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crise dos 20
Crédito: Getty Images

Aquecimento global, pandemia, crises internacionais e econômicas. O cenário contemporâneo é um prato cheio para que os jovens se sintam angustiados e sem perspectivas para o futuro. Enquanto a ‘’crise dos 40 anos’’, descrita pela primeira vez na década de 1960, já é bem conhecida, os estudiosos se debruçam agora sobre as dificuldades enfrentadas pelo grupo de pessoas com idade entre 18 e 30 anos, a chamada de Geração Z.

“Percebemos que há um grande aumento no número de jovens com sintomas de depressão’’, afirma Patricia Loncle-Moriceau, socióloga da Escola de Altos Estudos em Saúde Pública (EHESP), Ph.D. em ciência política e especialista em estudos sobre a juventude com diversas publicações sobre o tema.

Para entornar o caldo, além da ansiedade causada pelos problemas modernos, os jovens também vivem um fenômeno comportamental cada vez mais presente: a chegada tardia ao estilo de vida adulto. Eles moram mais tempo na casa dos pais, não têm pressa para escolher uma carreira e não pensam em ter filhos tão cedo. A falta desses sinais – que estão associados ao amadurecimento – pode ser um adicional de estresse para eles, que se sentem pressionados e infantilizados.

Acompanhe aqui a entrevista exclusiva que Patricia deu à Revista Poder, de seu escritório em Paris:

Poder: Como se sentem os jovens que estão em crise?

Patricia Loncle-Moriceau: Notamos que existe uma grande frustração porque eles não encontram um propósito na vida, seu lugar no mundo. Há angústia e medo do futuro, muitas vezes gerando grandes momentos de introspecção e questionamentos sobre o caminho que desejam trilhar. Muitos, inclusive, me confessam que não querem ter filhos porque acreditam que não faz sentido aumentar a população de um mundo que eles consideram imprevisível e instável. Esse temor do que está por vir dificulta que eles façam planos a longo prazo.

Poder: Quais são os gatilhos por trás disso?

PLM: Não se trata de uma crise gerada pelos jovens, mas por fatores externos que eles testemunham desde a infância. Podemos dizer que eles enfrentam um cenário complexo, com crises sociais, econômicas, ambientais e sanitárias – e que essa é uma geração muito bem-informada, ciente dos problemas que existem. Além disso, estudos sociológicos atuais mostram que essa geração sente muita dificuldade em confiar em líderes e em instituições políticas, o que contribui para a sensação de desamparo.

Poder: Qual é o impacto dos problemas ambientais?

PLM: Existe uma influência grande. A chamada ecoansiedade é muito presente entre eles. Trata-se do medo do que pode acontecer a partir dos eventos climáticos extremos que se multiplicam todos os anos como inundações, secas e incêndios. Os jovens acompanham esses acontecimentos e se veem em um cenário de fim de mundo. No meu trabalho, quando realizo estudos com essa faixa etária, ouço com certa frequência que eles sentem medo de morrer prematuramente por conta disso.

“Muito comum entre os jovens de hoje, a ecoansiedade tem a ver com o medo dos estragos que eventos climáticos extremos vão causar no planeta”

Poder: E como a pandemia afetou essa geração?

PLM: Além de gerar solidão, medo e incertezas sobre o futuro, muitos desses jovens foram obrigados a fazer uma pausa na transição para a vida adulta. Projetos de viagens e de cursos no exterior foram cancelados, assim como as opções de emprego se tornaram reduzidas. Muitos tinham planos de sair da casa dos pais, mas adiaram a decisão. Foi uma espécie de freio em tudo aquilo que os empurrava em direção à autonomia. E essa é uma geração que naturalmente está conquistando um estilo de vida adulto mais tarde do que as anteriores.

Poder: O que explica esse atraso para chegar à vida adulta?

PLM: Esse é um fenômeno que tem ocorrido progressivamente há duas décadas, quando os primeiros estudos sobre o assunto começaram a surgir, mas que estamos enxergando com mais clareza com a geração atual de jovens. Existiam marcadores clássicos que indicavam que alguém virou adulto: serviço militar, saída da casa dos pais, casamento, ingresso no mercado de trabalho, financiamento de um imóvel e chegada dos filhos – que é o principal deles. Esses marcadores estão ligados à independência e à responsabilidade, mas sabemos que eles ocorrem cada vez mais tarde – se é que isso acontece. Muitos jovens se sentem confortáveis em não reproduzir o padrão clássico de amadurecimento, mas isso não impede que sofram com a cobrança para que sejam mais responsáveis e ouçam críticas de como não sabem o que querem da vida. Mas eu não acredito que eles não amadurecem, acho apenas que o amadurecimento ocorre de uma forma diferente do que esperamos – talvez, com menos independência; porém, com um nível maior de conscientização.

Poder: O que é ser adulto, afinal?

PLM: Esse é o tema mais atual dos estudos na sociologia, justamente porque houve uma evolução nesses marcadores clássicos do amadurecimento. Antes, passávamos direto da adolescência para a vida adulta e isso foi mudando até que surgisse essa fase intermediária, jovens adultos. Essa é uma geração que pode levar mais tempo para decidir qual caminho seguir, até porque há um fenômeno de massificação nos cursos de nível superior. Ou seja, eles passam mais tempo da vida sendo estudantes. Como resultado, vemos que muitos jovens ainda moram com os pais, o que pode gerar certa infantilização. Antes, tudo era mais linear, com etapas pré-estabelecidas que nos definiam como adultos.

Poder: Como é a relação dessa geração com o trabalho?

Há uma grande necessidade de ter um propósito na carreira e isso fica muito evidente porque vemos que esses jovens estão dispostos a ganhar menos só para trabalhar com algo que faça sentido, com qualidade de vida e um clima agradável no local de trabalho. Muitos se recusam a ter carteira assinada, algo que sempre foi considerado como valioso no percurso profissional de uma pessoa. Eles desejam ter liberdade para testar caminhos diferentes, mesmo que isso inclua aceitar um cargo que requer habilidades inferiores às que desenvolveram.

Texto por Carolina Melo

*A íntegra da reportagem está na edição de outubro da revista Poder, nas bancas.

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