1. John O’Neal, competente e imaginoso economista da Goldman Sachs, uma das mais importantes empresas do setor de intermediação financeira internacional, inventou um conceito para distinguir quatro países que lhe parecia exerceriam sério protagonismo na economia do século XXI: Brasil, Rússia, Índia e China. Deu à idéia o nome de um acrônimo: BRICs. Sua intuição estava certa mas, olhados criticamente tais países, eles têm pouca coisa em comum. O fato, entretanto, é que o acrônimo caiu no gosto dos analistas econômicos. Hoje se fala em BRICs como se representasse um grupo homogêneo, territorialmente contíguo e que age de forma coordenada. O “conceito” adquiriu materialidade!
2. Tanto é verdade, que acaba de realizar-se em Brasilia um “encontro dos BRICs” para discutir problemas comuns, e sugerir idéias tão estranhas e abstratas quanto o próprio conceito. Talvez seja interessante saber que os quatro países detêm 41% da população mundial (Brasil e Rússia somam 5%; Índia e China 36%). Ocupam 29% da terra habitável (Brasil 6,4%; Rússia 12,9%; Índia 3,3% e China 7,2%) e produziram, em 2009, 22,3% do PIB mundial (Brasil 2,7%; Rússia 3,2%, Índia 4,9% e China 11,5%).
3. As inter-relações entre BRICs e deles com seus parceiros “externos” ao grupo, está longe de apresentar uma visão harmônica, duradoura e igualmente benéfica. China e Índia são grandes importadoras de alimentos e minerais e exportadores de manufaturados e de serviços, respectivamente. O Brasil é o maior exportador mundial de alimentos e minerais e a Rússia, confirmando sua duvidosa colocação no grupo, importante exportadora de gás e petróleo.
4. A posição do Brasil e da Rússia e muito pouco confortável. No esquema de trocas internacionais a eles cabe o papel de fornecedor de alimentos e matéria prima. À Índia o papel de prestadora de serviços. E à China, com suas artimanhas exportadoras, sua moeda super-desvalorizada, e sua agressiva política neo-colonialista, cabe o papel de grande exportadora de bens industrializados. A assimetria do arranjo e seus inconvenientes são evidentes demais para serem ignorados pelo “rococó” diplomático com que tratamos o assunto.
5. Quando se defende a “produtividade” da China para justificar esse quadro esquecem-se três fatores importantes: 1. A “produtividade” da mão de obra brasileira no “chão da fábrica” não é muito diferente da chinesa nas mesmas condições. Em outras palavras, o setor privado brasileiro não tem produtividade inferior ao setor “estatal-privado” chinês; 2. A diferença de produtividade é notável a partir do “portão da fábrica ou da propriedade agrícola”. Em outras palavras ela é devida à falta de coordenação logística e investimentos públicos que o governo brasileiro abandonou há muitos anos e 3. Descaso da autoridade monetária com a “super” e artificial desvalorização do Yuan chinês da ordem de 25% a 40% e uma “super” e artificial valorização do real de 15% a 20% com relação ao dólar americano.
Por Antonio Delfim Netto