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Rita von Hunty
Foto: Carlos Sales/Divulgação

Prestes a embarcar para França e Portugal para ministrar aulas como professora convidada em universidades, Rita von Hunty pode ser vista no comando da terceira temporada de “Drag Me As a Queen”, do canal E!, que nesta edição conta com a participação de celebridades. Além da vida acadêmica e do reality show, a drag queen ainda tem duas colunas, um canal no YouTube e seus trabalhos como atriz e professora. Com tanta coisa acontecendo, Rita (persona de Guilherme Terreri Lima Pereira, formado em Arte Cênicas pela UniRio, bacharel em Letras e Literatura Inglesa na USP), avisa que não tem nenhum sonho pendente: “Pessoalmente, estou bem”.

Mas nem sempre foi assim. Guilherme, quando criança, sonhou (e muito!). “Lembro que a minha primeira ideia de ocupação era ser astronauta e piloto de avião, acho que gosto de olhar as coisas a partir de uma nova perspectiva. Também tem alguma coisa da liberdade e do perigo que deve ter me encantado na infância. Agora, morro de medo de altura”, confessa ao GLMRM. “Logo em seguida, aos seis ou sete anos, assisti ‘O Exorcista’ e decidi que queria ser exorcista para tirar o capeta das pessoas, e acho que para poder usar saia também [risos]. Lá pelos doze, treze anos, já queria ser professora. Hoje, sou uma arte-educadora. De alguma forma, concretizei meu desejo de infância”.

Se por um lado, faltam sonhos pessoais, por outro, sobram os coletivos. Entre eles, a revolução da classe trabalhadora. “Enquanto estivermos vivos, dá para lutar. Só não dá depois da morte, mas uma ideia nunca morre. Então, se atuamos no campo da produção e da circulação de ideias, continuamos lutando mesmo depois de mortos. Olha o tanto de livro da galera que já nos deixou fisicamente, mas continua nos orientando teoricamente”, diz Rita que aproveita para desabafar, com esperança, sobre a atual situação do país: “É preciso entender o que está acontecendo e a forma como isso destrói nossas possibilidades de vida, de melhores acessos e de construção de alternativas. Temos saída? Sim. O Brasil é o país do Jorge Amado, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Tom Jobim, Mano Brown, Emicida, Pabllo Vittar… A arte não para e, quando nos atacam, crescemos ainda mais”.

Raízes

“Meu interesse político vem desde sempre. A história da minha família materna, a paterna não tenho contato, é de uma fuga da Europa por conta da ascensão nazifascista. A família da minha avó, de judeus, foge de Portugal, e a família do meu avô, de trabalhadores e intelectuais, foge da Itália. Chegando aqui, eles se casam, vivem a geração deles e os filhos fogem durante a ditadura, porque meus avós tinham medo de que o Brasil virasse uma experiência nazifascista. Meu avô é uma das pessoas que trabalhou na fundação e construção do Partido dos Trabalhadores, em Ribeirão Preto. Minha avó era uma mulher muito engajada politicamente, assim como minha mãe. Então, eu cresço em uma casa na qual meu avô nos contava sobre o que era o fascismo italiano e qual é o reflexo das questões políticas na nossa vida cotidiana.”

Arte e política

“Não existe apartamento entre arte e política. Aliás, não existe apartamento entre nada e política. O sonho de quem nos domina politicamente é que a gente veja essa esfera apartada, mas o que a gente come, como a gente transa, como a gente dorme, onde a gente mora, tudo é político. Quando conseguimos ver isso é um ponto sem retorno. A arte é política desde que o mundo é mundo. Quando o teatro surge na Grécia, ele é uma ferramenta social de produção de catarse e reflexão. A tragédia ateniense passava sempre fora de Atenas, para que aquela população conseguisse distanciamento da questão, que é sempre política, para analisá-la. Na Grécia Antiga, não existe o ‘eu’. As tragédias gregas versam sobre as questões sociais, do imaginário e do simbólico daquele povo.”

“Não existe apartamento entre arte e política. Tudo é político”

Rita von Hunty

Lapidando a obra

“O processo de criação ou de externalização de uma drag é muito parecido com o processo de externalização de outras coisas. Sempre faço o paralelo com a criação do palhaço. O ator ou o performer circense, quando faz palhaçaria, coloca uma lente de aumento sobre coisas que acha engraçadas e descabidas de si mesmo. Em algum lugar, a Rita é uma mega performance de pequenas coisas minhas. Eu tenho um senso de humor um pouco corrosivo. Brinco que falo três línguas com fluência: profanação, sarcasmo e ironia. E isso está muito traduzido no meu fazer como Rita. Boticcelli [pintor italiano renascentista] falava que a obra de arte só existe se estiver inacabada. Então, ele não dava a última pincelada no quadro. Era a ideia de que aquela obra estava aberta a leituras para sempre. À medida que estou vivo e viva, vou me fazendo como Guilherme e como Rita. Afinal, nenhum dos dois está pronto. Quem acha que está pronto morreu.”

Foto: Carlos Sales/Divulgação

Rita por Guilherme

“Fazer drag é um significado político. Não decidi fazer meu trabalho de arte-educador nas artes plásticas. Decidi por uma arte marginalizada. Além disso, é uma arte que tem como matéria primeira o tabu do gênero, a ideia de que gênero não existe, de que é uma ficção social, um aparato, um dispositivo criado, a partir de um momento historicamente definido. A escolha da expressão estética da Rita brinca com uma imagem que é considerada respeitosa, polida, de direito, de bem, boa, bonita. Existe um campo de disputa estético que consagra o belo à elite e relega o feio ao resto do povo. Existe também uma tentativa de subversão dessa lógica. Hoje, uso essas armas [estéticas] contra quem as usou primeiro para nos machucar. Tem uma piada que a gente faz quando a drag é feita por um homem gay que esse homem escutou muito que ele falava como uma menininha, corria e se portava como uma mulherzinha. Aí, a gente volta como uma mulherzona. E isso é uma piada, porque não tem nada de mulher na drag. A drag fala sobre a ideia absurda da expectativa do papel de gênero. ‘Homem’ e ‘mulher’ são uma abstração teórica, uma prática, um desempenho, uma perfomance. No final do dia, o único jeito de ser uma boa mulher é se você não for”.

“A drag tem como matéria primeira a ideia de que gênero é uma ficção social”

Rita von Hunty

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