Aos 38 anos, o prefeito mais jovem que São Paulo já teve desde a redemocratização herdou a cadeira de João Doria com estilo próprio, como faz questão de ressaltar, e discrição – malha sozinho na academia do bairro, gerencia sua conta no Instagram e acompanha o filho nos jogos do Santos. Nesta entrevista, lembrou a relação com o avô Mário Covas, analisou os desafios à porta do PSDB e provou, ainda que avesso à comparação, ter mais lábia política que seu antecessor. Em suas palavras, é um “radical de centro”
Por Fábio Dutra, Dado Abreu e Paulo Vieira para a revista PODER de março
Fotos: Paulo Freitas
Personagem do Almoço de PODER da edição (114) de aniversário de 2018, o jornalista Juca Kfouri contou na ocasião sobre as únicas brechas para interromper as reuniões fechadas da revista Playboy em seus tempos áureos, na virada dos anos 1980 para os 1990: “Mãe é mãe, filho é filho, e capa é capa!”. O prefeito de São Paulo, Bruno Covas, do PSDB, apesar de não ter idade nem formação para ter feito parte daquela redação estelar – ele é advogado e tem apenas 38 anos –, parece seguir a mesma cartilha: só perdeu o foco nesta entrevista quando o celular tocou e ele pediu licença para sair da mesa e atender o filho Tomás, de 13 anos. Divorciado, recém-atleta (perdeu quase 20 quilos depois de uma crise de pedra no rim que o obrigou a uma cirurgia de emergência no Marrocos), com fama de baladeiro, que não refuta – “eu sou jovem e solteiro, o fato de ser prefeito não muda isso” –, apesar de ressalvar que sai cada vez menos por conta da rotina da administração, Covas malha seis vezes por semana, religiosamente, em uma academia da rua da Consolação, nos Jardins. Sair desse roteiro, só se o filho pedir: “Ontem ele queria jantar comigo e pulei o treino para encontrá-lo depois do expediente, ali pelas 21h30”, conta, orgulhoso, durante o almoço n’A Figueira Rubaiyat, a poucos quarteirões do endereço da maromba nossa de cada dia. E faz questão de frisar, em tom jocoso, mas sério: “Já perdi amigos e já perdi minha esposa; sobrou meu filho, minha única família, então não dá para arriscar mais”. A menção ao término das reuniões da prefeitura tarde da noite parece ser a tônica.
A todo tempo Covas, herdeiro da cadeira de João Doria, que saiu para disputar e ganhar o cargo de governador de São Paulo, pontua a quantidade de trabalho – e tempo – que dedica à cidade. Neto de Mário Covas (1930-2001), medalhão moral do PSDB que também passou pela prefeitura (e pelo Bandeirantes), Bruno Covas faz parte de uma geração que não usa gravata, acredita que a gestão pública e a privada são semelhantes e, por consequência, na melhora da administração pela introdução de conceitos de gestão. Meritocracia e análises de desempenho são pontos basilares para essa turma de jovens líderes “radicais de centro”, que têm Emmanuel Macron, atual presidente da França, como maior expoente. Ousado, Covas aceitou, em 2016, ser vice na chapa de Doria à cadeira do Edifício Matarazzo quando ninguém acreditava no sucesso eleitoral da dupla. Doria, escolha do então governador Geraldo Alckmin contra todos os outros caciques do PSDB contemporâneos de seu avô – de Fernando Henrique Cardoso a José Serra, passando por José Aníbal, Alberto Goldman e por um dos derrotados naquelas prévias do partido, o ex-secretário municipal de Cultura e ex-subprefeito da Sé Andrea Matarazzo –, acabou indo bem longe. Elegeu-se logo no primeiro turno, façanha que Bruno Covas jura jamais ter