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UMA TURMA ROOTS

Como vivem os milionários paulistanos que investem seu dinheiro em hortas, absorventes orgânicos, carros elétricos e rituais de candomblé vegano? J.P foi investigar

Por Chico Felitti para a Revista J.P de Outubro |Ilustrações: Bruna Bertolacini

Noite de sexta num endereço da rua Grécia, um dos mais caros de São Paulo. Uma dúzia de pessoas está embaixo de um cajueiro, plantado no jardim, tomando suco de limão com capim-santo. Conversam sobre a possibilidade de viver sem energia elétrica. “Você sabia que Astrid Fontenelle, na época da MTV, não tinha nem lâmpada no quarto? Só usava velas!”, diz a dona da casa, cuja família controla um negócio de importação de bijuterias. “Meu sonho é ser assim”, continua ela.

É um sonho compartilhado com todos que foram para o jantar daquela noite – a tostada de abacate com tahine foi o prato de maior sucesso. Essa turma, que se encontra uma vez por semana, tem uma só coisa em comum: querem ser o mais ecologicamente corretos possível. Ok, duas coisas em comum: são milionários que querem salvar o mundo com seus hábitos de consumo.

O marido da dona da casa, que se veste como um iogue, trabalha em um fundo de investimentos que apoia empreendimentos com impacto social. O único que usa camisa social é o herdeiro de uma construtora que está conversando com uma ex-modelo sobre como vinagre de fato substitui desodorante. “Ninguém percebe!”, diz ele, balançando as mãos.

O casal anfitrião da noite tem três filhos – e número idêntico de babás, além de duas empregadas e um motorista que só é usado em caso de emergência. Fralda descartável não entra em casa. Só as de paninho, que são lavadas com detergente biodegradável, trazido na mala durante as idas mensais aos EUA, e colocadas para quarar no sol – usa-se o verbo “quarar” nessa turma.

A benemerência com a natureza não os limpa de todo o consumismo. “Comprar menos é um caminho para um mundo melhor, sim, mas é bem difícil”, diz a dona da casa do cajueiro. Ela veste um colete de linho Stella McCartney, que é a grife básica do seu guarda-roupa. “Stella é vegana, garota-propaganda do Peta, as roupas são corretas. Superbacana.” Recentemente, ela também descobriu a joalheria Mirabelle, a predileta de Kate Middleton, que promete fazer justiça social e ambiental com suas pérolas. Já o fetiche atual do segmento masculino da turma tem quatro rodas e atende pelo nome Model 3. O novo carro da Tesla, montadora que só produz possantes elétricos, custa US$ 35 mil. Mas não há dinheiro no mundo, ou pelo menos não nessa turma do Brasil, que consiga pular a lista de espera por um desses carros silenciosos. Há meio milhão de pessoas na fila. “Conheço um investidor de start-ups de São Francisco que conseguiu o dele”, comenta o engenheiro.

Mas mandar trazer um carro de navio até o Brasil não queimaria combustível e machucaria a mãe natureza? “Eu faço a conta da vida útil dele assim que chegar aqui e depois te conto”, diz o diretor de agência de publicidade – e finaliza o assunto.

“Nunca vai dar para ser 100% verde”, complementa uma atriz que já participou de novelas da Record, mas hoje em dia cuida dos dois filhos e se prepara para empreender. “O que a gente faz é tentar.” Ela deve abrir no começo de 2018 uma padaria vegana no Jardim Europa. “Para ir a pé no domingo de manhã. Todo mundo mora aqui perto.”
A atriz é uma das menos xiitas do grupo. Enquanto a maioria das amigas usa coletor menstrual, ela por dois anos mandou trazer dos EUA os absorventes internos, de algodão orgânico com um aplicador de plástico reciclável. “A empresa que fazia é da Jessica Alba, a atriz de Hollywood, sabe? Ela é ótima.” Jessica foi capa da revista Forbes narrando seu sucesso profissional: investiu US$ 6 milhões em uma empresa que, cinco anos depois, valia US$ 1 bilhão. Parte do dinheiro foi ganho com essa turma do dinheiro verde.

A Honest Company tem mais de 120 produtos. Oferece de protetor solar de cera de abelha a um produto 100% natural para desinfetar frutas e legumes. Desnecessário dizer que a palavra “orgânico” se aplica a tudo. E que a logomarca da empresa está na casa desses paulistanos. É a grife que mais se vê. A sacola de couro vegano que eles usam para carregar as fraldas de paninho dos filhos é da mesma grife.

TERREIRO VEGAN

A festa da casa do cajueiro termina antes da meia-noite porque todos acordam bem cedo. O grupo se divide em dois: os que praticam ioga ao nascer do sol, e já foram três vezes passar temporadas em ashrams na Índia (“o mesmo que os Beatles passaram um tempo”), e os que frequentam um terreiro de candomblé. Mas não um terreiro de candomblé qualquer.

No terreiro a que eles vão, você pode substituir sacrifícios animais por… legumes. Frequentavam um terreiro chamado Ile Iya Tunde, em Itanhaém, um balneário de classe média no litoral paulista. E foi lá que conheceram o “candomblé vegano”.

Gostaram tanto que encontraram um “personal pai de santo” de São Paulo que leva os candomblecistas para fazer pequenas viagens rituais. Todas veganas. O grupo, de até dez pessoas, faz a viagem semanalmente numa van (da Mercedes, com os vidros insufilmados, mas ainda assim uma van). Numa terça de setembro, foram até um pedaço da Mata Atlântica. Não houve sacrifício. Montaram uma oferenda com flores, folhas de laranjeira e farinha com mel. Houve lágrimas quando a homenagem foi deixada numa cachoeira.

“Eu não sou contra o sacrifício animal. Só não é para mim, não é compatível com as minhas crenças”, diz a mãe de santo Senzariban, que comandava o terreiro de Itanhaém, mas há anos se mudou para Embu das Artes. No lugar do sangue de animais, ela usa vela, folhas e flores. “Muitas velas e flores.”

Mesmo ovos estão fora do cardápio dos orixás. Camarão às vezes, quando o santo pede. “Mas, se puder evitar, melhor. Todo santo come fruta, grãos. Mesmos os carnívoros, como Oxóssi, Ogum, Iansã. Isso é o que menos dá trabalho. O que dá mais trabalho é o ser humano aceitar isso.” A mãe de santo explica que, além de serem mais baratas, as oferendas vegetarianas são ecologicamente mais amigáveis.

“Eu me sinto em harmonia com a natureza”, diz a herdeira da firma de bijuterias, com um sorriso no rosto. E entra no carro, que vai queimar cerca de 15 litros de gasolina até deixá-la na porta da casa do cajueiro, no coração cinza de São Paulo.

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