A vida é o que acontece enquanto a gente faz outros planos.” A frase dita por Regina Casé no papel da protagonista Lurdes, no capítulo inicial de “Amor de Mãe” é a melhor síntese do momento da atriz. Após duas décadas sem atuar na TV, ano passado ganhou o afeto – e a torcida – do espectador com a personagem que passa a trama tentando encontrar o filho que não vê desde menino. Quando a novela estava prestes a chegar ao ápice, as gravações foram interrompidas por causa da pandemia. “Esse corte foi frustrante. Passei um ano preparando meu retorno, era uma coisa que eu devia para mim e para o público. Fiz poucas novelas para o tanto que gosto de atuar”, diz. “Mas só o fato de não ter ficado doida já está ótimo.”
Com os projetos suspensos, Regina, então, viveu experiências que antes não cabiam na rotina tomada pelas gravações e outros compromissos profissionais. Ficou 2020 isolada em seu sítio em Mangaratiba, na costa fluminense, ao lado dos seus – o marido, o diretor de TV e cinema Estevão Ciavatta, o filho do casal, Roque, 7 anos; Brás, seu neto de 3, Benedita, 31, filha de Regina de seu casamento anterior, e o genro, João Pedro Januário, fotógrafo responsável por este ensaio, realizado no refúgio da família. “Poder educar o meu filho do meu jeito, caminhar com ele todos os dias, ensinar sobre as plantas, mostrar cada árvore, ele observar se você está lendo um livro, não consigo imaginar outra situação além do isolamento para isso”, conta.
“Poder educar o meu filho do meu jeito, caminhar com ele todos os dias, mostrar cada folha, não imagino outra situação além do isolamento para isso”
Por outro lado, diz nunca ter tido uma convivência tão intensa com o marido. “Igual quando a gente fica em casa e repara que tem uma infiltração, que a porta não está fechando, o Estevão está ali, reparando que meu taco levantou, eu fico vendo que saiu o rejunte do piso, que a cortina do boxe está mofada. Era diferente. Os dois trabalham muito, a gente ficava com saudade. É uma lente de aumento no casamento”, revela.
Aos 67 anos, Regina costuma dizer que dentro dela mora um menino de 16. É comum, ela conta, ouvir das pessoas na rua o quanto não aparenta a idade que tem. “Isso se chama etarismo”, pontua. “As pessoas falam ‘nossa, você dança tanto, tem um marido que te ama, você trepa, tem mais energia do que eu’. Mas sempre vem com uma ressalva: ‘como está bem para a sua idade’, como se eu tivesse que estar velhinha, de bengala”, pondera.
Para viver Lurdes, mãe de cinco, precisou se despir da vaidade, usar roupas largas e parecer mais velha. “Tenho a vaidade da minha interpretação, das pessoas gostarem da personagem pelo que é e não pela maneira como se veste. Ela é a antítese dos padrões das protagonistas de novela. É difícil encontrar atrizes que possam fazer uma mulher do povo. Acho que tem me cabido esses papéis porque disponibilizo meu corpo para homenagear essas mulheres, que têm a história da vida no rosto, nas rugas. Elas exibem aquilo tudo e vejo essa beleza”, diz, referindo-se também às protagonistas dos longas “Que Horas Ela Volta?”, de Anna Muylaert, e “Três Verões”, de Sandra Kogut, ambas domésticas.
“Disponibilizo meu corpo para homenagear essas mulheres do povo. Elas têm a história de vida no rosto, nas rugas, enxergo essa beleza. Não é sacrifício aparecer daquele jeito, com aquele corpo, com aquela roupa. É uma honra”
O passar dos anos está longe de ser um fardo para essa garota carioca e, assim como tudo na vida, envelhecer tem o lado bom e ruim. “Acho que, depois dos 60 anos, a gente ganha muito mais intimidade com o parceiro. O que você perde na novidade, ganha na intimidade. Claro que uma pessoa nova, a própria curiosidade te dá muito mais tesão, mas a intimidade também dá”, acredita. “Como as outras coisas da vida, eu era muito mais ansiosa, sentia mais angústia. Hoje, consigo fazer menos coisas fisicamente, mas sou muito mais feliz.”
“Com os anos, no sexo, o que você perde na novidade, ganha na intimidade. A própria curiosidade, uma pessoa que você não conhece, dá mais tesão, mas a intimidade também dá”
O tempo também lhe deu maturidade para encarar uma maternidade tardia. Quando o processo da adoção de Roque foi concluído, Regina tinha 60 anos. E 35 quando Benedita nasceu. “Com ela tinha superproteção, medo de não acertar, um monte de coisas que com o Roque não tenho. Sou uma pessoa mais equilibrada emocionalmente, tudo que permite minha relação com eles ser mais suave. É sem culpa.” A relação distante com a sua própria mãe, Heleida Barreto, a fez acreditar que não desempenharia bem a função. “Ela era uma mulher inteligentíssima, com humor incrível, mas não tinha uma relação afetiva. A minha mãe tomava Jack Daniel’s às 9 da manhã com o Cazuza, eram amigos.” Quando engravidou de Benedita ficou perdida. “Antes dela, nunca me pensei feminista, nem feminina. Eu queria viver plenamente e quando me via na sociedade, percebia que os lugares que ocupava, os lugares de liderança, eram vistos como masculinos. Quando tive a Benedita, falei: ‘Será que vou saber educar uma menina?’. E, com ela, fui desenhando muito mais essa ideia de que poderia, mesmo sendo mulher, ser o que quisesse. Que não precisava ser homem para poder fazer aquilo que eu fazia. Foi um grande aprendizado”, relembra.
A chegada da filha foi marcada por um dos momentos mais difíceis da vida de ambas. Durante o parto, Regina teve um descolamento de placenta, forte hemorragia e a bebê ingeriu líquido amniótico. Ficou um mês na UTI e as altas doses de antibiótico geraram nela uma perda auditiva. “A gente se agarrou ali. Sinto que na minha relação com ela isso está presente o tempo todo. Esse episódio criou uma união entre nós, era como se a gente respirasse juntas pelo mesmo pulmão, era o mesmo coração.”
Afinal, a vida é o que acontece enquanto a gente faz outros planos.
Matéria originalmente publicada na Revista J.P, do Grupo Glamurama