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Luis Miranda em cena | Divulgação: ‘O Auto da Boa Mentira’
Luis Miranda em cena de ‘O Auto da Boa Mentira’ | Divulgação: ‘O Auto da Boa Mentira’

Devido à pandemia, Luis Miranda saiu dos palcos, pausou papéis e perdeu amigos para a COVID-19. Mesmo em meio a tanta turbulência, o ator segue na luta, confiante em suas crenças, críticas e trabalhos. Prova disso é o lançamento do filme ‘O Auto da Boa Mentira’, que já está sendo exibido nos cinema. O ator classifica esse trabalho como um ato de resistência. “A gente sabe a dificuldade das pessoas de irem ao cinema, então já contamos que o filme vai ter uma carreira curta nas telonas e vai para o streaming, mas acho um ato de resistência continuar fazendo cinema mesmo com toda anti-política do governo com relação à cultura e com todo boicote ao cinema nacional, aos artistas. A gente conseguir fazer um filme em um momento como este é uma vitória, um orgulho”, afirmou Luis.

E  papo com o Glamurama, Luis Miranda falou mais sobre o longa-metragem, opiniões políticas, Paulo Gustavo e classe artística.

Glamurama: ‘O Auto da Boa Mentira’ é inspirado em contos do Ariano Suassuna. Você mergulhou na história do escritor? Como foi esse processo?
Luis Miranda: Ariano faz parte do nosso calendário teatral. ‘O Auto da Compadecida’ e várias outras obras dele são ícones não só do cinema. Meu contato com ele foi na escola, foi com o teatro, e a gente sempre fica muito feliz toda vez que recebemos o convite para interpretar algo escrito por ele. Mas, no caso deste trabalho, estamos falando de um filme que é composto por vários minicurtas.  A leitura desse Ariano passa por uma adaptação do João Falcão, por outros autores, e com direção do José Eduardo Belmonte, que mostra um Ariano com outra roupagem, um pouco diferente daquilo que vimos na Compadecida. Neste caso, temos um Ariano misturado com o cotidiano, fazendo com que sua obra seja cada vez mais contemporânea. Tivemos que entender o que cada história queria dizer e mergulhar para viver aquilo de uma maneira realista e visceral.

G: O filme tem histórias fragmentadas, assim como ‘Relatos Selvagens’, do diretor Damián Szifron. Foi interessante trabalhar com esse formato?
LM: Eu acho maravilhoso trabalhar neste formato. Primeiro que amei ‘Relatos Selvagens’ e penso que no mundo está cada vez mais fragmentado. A gente vê muita coisa no celular, às vezes quando é um filme muito longo você não tem paciência de assistir inteiro, mas dividido em cenas, você vê um episódio hoje, depois assiste outro amanhã… então penso que esse formato até facilita o acesso das pessoas. Isso faz o público ver a tiracolo porque a história é mais enxuta. Foi maravilhoso, uma experiência incrível… fizemos cada cena como se fosse um longa. Acho que essa era a ideia.

G: A mentira é a protagonista no filme. Esse tema é importante para o Brasil atual?
LM: Acho esse tema extremamente atual. Quem acompanha a história do Brasil sabe o que foram as fakenews durante todo o período eleitoral (2018) e como tem sido essas informações truncadas, o quanto isso tem vitimado pessoas. Isso é uma prática criminosa e atinge uma camada muito grande de pessoas. Com esse desespero de ser o primeiro a dar a notícia, muitas vezes acabamos não checando a fonte. Falar sobre a mentira no momento em que o país está sendo assolado por essa desinformação, é muito importante e legitimo.

G: Com a pandemia, os formatos online ganharam um espaço gigantesco. Acredita que isso veio para ficar, ou nada substitui os palcos?
LM: É muito difícil substituir os palcos. Acho inclusive que quando recuperarmos nossa confiança, saúde e equilíbrio, vamos querer estar em contato com o outro. Acredito que vamos ter um contato mais afetuoso, vamos querer estar mais perto do artista, essa é minha esperança. Vamos ter necessidade do contato, da proximidade. Por isso acho que nada substitui o palco.

