Em meio à uma exposição individual com a curadoria de Cristina Burlamaqui, no Espaço Movimento Contemporâneo Brasileiro, no Rio de Janeiro, Gabi Gelli compartilhou um vídeo em seu Instagram criticando a maneira como o mercado de arte opera. “Você passa anos fazendo uma pesquisa artística sobre trauma, dor, morte, faz exposições e feiras importantes para ouvir que se fizer publicidade para alguma marca, está desvalorizando seu trabalho de arte. Gostaria muito de entender o porquê”, desabafou Gabi, que divide sua rotina entre o trabalho como artista plástica e produtora de conteúdo para as redes sociais.
A carioca de de 25 anos mostrou coragem ao compartilhar suas críticas com seus mais de 20 mil seguidores: “Pode até ser que eu me queime com algum curador, colecionador ou galerista, mas acho que tudo que falei era importante ser dito. O mercado de arte não é nada contemporâneo, porque sempre tende a reprimir e desvalorizar qualquer pessoa que se expresse bem nas redes sociais e que faça qualquer coisa sem ser arte no seu Instagram. É assim que eles continuam com o monopólio, né? No momento em que o artista consegue autonomia, esse poder se dissipa e acaba ameaçando o mercado da forma como ele opera hoje”, explicou Gabi durante o papo com GLMRM acrescentando: “De modo algum desejo que essas funções acabem, elas são importantíssimas para o funcionamento do mercado. Só quero que elas se adaptem ao mundo”.
“O mercado de arte tende a reprimir e desvalorizar aqueles que fazem qualquer coisa sem ser arte no seu Instagram”
Gabi Gelli
Nascida em uma família de criativos, ela contou que começou a trabalhar nas redes sociais durante a pandemia, porque sentia falta da troca com as pessoas. “Ter ficado em casa, sem o contato físico, me deixou angustiada. Foi aí que comecei a gravar os IGTVs (vídeos longos para o Instagram) com reflexões do dia a dia. A galera se identificou e fui crescendo de maneira natural e intuitiva”, relembrou. Ironicamente, quando criança, Gabi queria seguir carreiras que hoje chama de “caretas”. “Em casa, todo mundo é designer, e eu falava ‘alguém tem que fazer alguma coisa séria aqui. Vou ser advogada, economista’, queria fazer uma profissão bem quadrada porque achava que todo mundo na minha família era muito doido. Acabou que isso não tinha nada a ver comigo e só descobri que era muito doida também”, disse.
Como tudo começou
“Quando tinha 16 anos, tive uma crise de ansiedade no colégio, desmaiei e me levaram ao hospital. Lá, fizeram todos os exames e descobriram que eu tinha uma condição congênita chamada Wolff-Parkinson-White e que tinha que operar. Foi tudo muito rápido e, na hora, não consegui processar direito o que tinha acontecido. Então, fiquei durante um ano tendo o que os médicos chamam de crise pós-traumática. Desmaiava uma vez por semana, sentindo dor no coração e não tinha nada de errado na parte física. Já na faculdade (de Design Gráfico), fiz um projeto sobre a história das cicatrizes das pessoas e me interessei muito por esse tema. Eu nem tenho uma cicatriz física, consegui fazer minha operação por cateterismo, mas comecei a reparar e pensar que cada cicatriz carrega uma história. Queria investigar isso e fiz um livro artístico com o intuito de ressignificar as nossas dores. Normalmente, as pessoas querem escondê-las, mas o que eu queria mostrar é que, na verdade, cada cicatriz é um símbolo de força. Se você tem uma marca no corpo, é porque sobreviveu. Quando eu vi o resultado desse projeto e vi as pessoas que participaram falando que aquilo tinha mudado o olhar delas, entendi o poder que a arte tem de cura e transformação. Foi nesse momento que falei ‘preciso ser artista’.”
“Cada cicatriz é um símbolo de força. Se você tem uma marca no corpo, é porque sobreviveu”
Gabi Gelli
O que inspira Gabi
“Esse mundo criativo é quase uma droga, sou viciada em estar criando e resolvendo problemas para as coisas. Em casa, existe uma troca familiar muito grande com meu pai, irmã e mãe. Estamos o tempo todo pensando juntos”, afirmou Gabi que, em 2021, iniciou um projeto com sua irmã mais velha Alice, o “irmãs gelli”. “Não tem nada que me inspire mais do que as pessoas, trocar ideias com elas e vê-las fazendo o que vieram fazer neste planeta, o que amam. Não sou uma artista que vive enfurnada em ateliê, criando só eu e eu mesma e depois levando para o mundo. Para mim, o ateliê é muito mais um lugar de realização do que de criação. As minhas ideias vêm quando estou vivendo, conversando, viajando. Quando tenho uma ideia, compro o material e vou estudar isso dentro do ateliê, vou produzir isso para o mundo”.
Para os futuros artistas plástico do Brasil
“Minha dica é: faz! Produza muito e, todo dia, faça alguma coisa. Pesquise, converse com pessoas, assista a filmes, veja documentários, leia livros, mas, sobretudo, embarque na tua pesquisa. Às vezes, as pessoas ficam buscando a ‘coisa’ fora, mas eu acho que o pontapé de todo trabalho de arte é alguma coisa que te interesse muito para você poder levar isso adiante. Ah, tenha boas relações com as pessoas, vá atrás, seja cara de pau, bata na porta e peça o emprego. Acho que isso faz a gente ir para a frente. Se não, ficamos achando que as coisas vão cair no nosso colo. Elas não vão”.
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