imaginado. Assim com nunca acreditou, ele disse, que o cabeça de chapa decidisse mesmo renunciar. Em 1986, Orestes Quércia, vice de Franco Montoro no mandato anterior, elegeu-se governador de São Paulo desafiando os caciques de seu PMDB, que queriam marcar o “x” na cédula com o nome de Mário Covas. Ganhou, mas não levou: tal petulância resultou numa poderosa debandada que culminou com a fundação do PSDB, em 1988, que viria a dominar o estado – e os planos presidenciais de Quércia. A despeito de ter feito o sucessor, Luz Antônio Fleury Filho, ele nunca mais alçou grandes voos e o histórico MDB paulista foi enterrado. Questionado, Bruno Covas não acredita que o movimento de João Doria seja da mesma fornada e defende que o problema de Quércia foi outro: “Por ganhar a convenção, ele não quis dividir a executiva; fez mais de 50% dos votos e quis tomar 100% do partido. Doria é um político moderno que aceitou disputar prévias, venceu, seguiu com o apoio dos filiados e respeita a política interna mesmo após os sucessos eleitorais”, advoga, para completar que seu antecessor na prefeitura “ocupa o cargo mais importante do PSDB no país e é o presidenciável natural em 2022. É meu candidato”. A convicção lapidar quase intimidou a reportagem de seguir inquirindo-o sobre o antagonismo de gestões entre ele e Doria que tem dominado as manchetes. Só que não.
AGORA É QUE SÃO ELAS
Mesmo rindo das piadas sobre a privatização do Estádio do Pacaembu – “no tabuleiro de Banco Imobiliário de João Doria só tem torre empresarial” –, ele segue com o projeto de venda. “É promessa de campanha e não podemos ignorar nosso eleitor”, diz. Também pretende seguir com a reforma da previdência municipal, independentemente do resultado das tratativas nacionais. “Não dá para esperar enquanto nossas finanças sufocam”, sustenta. E ataca: “Podem fazer greve, mas não farei como o [ex-prefeito Fernando] Haddad, por exemplo, que enviou o projeto e retrocedeu por conta da pressão dos servidores”, garante. Age da mesma forma em relação aos viadutos das marginais Pinheiros e Tietê (a ponte do Jaguaré cedeu no fim de 2018 e a ligação à via Dutra, esta a cruzar o rio Tietê, teve que ser interditada por possibilidade de desabamento em janeiro de 2019): “Os laudos para estabelecer os responsáveis demoram. Vou esperar para saber de quem é a culpa? Tem que consertar, liberar o fluxo e, se a despesa for comprovadamente de outro, buscar ressarcimento”, insiste, sério. Outras pontes necessitam de manutenção e a projeção é que levem R$ 300 milhões do orçamento deste ano, segundo o prefeito. Neste momento, ele aproveita para argumentar mais uma vez sobre a necessidade de austeridade fiscal. Mesmo assim, concorda que São Paulo merece ser mais agradável para quem a habita. Não tem ideia de qual será seu legado aos olhos da história, mas acaba de anunciar o Parque Minhocão (um jardim suspenso sobre um trecho do Elevado Presidente João Goulart, o Minhocão, à semelhança, em escala reduzida, do que foi feito com o High Line nova-iorquino, erigido sobre uma linha de trem desativada) e quer porque quer entregar logo o Parque Augusta (praça num terreno abandonado a cercar as ruínas de um casarão, também na região central). Os projetos remetem mais a Fernando Haddad, ex-prefeito do PT que defendia tais empreendimentos, do que a Doria, mas o atual prefeito emenda o assunto entusiasmado para rapidamente falar da privatização do Parque do Ibirapuera, “que acontecerá este ano”.
