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Fachada da danceteria Florestta, em São Paulo
Fachada da danceteria Florestta, em São Paulo || Créditos: Arquivo pessoal / Reprodução
Fachada da danceteria Florestta, em São Paulo || Créditos: Arquivo pessoal / Reprodução
Fachada da danceteria Florestta, em São Paulo || Créditos: Arquivo pessoal / Reprodução

Templo dos “antenados” no fim dos anos 1990, a danceteria Florestta foi palco de uma tragédia que abalou a noite de São Paulo. Com ciúme da namorada, um estudante de Direito discutiu com um investigador à paisana e foi morto com um tiro no peito. Desesperado, o assassino pôs fim à própria vida

Por Paulo Sampaio

Se naquele sábado, 8 de agosto de 1998, o investigador policial Antônio Eduardo Hayashi Fragata, 22 anos, não levasse na cintura seu Taurus calibre 38, o desfecho do bate-boca com o estudante de Direito Rogério José Garbelini, 20, certamente não teria sido tão devastador. Mais rápido do que a prudência recomenda, Fragata, que estava à paisana, puxou a arma do coldre, atirou no estudante e em seguida se matou. Os dois rapazes jamais haviam se visto, até que o destino os confrontou na pista do Florestta, danceteria que ficava na Vila Olímpia, zona sul de São Paulo.

Inaugurado em 1996 por um grupo de 12 sócios cheios de boas conexões, o clube noturno atraía um público que a mídia chamava na época de “antenado”. Com um projeto arrojado, a casa estava instalada em um galpão de 5 mil metros quadrados, chão de cimento e pé-direito alto. Além de fileiras de camarotes nas laterais da pista, havia um palco ao fundo. Na área externa, onde as paredes eram forradas de bambu, o paisagismo agregava plantas exuberantes e um sofisticado espelho d’água. Dois bares grandes serviam a casa, que tinha capacidade para 2 mil pessoas. Apesar do luxo, em 1998 o Florestta já não estava com essa bola toda, tanto que acabou fechando as portas perto do fim do ano.

Interior da danceteria Florestta, em São Paulo || Créditos: Arquivo pessoal / Reprodução
Interior da danceteria Florestta, em São Paulo || Créditos: Arquivo pessoal / Reprodução

FARELO NA CAMISA

Rogério Garbelini chegou à danceteria por volta das 22h, acompanhado da namorada, a fisioterapeuta Tatiana Alves de Oliveira, 18, e do estudante Rafael Lotti, 22, que foi com uma “ficante”. Pivô da tragédia, Tatiana estava com Garbelini havia um ano e dois meses. Lotti era amigo dele desde o colegial; os dois fizeram cursinho juntos e ambos estudavam Direito. Por conta de um evento da faculdade, cobraram deles R$ 60 de ingresso, com direito a R$ 40 de consumação. Pouco depois das 3h, quando os quatro resolveram ir embora, Garbelini disse à namorada que o esperasse nas proximidades do palco, enquanto ele ia pagar a conta. Nesse ínterim, Fragata se aproximou de Tatiana disposto a investir nela. A moça disse que estava acompanhada, pediu que a deixasse em paz, mas o investigador insistiu. “O cara chegou bem perto dela, falando no ouvido”, lembra Lotti. “Ela olhava pra mim como se dissesse que aquilo não ia dar certo.” Como a fila do caixa estava muito grande, Garbelini preferiu dar um tempo até que diminuísse – e voltou para perto da namorada. Ao retornar, não gostou de ver Fragata tão próximo de Tatiana e resolveu tirar satisfações. Perguntou o que o outro fazia ali. Eram por volta de 3h30, e ainda havia cerca de 500 pessoas no lugar, quando a confusão começou perto da pista. O investigador empurrou o estudante. O estudante empurrou o investigador de volta. De acordo com Tatiana e Lotti, não houve socos nem chutes.

