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Mulheres negras importam
Foto: Getty Images

Por que a morte do americano George Floyd, em maio de 2020, mobilizou o planeta, viralizou a hashtag #blacklivesmatter e no Brasil milhares de mortes negras não provocam a mesma repercussão? Por que os movimentos negros brasileiros não saem às ruas protestando como nos Estados Unidos? De que forma o racismo atinge as mulheres negras? Ou o que a população branca realmente sabe a respeito do racismo? E, por fim, o que eu sei sobre o racismo? Perguntas como essas foram o ponto de partida para o livro “Mulheres Negras Importam”, escrito pela jornalista Darlene Dalto, que entrevistou 12 mulheres negras de diferentes idades, cidades, estados, profissões e classes sociais ao longo dos últimos dois anos.

Vencedora de dois prêmios Jabuti com a obra “Processo de Criação”, a autora conta que decidiu escrever “Mulheres Negras Importam” quando Floyd morreu porque não entendia aquela comoção mundial, com todas as contas do Instagram postando um quadrado negro e a mensagem #blacklivesmatter. “Será que todo mundo estava comovido mesmo, marcas e influenciadores? Me perguntei o que eu sabia sobre o racismo. O que os brancos sabiam sobre o racismo. Nada. Zero. Ninguém sabe nada e não se importa. Então, quis aprender e para isso entrevistei 12 mulheres negras extraordinárias de várias cidades, profissões e regiões do Brasil, que me ensinaram uma vida. São mulheres comuns e protagonistas ao mesmo tempo, sobreviventes e heroínas”, revela.

O livro naturalmente leva a comparações inevitáveis. “Acho impossível ler e não comparar o Brasil branco e o Brasil negro, a vida que levam mulheres brancas e pretas. São realidades vergonhosamente desiguais. Penso que passou da hora de a sociedade como um todo respeitar e ter empatia por pretos e pardos, que são 55% da população brasileira. E passou da hora de os políticos pensarem objetiva e efetivamente em políticas públicas para a população negra, já que, aparentemente, ela jamais receberá a reparação histórica que merece”, completa.

Além de nos apresentar às histórias dessas mulheres e como o racismo marcou suas vidas, a obra traz retratos de cada uma das entrevistadas assinados pela fotógrafa Larissa Isis, propositalmente uma profissional negra. Ela é autora do Projeto Cansei, uma série de fotos com mulheres que revelam a dolorosa experiência de ser negra no Brasil.

O livro está à venda na Amazon por R$ 24,99.

Divulgação
  • O que você pode nos adiantar sobre “Mulheres Negras Importam”? O que encontraremos em suas páginas?

  • São mulheres comuns e protagonistas ao mesmo tempo, sobreviventes e heroínas. Desde que nasceram até hoje elas enfrentaram e enfrentam, não importa o sucesso e a grana que tenham, elas enfrentam atitudes racistas todos os dias, diariamente. Volta e meia são desrespeitadas, invisibilizadas e desqualificadas porque a cor negra, neste país, sempre chega antes. Daniele da Mata, uma das mulheres que entrevistei, me disse que ela tem certeza de que a Beyoncé até hoje sofre racismo. Ela disse: “Não importa que eu seja empresária, tenha um trabalho bacana e seja influente nas redes sociais. Nada disso me protege do racismo estrutural. A Beyoncé, que é uma deusa. Se ela estiver na rua sem maquiagem, vestida normalmente e entrar em uma loja mais chique, ela vai sofrer algum tipo de preconceito, de discriminação. Tenho certeza porque isso independe de dinheiro”. E ela infelizmente tem razão. Lembra do que aconteceu há alguns anos com a Oprah Winfrey em Zurich?

  • Que resposta do público você espera alcançar com “Mulheres Negras Importam”?

  • Não tenho a menor ideia. Eu precisava escrever esse livro e gastei dois anos inteiros, sábados e domingos inclusive, durante a pandemia, ouvindo e escrevendo e estudando e pensando a respeito. Li e vi muita coisa. Foi um processo dolorido. Hoje eu entendo por que muitas mulheres negras não querem mais falar sobre suas dores. Simplesmente porque dói. Doeu ouvir. Doeu escrever sobre elas. Ao mesmo tempo essas mulheres são extraordinárias porque elas conseguiram feitos igualmente extraordinários em suas carreiras: Dina Makiyama é uma empresária muito competente e muito bem sucedida. Cibelle Magalhães nasceu na Coab de Itapevi e entrou em nada menos do que nas três mais importantes faculdades de medicina do país, é cardiologista formada pela USP (Universidade de São Paulo). Sonia Guimarães é uma Deusa, é a primeira mulher negra PhD em física do Brasil, estudou na Itália e na Inglaterra, é também a primeira mulher negra professora de física do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e é inventora, sua primeira patente saiu recentemente. E elas conseguiram tudo apesar de terem nascido neste país intrinsecamente racista. Merecem todos os aplausos. Também escrevi MNI para homenagear suas vidas.

  • O que mais te marcou, enquanto produzia a obra?

  • Em uma palavra: tristeza. Muita tristeza. Porque apesar de algumas delas terem conquistado muito, o racismo ainda existe e pode acontecer em qualquer lugar, a qualquer hora. Ele simplesmente vai acontecer e sem avisar. O racismo é a questão social mais importante que temos no país e ela está longe de ser resolvida. Não há vontade política. Os brancos não se importam, como já disse. Aprendi também que o racismo, ao contrário do que muitos possam imaginar, não é um problema dos negros. Não foram os negros que inventaram o racismo. Historicamente foram os brancos. E os brancos precisam entender que eles também devem lutar contra o racismo e lutar ao lado dos negros. Enquanto a questão racial no Brasil não for resolvida, jamais seremos um país justo, jamais seremos uma verdadeira democracia.

  • Seu livro é uma obra mais do que necessária nos dias em que vivemos, visto que mesmo com tantos casos de racismo trazidos pela mídia, – como o recente caso do humorista Eddy Jr., que inclusive resultou em protesto em frente ao seu prédio na noite desta quinta-feira -, ainda existam tantas pessoas que se sentem confortáveis para cometer atos racistas sem medo de câmeras ou julgamentos. Por que isso ainda acontece e qual o primeiro passo para mudarmos essa realidade?

  • Evoluímos como sociedade em diversos aspectos, mas o ser humano continua muito egoísta. O que faz alguém achar que é melhor do que o outro? Cientificamente todos os seres humanos têm um pé na África. Como me explicou a cientista Sonia Guimarães: “A verdade é que a humanidade nasceu na África. Todos nós, de todas as cores, viemos de lá. Há 60 mil anos existiam entre 2 mil e 10 mil pessoas no planeta e todas moravam no sul da África. Foi de lá que elas partiram e povoaram o mundo. Isso está provado. Gosto de lembrar que o DNA do ser humano é 99,99% igual entre brancos, pretos, vermelhos, amarelos e só 0,01% é diferente”. Passou da hora de brancos e negros se unirem. Passou da hora de nos tornarmos antirracistas. Eu me tornei antirracista, sou uma branca aliada, ativista e hoje divido o que aprendi em palestras e em qualquer lugar onde eu possa falar.

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