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Ilustração: Bruna Bertolacini
Ilustração: Bruna Bertolacini
Ilustração: Bruna Bertolacini
Ilustração: Bruna Bertolacini

Assim como a lendária arquiduquesa austríaca que se tornou rainha na França, eles são frívolos, levianos e perdulários. Passam o tempo todo rindo alto das fofocas da corte, sem se importar com a ruína social fora do castelo

Ficção baseada em fatos reais Por Paulo Sampaio para a Revista J.P de março
Ilustrações Bruna Bertolacini

O sábado amanheceu ensolarado no Jardim Europa, e Lúcia “Maria Antonieta” Amarante chamou amigos para drinques ao redor de sua piscina em formato de feijão. Entre doses de Aperol e Piscine on the Rocks, o grupo se refestela em espreguiçadeiras no gramado ao fundo da casa. A neta de Lúcia, Catarina, que está no terceiro período de jornalismo, assiste ao noticiário na varanda com vista para o jardim. Com 5 metros de pé-direito, o local é protegido por enormes vidraças e cortinas cheias de brocados, o que não impede ‘Cathy’ de ouvir a conversa dos amigos “Maria Antonieta” de sua avó. A apresentadora informa que as rebeliões em penitenciárias do país fugiram ao controle das autoridades. Lembra que tudo começou em Manaus, quando 56 detentos foram chacinados em uma guerra pelo comando do tráfico de drogas. Em seguida, fala do problema de segurança no Espírito Santo, onde parentes de policiais militares organizaram uma manifestação para pedir aumento de salário. “Desde que os motins para barrar a saída dos PMs dos quartéis começaram, no sábado, mais de 100 pessoas já morreram em todo o estado. Muitos comerciantes de Vitória não abriram as lojas e as ruas estão vazias”, informa a moça.

O som da TV chega à piscina como um ruído remotamente desagradável, mas não chega a interferir na animação do grupo de Lúcia “Maria Antonieta” Arantes:  “KKKKK”, gargalha a designer de joias Elisa “Maria Antonieta” Rodrigues, enquanto o paisagista João Oswaldo “Maria Antonieta” Maciel descreve as cenas da festa de aniversário do decorador Luciano “Maria Antonieta” Ponzi, que na antevéspera recebeu 500 amigos para comemorar seus 60 anos. Cabelos grisalhos na altura dos ombros, colete de plumas brancas e short de couro, Ponzi fez seu outing (saída do armário) em grande estilo. Em um palco armado na extremidade do salão, ele soltou a voz em uma versão própria de “Explode Coração” (Gonzaguinha): “Chega de tentar dissimular e disfarçar e esconder o que não dá mais pra ocultar e eu não posso mais calar…” (olhos marejados). Na sequência, em um momento mais alegre, cantou a marchinha “Cabeleira do Zezé” (Roberto Faissal/João Roberto Kelly): “Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é, será que ele é? Será que ele é bossa nova, será que ele é Maomé, parece que é transviado, mas isso eu não sei se ele é. Corta o cabelo dele, corta o cabelo dele!…”. Seis garotos de programa vestindo sumárias tangas com estamparia de oncinha dançam em volta dele e dão uma força no backing vocal. A mulher de Ponzi, Marília, com quem ele teve três filhos, foi internada em uma clínica de repouso.

