Estela May começou rabiscando seus cadernos durante as aulas mais tediosas no colégio e hoje, aos 21 anos, é dona da tirinha mais existencialista da “Folha de S. Paulo” – publicando ao lado de nomes como Laerte e Caco Galhardo. Em sua maioria em preto e branco, “Péssimas Influências” traz uma mistura fina entre melancolia e humor ácido, herdada de seus pais, os roteiristas Alexandre Machado e Fernanda Young, morta em agosto de 2019. Enfrentando o luto e a solidão da quarentena, Estela May fala sobre a dificuldade em lidar com a ausência da mãe e crises existenciais: “Me sinto flutuando numa nuvem, às vezes nada faz sentido”.
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Quando começou a desenhar?
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Estudei em uma escola muito legal que tinha aulas de cinema e artes. Desenhava na aula de artes e ficava rabiscando no meu caderno durante as matérias mais chatas. Quando entrei no Instagram, com uns 15 anos, passei a postar meus desenhos e isso acabou impulsionando meu trabalho.
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Você é tímida?
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Muito. Minha mãe que era boa de falar. Eu prefiro desenhar e escrever. Na quarentena, comecei a escrever uns diários e tem sido muito legal. Já escrevi uns sete. São frases soltas, desenhos, imagens… Acho que, se um psicanalista visse, iria entender muita coisa.
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Tem crises existenciais?
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Sempre. Fico pensando no presente e está tudo uma loucura. Me sinto flutuando em uma nuvem, às vezes nada faz sentido. Na pandemia, recebi muitas mensagens de amigos perguntando se eu estava bem depois de ler minhas tirinhas [risos]. Como elas são diárias, é como se fosse um diário. Elas dizem muito sobre mim.
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Já fez análise ou terapia?
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Tinha começado antes da pandemia, mas não queria entrar nessa onda do virtual e parei.
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Como é sua irmã gêmea?
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Cecília é bem diferente. Ela é mais lógica, então, quando a gente se junta, as coisas ficam interessantes.
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Maior esquisitice que já fez?
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Fui uma criança esquisita. Teve uma época em que eu só dormia com um guarda-chuva aberto em cima da minha cabeça. Em outra fase, só dormia com a luz acesa, em outra, só comia se tivesse um ketchup na minha mão.
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O que tem do seu pai?
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A reclusão. Minha mãe sempre foi muito sociável, frequentava festas, meu pai, não.
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E o que carrega da sua mãe?
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Ela foi feita para mim porque tudo dela, inclusive as roupas, os livros, me servem. Até mesmo os sapatos, e eu calço 34, tendo 1,70 m! Tenho dela essa forma de me expressar pela arte e de ser sensível. Ela pegava todas as dores dos outros. Mas tinha um lado agressivo, de falar o que queria, que eu não tenho, mas almejo.
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Você escreve sobre o luto. Como passou por ele?
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Dói pra caramba. Parece ser uma ferida que nunca vai fechar. No início, ficava desesperada em pensar que cada dia ficava mais distante do tempo que estive ao lado dela. Passei por uma grande crise existencial de questionar quem sou eu sem minha mãe. E ainda estou passando. Migrei para o quarto em que ela dormia e fiz uma salinha, onde trabalho. Dá uma saudade doida, mas sinto sua presença na casa toda hora.
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O que a morte representa?
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Lembro de, ainda pequena, estar deitada com minha mãe na cama e começar a chorar, sem dizer para ela o motivo, mas por pensar que um dia ela iria morrer. Hoje, não vejo a morte como uma coisa oposta à vida. Acho que faz parte, e é bonita.
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A adolescência foi difícil?
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Pra caramba. Ainda me sinto passando por isso. Primeiro meu pai ficou doente, depois minha mãe morreu. Acho que perdi uma fase que seria de diversão. Nunca namorei, sou muito quietinha. Quando estava começando a gostar de sair e encontrar pessoas, começou a pandemia e eu voltei para o meu quartinho.
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Gosta de política?
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Leio o que tem no jornal, mas fico meio enjoada com tudo. As notícias me puxam para essa realidade e, às vezes, quero só ficar flutuando.
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O que tem feito na pandemia?
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Pirei um pouco. Não quero encontrar pessoas mais ou menos, quero ser superfeliz ou supertriste, então me entreguei à melancolia. Quase não saí de casa, só passei uns dias na nossa casa em Gonçalves (MG). Estou terminando de ler “A Montanha Mágica” e fiz umas 100 playlists no Spotify. Gosto muito de música e, no momento, tem sido o que mais gosto de fazer. Toco baixo e meu sonho sempre foi criar uma banda só de meninas. Também tenho vontade de fazer cursos de cinema. Já escrevi algumas coisas com a minha irmã e gostei.
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