PRIMEIRO-NETO
Advogado pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, turma 171 – “(risos) sacanagem ter sido aprovado exatamente no 171º ano da escola, de advogados! (mais risos): na colação de grau só tinha piada sobre isso” –, e economista pela PUC-SP, Bruno Covas não fez política estudantil: “Meu avô era governador na época, qual seria minha legitimidade?”. Mas fez sim, e muita, no PSDB, tendo disputado “sem ajuda de padrinhos” a liderança da “ala jovem” da agremiação. Na sequência, em 2004, saiu candidato a vice-prefeito de Santos, cidade da família, mas perdeu. Já em 2006 as urnas lhe sorriram, elegendo-se deputado estadual paulista com notável votação. Em 2011, foi nomeado secretário estadual de Meio Ambiente pelo recém-empossado Geraldo Alckmin, que fora vice-governador de seu avô nas priscas eras: “Por isso, não tem como eu ser contra ciclovia, mas acho bicicleta um modal que não resolve totalmente o trânsito por ser ideal para percursos curtos; e discordo da forma como as ciclovias foram feitas pelo PT, sem conectividade, até porque prejudicam, inclusive, iniciativas nesse sentido por terem envenenado a população sobre o assunto. Agora o debate sobre duas rodas virou totalmente emocional”, reage. Em 2014, foi eleito deputado federal, tendo votado a favor do impeachment de Dilma Rousseff, biensûr. Sobre a derrubada da presidente, que julga acertada, o prefeito de São Paulo discorda ter sido aquele um erro estratégico de seu partido – que sofreu grave revés, comparável ao do Partido dos Trabalhadores com seu grande líder, Luiz Inácio Lula da Silva, atrás das grades.
Instado a falar sobre os youtubers e influencers, digamos, efusivos na internet, e que ajudaram bastante na eleição do presidente Jair Bolsonaro, Bruno Covas explica: “O PSDB teve problemas por não conseguir comunicar suas ideias racionais de centro, ideias que entendem os problemas sociais do país, mas também a necessidade das reformas; e por ter titubeado em questões-chave como as acusações contra Aécio Neves”, reflete. Flagrado em grampo pedindo dinheiro a um empresário, Neves não foi, de imediato, afastado da presidência do partido. Ele amarra o raciocínio: “Acredito que precisávamos, de fato, da forma desses influenciadores digitais que conseguem viralizar tudo com uma linguagem direta, mas para comunicar nossa maneira propositiva, que difere em muito deles em conteúdo”. Nesse sentido, Covas tem feito escola nas redes sociais. É ele próprio quem cuida de sua página no Instagram, negando à sua equipe de comunicação inclusive a senha de acesso. “Eles morrem de medo do que eu vou postar”, diverte-se.
O papo já está mais ameno e o prefeito pede delicadamente que o deixemos comer o bife ancho que decorou seu prato. Rimos todos. Um dos repórteres de PODER lembra de um amigo com problemas para conseguir os documentos necessários para manter seu bar aberto em meio aos meandros kafkianos da burocracia paulistana. Covas conta que isso acontece diariamente, em qualquer lugar, e que quem é prefeito é prefeito 24 horas: “Às vezes estou almoçando com meu filho num domingo e me interpelam sobre um buraco na rua. Só posso dizer que o problema do seu amigo é democrático, é a mesma dor de cabeça para todo mundo”, ri, para dizer em seguida que trabalha forte para reduzir essas questões crônicas do trato do cidadão com o Estado. Dessa vez sem fazer rodeios, ele apresenta, sem dar muitos detalhes, a fórmula: vem aí uma anistia para imóveis e estabelecimentos em situação irregular. Voltamos, já no cafezinho, a querer saber, afinal, qual legado ele pretende deixar. Alguém cita a característica do avô de documentar tudo, de contas domésticas a orçamentos, passando por acontecimentos e encontros, narrada em Mário Covas: um Político em Linha Reta, texto de Francisco Viana reunido no livro Políticos ao Entardecer, organizado por Ney Figueiredo. Ele se orgulha da lembrança do avô, mas diz que não documenta nada. Nem responde à pergunta. Alto e atlético, se levanta, agradece e vai embora. Como se estivesse ainda à espera da demanda da obra que vislumbra realizar.
“Já perdi amigos e meu casamento; sobrou meu filho, minha única família, então não dá para arriscar mais”
“O PSDB teve problemas por não conseguir comunicar suas ideias e por ter titubeado em questões-chave como as acusações contra Aécio Neves”
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