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A pop-up Dolce Vita da Bulgari na Harrod’s

“Por que é que você acha que Shakespeare escreveu dramas sobre reis e não mendigos?”. Essa era a resposta que Dominick Dunne, o lendário jornalista investigativo americano, tinha na ponta da língua sempre que questionado sobre o eterno fascínio do público pelas vidas da elite. O argumento agudo de Dunne sem dúvida ecoa com veracidade quando se considera que o próprio William Shakespeare imortalizou personagens como Hamlet, Rei Lear e Macbeth, todos de origem nobre. Em resumo, tanto o mais famoso dramaturgo britânico de todos os tempos quanto o contador de dramas reais da “Vanity Fair”, que morreu em 2009, falavam a mesma coisa porém em “línguas” diferentes: onde há dinheiro, há intrigas. Tudo isso em uma realidade em que o culto à celebridade realmente é quase uma religião, o argumento de Dunne parece mais pertinente do que nunca. Parece até digno da ribalta do The Globe, o famoso teatro londrino construído por Shakespeare em 1599, um drama fascinante se desenrola nos bastidores do mundo dos ultra-ricos da Europa. A família Bulgari, renomada pela casa de joias italiana fundada em 1884 que leva seu nome, hoje em dia um sinônimo de luxo e riqueza na imaginação pública, atualmente rende mais notícias por causa de um drama familiar que mais lembra uma novela mexicana. E ao contrário das tragédias shakespearianas do século 17, o melodrama dos Bulgaris é um caso decididamente real.

Apesar de ter sido comprada em 2011 pelo conglomerado francês LVMH, a maison sediada em Roma, capital da Itália, ainda opera, em muitos aspectos, como uma empresa familiar. Netos do patriarca fundador, Paolo e Nicola Bulgari, de 85 e 82 anos, ainda mantêm posições influentes no conselho de administração do gigante francês do luxo. E suas fortunas são estimadas em US$ 1,5 bilhão (R$ 7,3 bilhões) e US$ 1,9 bilhão (R$ 9,2 bilhões), respectivamente, basicamente equivalentes às fatias de pouco mais de 1% do LVMH que cada um dos dois têm. A presença financeira deles reverbera como nunca pelos corredores de poder europeus, especialmente no endereço da Avenue Montaigne, em Paris, sede da LVMH.

Mas não os irmãos que lutam um contra o outro nos tribunais. A conflituosa disputa multimilionária envolvendo membros do clã Bulgari é, na verdade, entre Veronica e Ilaria Bulgari, filhas de Nicola. E esse imbróglio teve suas sementes plantadas em 2005, com a criação de dois fundos fiduciários resultantes do acordo de divórcio do bilionário e de Anna Panzironi Bulgari, mãe delas e com quem ele foi casado durante quase 31 anos. Na época, o patrimônio líquido desses fundos era de aproximadamente US$ 130 milhões (R$ 633,1 milhões), mas isso só foi revelado publicamente em outubro de 2019, quando Anna morreu, aos 77 anos.

Coube a Veronica, a mais velha das duas, a tarefa de assumir a administração do investimento, cuja existência só foi descoberta por Ilaria  em meados de 2020 – tal “tradimento” (traição em italiano) foi a faísca que as colocou em lados opostos. O rompimento e subsequente briga das irmãs Bulgari não têm nada a ver com dinheiro, o que esses montantes vultosos dão a entender à primeira vista. No cada vez mais seleto grand monde daqueles que possuem contas bancárias equivalentes aos seus pedigrees, a confiança é a moeda mais valiosa. Se quebrada, acaba virando o mesmo que uma nota de €500 (R$ 2,6 mil) reduzida às cinzas.

Logo que foi informada sobre os fundos – eis aqui um mistério ainda a ser revelado; ninguém sequer imagina como esse segredo foi quebrado – Ilaria acionou legalmente a irmã e a Elystone Capital, gestora das finanças da família, a mesma que controla os patrimônios pessoais de Paolo e Nicola. Os dois, por sinal, evitam se meter na desavença entre Veronica e Ilaria, mesmo apesar de correrem um risco financeiro devido ao labirinto legal da confusão. Embora o atrito das duas possa parecer único, desentendimentos sobre herança como esse estão afetando muitas empresas europeias antigas. Segundo um relatório de 2017, publicado pela Universidade de St. Gallen da Suíça, cerca de 12% dos negócios familiares estabelecidos há mais de um século enfrentam igualmente delicadas quando o assunto é sucessão ou gestão.

Na próxima segunda-feira (18), Veronica e Ilaria vão se ver pela primeira vez pessoalmente em quase três, em uma corte de Nova York, com objetivo de tentar chegar a um cessar-fogo. E terão até a sexta seguinte (22) para negociar isso. O conflito das irmãs Bulgari por US$ 130 milhões (R$ 633,1 milhões), sendo que um dia herdarão os US$ 1,9 bilhão (R$ 9,2 bilhões) de Nicola, não é um mero capítulo isolado na rica e intrigante história de sua família. Nesse contexto, acaba servindo como um microscópio que permite espiar brevemente o que acontece no palco quando as cortinas se fecham, e nesse sentido sendo um olhar sobre essa parte mínima da população mundial formada pelas últimas famílias riquíssimas com um longo provenance, que desempenharam um papel de protagonista em nossa era desde o fim do século 20 e ainda sem previsão de quando ou se um dia sairão de cena. Dunne, quando um Shakespeare em um pedaço desse período, e um que relatava casos reais como se fossem peças do britânico, uma vez apontou, costumava dizer também que um bom drama da vida real envolvendo ricos ficava ainda mais interessante quando eles entravam em apuros. E o mundo aguarda ansioso o próximo ato desse entre Veronica e Ilaria.

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