disputa entre os hospitais Sírio-Libanês e Albert Einstein para ver quem atende a mais medalhões do Executivo federal, um azarão agora coloca alguns corpos de vantagem: a Rede D’Or. Além de Paulo Hoff, que foi o oncologista de Lula e Dilma Rousseff no Sírio, o grupo conta em seus quadros com o paulista Antonio Luiz Macedo, que conduziu a cirurgia e a recuperação de Jair Bolsonaro em São Paulo após a facada em Juiz de Fora (MG), durante a campanha presidencial. Macedo foi considerado um dos dois melhores cirurgiões de São Paulo por cerca de 800 médicos ouvidos pelo Datafolha ano passado. No Einstein, onde ficou quatro décadas, tinha uma produtividade espantosa: fez cerca de 600 cirurgias em 2017. O médico reviu Bolsonaro no começo deste setembro para iniciar o tratamento de uma hérnia surgida no abdome do paciente – reação comum a quem passa por operações de colostomia. Macedo protagonizou um momento importante da campanha, quando assinou o atestado que vetava a participação do então candidato Bolsonaro no debate da TV Globo às vésperas do primeiro turno da eleição. O rigor marcante no rosto do médico é fruto de uma lesão do nervo facial após uma queda de cavalo na adolescência.

 

VOCÊ TAMBÉM PODE GOSTAR

Gisele e o boom das propriedades equestres de luxo

Gisele e o boom das propriedades equestres de luxo

Esse artigo explora a crescente tendência no mercado imobiliário de luxo de valorização de propriedades com instalações equestres de alta qualidade. Utilizando o exemplo recente de Gisele Bündchen, que investiu milhões em um château na Flórida, GLMRM ilustra como essas instalações se tornaram mais do que um mero “extra”. Elas agora são consideradas investimentos inteligentes, especialmente em tempos de incerteza econômica, e representam um estilo de vida exclusivo que atrai a elite financeira global.

Instagram

Twitter