Muito rapidamente, Fragata puxou o 38 da cintura, mirou o peito de seu opositor e atirou. Um disparo só, certeiro, na altura do coração. Até cair no chão, com um olhar petrificado, Garbelini manteve uma expressão de incredulidade no rosto. O som estava muito alto, de forma que nem todo mundo que presenciou a cena conseguiu entender o que tinha acabado de acontecer. Desesperada, aos prantos, Tatiana se ajoelhou no chão gritando o nome do namorado, na esperança de que o tiro não tivesse sido fatal. Enquanto isso, Fragata já havia aberto espaço na multidão, caminhado em direção à saída e enfrentado os seguranças. O gerente da casa, Cássio Vornei, lembrou no inquérito que estava no escritório quando ouviu um estampido semelhante ao som de uma “bombinha”. Ao abrir a porta para ver o que tinha acontecido, deparou com Fragata tentando sair da danceteria pela porta de entrada. “Eu indiquei o caminho certo para ele”, contou. Na sequência, um segurança avisou: “Esse homem acaba de dar um tiro em um rapaz na pista”. Imediatamente, Vornei gritou: “Segura ele!”, enquanto pedia à secretária para ligar para a polícia, e saía atrás de Fragata.

O Florestta ficava em um galpão de 5 mil metros quadrados, com chão de cimento e pé-direito alto
O Florestta ficava em um galpão de 5 mil metros quadrados, com chão de cimento e pé-direito alto || Créditos: Arquivo pessoal / Reprodução

CÉU DA BOCA

O som foi desligado, acenderam-se as luzes, pairava agora na pista de dança um silêncio carregado de indignação. Quem estava bêbado parecia repentinamente sóbrio, por causa da expressão de estupor. Com a ajuda de outras pessoas, Lotti e Tatiana carregaram Garbelini até o lado de fora da casa. A PM chegou quase em seguida, em uma Chevrolet Ipanema, e socorreu o estudante. Levaram-no para o hospital mais próximo, o São Luiz. “O Rogério foi espremido no bagageiro, com os pés levantados no vidro”, lembra Lotti, para dimensionar a excepcional compleição física do amigo, que tinha mais de 1,90 metro e ossos muito largos. A essa altura, na calçada, Fragata perguntava a um dos seguranças se Garbelini estava bem. “Bem? Ele morreu!”, disse o outro. Desatinado, o investigador tirou a camisa para fora da calça, cobriu a cabeça e deu um tiro no céu da boca. “Um policial que conhecia (Fragata) me disse depois que essa história não condizia com o perfil dele. Acho que bebeu demais, só pode ser isso, ficou alterado”, acredita Lotti. Menos de cinco minutos depois que Garbelini deu entrada no pronto-socorro, um médico veio comunicar a seus amigos que ele já chegara ao hospital sem vida. Lotti conta que, no mesmo quarto onde ficou o corpo dele, havia outro coberto por um lençol. Ele lembra que um policial entrou, levantou o lençol e perguntou: “Você reconhece?”. “Sim”, disse Lotti. Era do investigador Fragata. “Só que ele estava com o rosto estourado”, lembra. Na ocasião, o crime foi bastante noticiado. Os donos do Florestta se eximiram de qualquer responsabilidade, alegando que não era permitido a proprietários de danceterias reter na portaria armas de policiais, caso eles se recusassem a entregá-las.

Filho de um securitário e de uma cabeleireira, Antônio Eduardo Hayashi Fragata foi criado em Perdizes, bairro de classe média na zona oeste de São Paulo, e era o mais velho de três irmãos. Aos 17, entrara na faculdade de Direito e, de acordo com seus familiares, pretendia ingressar no Ministério Público. Em 1997, havia se inscrito na Academia de Polícia, tornara-se investigador e passou a trabalhar no 47º Distrito Policial, no Capão Redondo, zona sul de São Paulo. “Ele era muito fechado, do tipo que só responde quando é chamado”, disse à revista Veja, na época do crime, o chefe dos investigadores do 47º DP, Desidério Cássio Reali. No dia em que pôs fim a própria vida, Fragata tinha ficado noivo de uma moça chamada Luana, que era fisioterapeuta, como Tatiana. Ele a havia deixado em casa, antes de ir para a balada. Na hora do reconhecimento dos corpos, os pais de Fragata e de Garbelini se encontraram de passagem. Chorando muito, o securitário Antônio Fragata pediu desculpas pelo que o filho tinha feito. “Não é culpa sua”, respondeu Darcy Garbelini. Não havia mais o que fazer.

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