Em um contexto como o do Brasil de 2022, há uma lacuna gigantesca na instituição “Brasil”, uma lacuna de identidade: ninguém sabe ao certo definir o que realmente é ser brasileiro, no sentido mais “heroico” possível, além do futebol, samba, funk e feijoada. Dessa lacuna, surgem figuras que a reivindicam no sentido mais épico possível, obviamente se justificando em outras coisas além do “ser brasileiro”, como por exemplo ser cristão e tentar vincular o “ser brasileiro” com “Brasil é um país cristão”, evidenciando uma busca por identidade no histórico religioso do “brasileiro”, identidade essa que não tem mais de 500 anos e violentamente foi imposta, cujas feridas abertas em tal imposição não foram fechadas ainda. A grande questão que gostaria de tratar é que a polarização desencadeia uma disputa em torno de saber o que é ser um brasileiro.
Cardinalmente seguindo a direita dessa polarização, vemos uma associação dessa identidade do ser brasileiro com valores tradicionais, sustentados por uma falsa nostalgia, uma roupagem cristã que busca justificar o poder nas mãos dos escolhidos servos de Deus para que reinem de maneira tão justa quanto Davi. Recorrem à história buscando suprir o vazio da sua existência atual (enquanto brasileiro) com um nacionalismo superficial e uma exaltação quase hilária de figuras históricas que não causam orgulho nenhum na população brasileira (sobretudo com militares) e compõem uma narrativa que reivindica de maneira heroica o que verdadeiramente é ser brasileiro (de bons costumes!) e nacionalista.
Olhando para o outro lado, a esquerda, temos uma tentativa mais “progressista” de se imaginar o brasileiro, buscando a identidade através das consequências do passado e no sofrimento do hoje. Valores modernos de inclusão e respeito à diversidade, uma roupagem conciliatória (de classe, raça, gênero etc) que busca representar as muitas faces do brasileiro apelando para a dona de casa que mora na favela e o indígena nativo que vive de maneira tradicional. Pensando no heroísmo cotidiano dos trabalhadores como uma tentativa de pertencimento a um nacionalismo (inerente exploração da mão de obra histórica do brasil, com a narrativa que o povo brasileiro sempre foi um povo trabalhador, por isso é um herói trabalhador) que não está presente na própria identificação do sujeito como brasileiro e que possuí um chamado para construir um “novo Brasil” (afastando-se da nostalgia fascista dos governos militares) inclusivo, democrático e próspero pelo trabalho dos brasileiros.
Cada polo procura preencher a lacuna da instituição Brasil, lacuna essa que é consequência de uma história que mais se assimila a uma tragédia do que qualquer outra coisa. As tensões geradas pelas disputas de narrativas são exatamente a hostilidade entre os polos, como atentados à vida da oposição, que ironicamente deveria ser um compatriota brasileiro. Mas como não se encaixou nos critérios dispostos por um dos polos, não é considerado digno de tal pertencimento e torna-se alvo de aniquilação, pois quer corromper o tão sagrado Brasil dos brasileiros.
A polarização não gera uma unidade de identidade como “o verdadeiro brasileiro”, ela segrega a critério de um jogo político, aumentando o abismo que é essa lacuna em ser brasileiro, pois “meu vizinho não quer o bem da nação porque ele apoia o fulano.”
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