Ilustração: Bruna Bertolacini
Ilustração: Bruna Bertolacini

“Como assim?”, pergunta, afetando incredulidade, a marchande Gloria “Maria Antonieta” Monti, que chegara na noite anterior de Miami. O marido dela, o antiquário Giancarlo “Maria Antonieta” Monti, simula espanto: “Ah, Waldo, você tá inventando isso!”. As imagens da apresentação de Ponzi viralizaram nas redes sociais. No dia seguinte, ele próprio se deliciava postando no Instagram fotos com legendas estilo: “Vocês gostaram? Eu amei! Gente, eu tô tão leve! Acordei até mais jovem!”. Em um momento de genuína felicidade, Maciel divulga para os “Maria Antonieta” reunidos na casa de Lúcia as imagens “exclusivas” que Ponzi mandou pra ele por WhatsApp: o decorador dando selinho nos meninos; afofando suas tangas de oncinha; abaixando a parte de trás do próprio short, às gargalhadas. Maciel parece dividido: “Até agora eu não entendi se era um pastiche de Maria Bethânia ou de Emilinha Borba! KKKKK. Gente, sério, não sei o que deu na cabeça dela! Pra quê?”. O paisagista mexe o Aperol com um canudo e continua: “Eu acho assim: o que você faz entre quatro paredes só interessa a você. Não dá pra expor assim a família…”.  Maciel não dizia aquilo da boca pra fora. Na noite anterior, ele tinha estado em um clube de sadomasoquismo onde fora surrado nas nádegas até sangrar. “KKKK” Sua gargalhada esganiçada transmite desespero. Para não correr o risco de ter sua prática sexual revelada, ele foi para a piscina de bermuda, não de sunga.

Beijo na Bochecha

A apresentadora do noticiário agora informa que a nomeação de Moreira Franco para ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República foi suspensa. Muito engajada, Catarina “Cathy” Amarante vai até a piscina e comenta com empolgação a notícia. Todos ignoram o que ela diz. Recebem-na como uma garotinha de 5 anos. “Gente, como ela está linda!”, diz Elisa “Maria Antonieta” Rodrigues, abraçando Cathy e dando um beijo em sua bochecha. Cathy insiste: “Gente, vocês ouviram o que eu falei? Que existe uma crise nas penitenciárias e que o Temer tá fazendo tudo errado? Ele nomeou um cara que tem 34 citações nas delações da Odebrecht!”. Lúcia “Maria Antonieta” Amarante inclina a cabeça, sorri e faz vozinha de criança: “Coisa mais linda essa minha neta falando de política! Vem cá, senta aqui perto da vovó. Gianca, você viu como ela está a cara da mãe?”. “Idêntica, eu ia falar isso agora!” “Verdade”, concorda Elisa. João Oswaldo “Maria Antonieta” Maciel diz: “Meu amor, podem falar o que for, mas qualquer coisa é melhor que a Dilma. Ou, no mínimo, menos pior. Pra começar, o Temer tem postura, sabe usar um terno bem cortado, entende? E a Marcela é uma mulher que pode representar o Brasil em qualquer parte do mundo”. “Verdade”, repete Elisa “Maria Antonieta”, tirando um fio de cabelo do ombro.

Ilustração: Bruna Bertolacini
Ilustração: Bruna Bertolacini

Lúcia muda de assunto, procurando não deixar transparecer que acha a conversa de Cathy enfadonha: “Gente, e essa história da Silvia casar na Grécia? O que você me diz Waldo?”. Maciel: “Pra mim, foi pra filtrar os convidados. Tem uma porção de amigos do João Alfredo que ela não suporta”. Lúcia: “Bom, eu já tinha me comprometido a visitar tia Celina em Paris, não podia mesmo ir. E depois, ai, preguiça daquela gente, Waldo, as conversas são sempre as mesmas, compras, Saint-Tropez, Miami, Laranjeiras, ai, sono…”. Gianca: “Mas eles vão fazer uma festa em Trancoso também, né?”. Elisa: “E uma em Punta…”. Cathy, que recentemente virou manifestante e grita até contra o aumento do preço das passagens de ônibus (mesmo sem jamais ter entrado em um), vai para a cozinha conversar com Iracema. Alerta a cozinheira para a defesa de seus direitos trabalhistas: “Cema, não deixa minha avó te explorar. Serve o almoço e tchau. Não fica aí para dar lanchinho para esses amigos desocupados dela”. Iracema, que tem 59 anos e trabalha desde os 13, não absorve nada da conversa. Assim como os “Maria Antonieta”, ela trata Cathy como se ela fosse uma garotinha brincando com suas bonecas no chão da cozinha. “Você quer brigadeiro? Acabei de fazer…”, diz. Inconformada com a falta de quórum da piscina à cozinha, Cathy vai para o quarto, bate a porta e diz: “Tudo Maria Antonieta!”, enquanto pega na bolsa Le Livre Noir de La Révolution Française, que o professor de história da França do Solar do Conhecimento indicou. “C’est incroyable!”, desabafa.

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