G: Você tem mostrado descontentamento com o governo em suas redes sociais. Com tantas pautas em voga, o que tem feito para deixar seu isolamento social menos penoso?
LM: Não acredito nessa história de fazermos um universo para nos protegermos, de se isolar do que está acontecendo, de viver um mundo sem olhar para o que de fato ele está oferecendo. Durante esse período da pandemia, quis ler jornal, quis ler notícias, quis acompanhar as coisas, entender a doença, a dimensão do que estamos vivendo, a política deste momento. Sou crítico do governo muito antes dele existir, porque sou crítico de gente que não respeita minorias, de quem não tem condição psicológica e mental para gerir e governar um país. Eu realmente sou contra esse governo e cada vez mais. Digo que a culpa disso tudo é desse governo genocida, que patrocinou a morte de pessoas através da ignorância, da disseminação de mensagens falsas e de protocolos enganosos. Procurei durante esse tempo entender espiritualmente o que estava acontecendo. Perdi três parentes durante a pandemia, perdi amigos muito próximos, perdemos Paulo Gustavo. Nossas redes sociais deveriam e precisariam ter sido usadas cada vez mais para isso, era preciso um movimento nacional, que deveria ter sido decretado pelo governo, para a classe artística se juntar… somos muito desunidos. A gente teria que se juntar para fazer posts, não só de perfume, lingerie, produto, mas de vida, de mensagens, de ensinamento, tendo um protocolo firmado com todo mundo e dizer o que precisa ser dito. Porque tem aquele cara que não escuta o governo, mas escuta o artista, escuta a cantora, o ator. Temos um grande poder de comunicação para chegar a essas pessoas. Faltaram campanhas, incentivos, união. Estamos chegando a quase 500 mil mortos e as pessoas ainda continuam isoladas dentro de si, sem se abrir para o mundo. De uma maneira ou de outra, isso mexe com a gente, não tem como se proteger.

G: É possível deixar a vida um pouco mais leve diante do cenário em que estamos vivendo atualmente, pandemia e governo?
LM: Não tem como deixar a vida mais leve, só a partir da espiritualidade, e eu falo de todas as crenças que cada um possa vir a ter. A gente precisa entender esse momento como um período de transição, precisamos repensar nossas práticas com o outro, um monte de coisa. Para o mundo ficar mais leve, essas mortes todas precisariam servir para que a gente se humanize, porque ainda vivemos muito selvagemente. Os assassinatos dos negros, de indígenas, da periferia, do povo pobre, LGBT, o feminicídio, e uma série de outras violências que mostram o grau de selvageria em que nos encontramos.

G: O humor tem sido cada vez mais necessário?
LM: Vimos isso nas últimas palavras de Paulo Gustavo. A crítica social, especificamente no meu caso, sempre esteve presente nos meus trabalhos, nos meus posicionamentos, nas minhas peças, no ‘Terça Insana’, nas peças que escrevi, nessa última sobre Madame Sheila, que é um amargo retrato de uma classe social do país, indiferente à miséria, à tragédia e à catástrofe. É uma gente que vive postando, ostentando essa ignorância do afeto. Então, de uma maneira ou de outra, o humor vem para poder colocar essas coisas em cheque, jogar uma luz nesse lugar. É imprescindível e saudável que o humor ajude a curar essas mazelas.

G: Quais são seus novos projetos? 
LM: Tenho filmes ainda para serem lançados. Rodei ‘Lima Barreto’, que já está pronto, mas não tem data de lançamento após esse desmanche na cultura. Por isso estamos comemorando ‘O Auto da Boa Mentira’, porque os outros filmes estão encalhados por aí. Tenho convite para o teatro, me chamaram para uma peça com a Arlete Sales, com direção do Guilherme Leme, que fala sobre Shakespeare, mas depois entro em mais detalhes sobre isso. Tem o projeto de voltar com ‘Irma Vap’, porque temos compromissos ainda para vencer, tem a possibilidade de voltar com ‘Madame Sheila’. Estou no ‘Cine Holliúdy’, que foi adiado, e renovei meu contrato na Globo. Tem o projeto da novela ‘Selvagem da Ópera’… tenho me interessado cada vez mais em sair da área do humor e cair na dramaturgia. Temos que experimentar outras coisas, vencer obstáculos. O ator não é um só, somos vários e sempre batalhei para isso. Tenho pavor do lugar comum, da zona de conforto.

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Play para conferir o trailer de ‘O Auto da Boa Mentira’:
(por Baárbara Martinez)

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