Um dos mais importantes intelectuais brasileiros, Darcy Ribeiro teria completado 100 anos em 2022. Para celebrar seu legado etnográfico, uma exposição virtual está disponível na plataforma Google Arts & Culture desde o início deste mês e traz as fotografias feitas por Darcy em pesquisas de campo com os povos kadiwéu, urubu-ka’apor e ofayé.
Com curadoria de Milton Guran e programada pelo Museu do Índio, a mostra é uma adaptação da exposição física “O Olhar Precioso de Darcy Ribeiro”, realizada na Caixa Cultural do Rio de Janeiro, em 2010. Os ensaios com os três povos remontam às primeiras incursões do jovem antropólogo do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), recém-formado pela Escola de Sociologia e Política da USP, no fim dos anos 1940. “Com os kadiwéu foi que, de fato, aprendi a ser etnólogo porque assim como eu os estudava, eles estudavam a mim e, por meu intermédio, a minha gente”, escreveu Darcy em sua autobiografia.
Os registros têm grande valor histórico, principalmente no caso dos Ofayé, já que quase não há documentação e eles foram praticamente dizimados. As fotos de Darcy (morto em 1997, aos 74 anos) que integram a exposição fazem parte do acervo do SPI, órgão criado em 1910 e extinto em 1967, dando origem à Fundação Nacional do Índio (Funai). O acervo é classificado pela Unesco como Memória do Mundo por sua relevância histórica, social e antropológica.
“Esse reconhecimento dá a dimensão da importância desses registros documentais únicos no seu tempo. O Museu do Índio presta um grande serviço aos povos originários e à nação brasileira na salvaguarda impecável desse patrimônio memorial”, diz Guran.
A coleção completa reúne mais de 2 mil fotos do antropólogo, das quais 50 foram selecionadas para a exposição, que também exibe registros de Berta Ribeiro, antropóloga e companheira de Darcy. “O que faz das fotografias de Darcy algo tão especial é que ele, no ânimo da descoberta e na busca do conhecimento, deixou-se contaminar pela singularidade dos encontros com o outro, aquele que é portador de uma cultura totalmente diversa da sua”, avalia Guran. “É essa dupla camada de vida que faz com que seu olhar seja realmente precioso. São fotografias diretas, cândidas, que, embora cumpram sua função na pesquisa, expressam sobretudo a relação humana do contato, como se fossem fotos de família. Da grande família que os povos originários foram para Darcy.”
Ferino, falante e com humor afiado, Darcy foi um intelectual incomum que se converteu em um político visionário. Ex-aluno de medicina, saiu de sua Montes Claros, em Minas Gerais, passou pela capital mineira e por São Paulo, embrenhou-se nas matas amazônicas, planejou a Universidade de Brasília, foi ministro da Educação, chefe da Casa Civil de João Goulart, exilado político, vice-governador e senador. Como indigenista, foi o responsável pela criação do Museu do Índio, em 1953, com a ideia de combater a visão colonialista que tratava os povos originários como selvagens ou primitivos.
A exposição virtual é uma das homenagens que Darcy recebeu pelo seu centenário, comemorado no dia 26 de outubro. Em curtíssima temporada, a Biblioteca Parque Estadual do Rio de Janeiro recebeu a mostra Darcy Ribeiro: Dos Kadiwéu ao Quadrup, parte do projeto “100 anos Darcy Ribeiro”, que divulgou um edital com distribuição de cinco prêmios de R$ 50 mil destinados a empreendedores culturais do Rio de Janeiro que apresentem propostas relacionadas à vida e à obra do antropólogo.
Texto por Luís Costa
Matéria da nova edição da Revista Poder
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