Marlene Silva nunca imaginou ser artista e, muito menos, sex symbol. Sempre foi uma mulher do trabalho, com ou sem glamour, e as coisas aconteceram. Fiel às comédias da TV, querida no hi-society carioca e rainha das capas de revistas nos anos 1970 e 1980, ela conquistou muitos olhares – até o do francês Alain Delon.-
Por Renato Fernandes para a Revista J.P de setembro
Os olhos verde-esmeralda da atriz Marlene Silva têm uma origem, digamos, desconhecida. Em conversa com a J.P numa cantina italiana nos Jardins, bairro onde mora, ela relembra sua infância e, ao voltar ao passado, afirma: “Minha mãe era muito mais bonita que eu”. A mãe, Maria Olynda, era uma empregada doméstica que abalava onde passava e o pai, Marlene não conheceu. Por isso o mistério em torno da tonalidade do olhar, talvez uma herança dele: “Só sei que ele era do sul e que, quando eu era criança, vi um retrato dele, mas os olhos foram cortados pela minha mãe”.
Nascida em 1951, na Santa Casa da Maternidade da Lapa, no Rio de Janeiro, Marlene foi criada por sua madrinha, uma enfermeira que não podia ter filhos e sempre a encheu de mimos. No entanto, nunca se afastou da mãe. A beleza já era notada nos primeiros anos. Ainda menina, era dama de honra de vários casamentos. “Adoro cheiro de vestido de noiva, tem um cheiro só dele. Meu sonho foi sempre vestir um, casar de véu e grinalda, mas acho que fui tantas vezes daminha, que acabou não acontecendo”, confessa.
Morava no Bairro de Fátima e, quando saía para a labuta, pegava muitas vezes o ônibus Mauá-Fátima ao lado de Roberto Carlos, ainda anônimo e batalhando pela carreira. Antes de ingressar no show business, foi secretária, bancária, modelo da DeMillus e até vendedora de uma concessionária de carros Galaxie. “Vendi mais de 180 carros, inclusive um para Virgínia Lane”, conta. Virgínia era uma das maiores vedetes do Brasil e foi esse o próximo emprego de Marlene. Tudo por conta de um anúncio de testes para o musical “Hip Hip Rio”, de Carlos Machado. Ela foi com a cara, corpão e coragem, e passou. Em pouco tempo estava descendo e subindo escadaria até cansar, sem olhar para baixo. A estrela do espetáculo era Djenane Machado, filha do produtor. E foi com ele que adquiriu sua postura, não alterada até hoje.
Com Gisela, esposa de Machado e sua figurinista, aprendeu a se vestir e a valorizar uma roupa. Em pouco tempo, já estava nas passarelas. Muitos desfiles de Markito e Simão Azulay (com quem namorou), sempre nos mais importantes eventos fashionistas, que aconteciam no Copacabana Palace e na Feira Nacional da Indústria Têxtil (Fenit), em São Paulo. “Ganhei muito dinheiro e gastei bastante também. Não havia agentes, nós é que gerenciávamos nossas carreiras nas décadas de 1970 e 1980”, diz ela, sem a menor vergonha de falar da infância humilde. “Aprendi a me comportar em público observando. Olhando como as pessoas comem e lidam com os talheres, por exemplo.” E é fato: Marlene come um espaguete com garfo e colher, como Sophia Loren.
ESTRELA
Na década de 1970, a ascensão foi intensa. Em 1979, Marlene transborda em todas as mídias. Na televisão, semanalmente, é uma das atrações mais esperadas do humorístico “O Planeta dos Homens”, da TV Globo. Nas salas de cinema, é a protagonista do filme “A Dama da Zona”, uma produção de Cláudio Cunha e direção de Ody Fraga. Nas salas de exibição, o público passava por debaixo de suas pernas no enorme cartaz ilustrado pelo desenhista Benício. Nas bancas, no mês de maio, está na capa e no pôster central da revista “Status”, cuja nudez era revelada entre roupas de Clodovil e Markito. Tudo isso com as características naturais dela: vulgaridade zero, felicidade mil.
Marlene já era querida no hi-society. Desfilava carisma e elegância pelas pistas do Regine’s, sua casa noturna preferida, do Le Bateau e pelos grandes salões dos cariocas de famílias tradicionais. Todos sonhavam em ter a Marlene do Planeta, como sempre foi conhecida – ela despertava paixões em homens e mulheres. Que o diga Alain Delon. Certa vez, quando ela sentou à mesa do ator francês no Regine’s, foi fotografada ao lado dele e da então esposa, a atriz Mireille Darc. A tal foto rodou as colunas de gossip do Brasil e até mesmo do exterior. Muito disse me disse entre os colunistas fuxiqueiros de plantão, houve boato até mesmo de que ela teria recebido um convite de ménage à trois do casal. Ela nega a J.P: “Eles realmente ficaram encantados comigo, chegaram a pedir para a Odile Rubirosa me dar o endereço e o telefone deles em Paris”. Marlene até foi para França não muito depois, mas esqueceu o telefone do casal no Brasil.
Autêntica, ela passa longe de falsidade: se gosta, gosta, e se não gosta, pode esquecer. Já perdeu boas oportunidades de trabalho por não bajular diretores, produtores e autores, mas não tem dúvidas de que tudo que conquistou foi com sua força e talento. Entrou para a Globo levada pela colega de batalha Alcione Mazzeo. Depois de aprovada em testes, logo apareceria no “Fantástico”, “Satyricon” e muitos programas da linha de shows e projetos futuros do colega Jô Soares. Nas mensagens de fim de ano da emissora, ela e Jô sempre apareciam juntos e a imagem da dupla era forte.
Teste do sofá? Never. E ainda dava lição para as novatas: “Não transe com nenhum diretor, porque a porta da rua fica mais próxima. Muda o diretor e você vai ter de ficar com o próximo. Se ele não quiser, tchau”, dizia. Ficou 18 anos na Globo.
LUXO
Marlene morou anos em pontos nobres cariocas, como no Leblon, na avenida Delfim Moreira, e na Lagoa. Glamour? Muito. Namorados, affaires e fãs também. Durante alguns anos, teve um relacionamento com o empresário Luiz Antônio Carvalho e, certa noite, ao comerem uma pipoca num passeio de carro, ela não acreditou. Dentro do saquinho, uma joia de brilhantes e rubis. Pouco? Nada… Durante jantares em sofisticados restaurantes, não era raro Marlene abrir o guardanapo e uma pedra preciosa estar escondida dentro dele. Ronaldo Xavier de Lima também foi um de seus parceiros. Ele a levava para corridas de cavalos na Inglaterra e sempre queria vê-la confortável.
Os convites para posar nua foram muitos. O primeiro ensaio foi no início da década de 1970 para a revista “Ele & Ela”. Já no fim da década, duas edições da revista “Status”. Era um símbolo sexual? “Nunca levei isso a sério. Posava era pelos cachês, que eram bons. Precisava deles, tinha uma filha para criar. Mas, quer saber? Sempre achei constrangedor posar nua”, responde. O fotógrafo Bubby Costa, autor de ambos ensaios, viveu isso na pele, teve muita paciência com Marlene. “No meio da sessão de fotos, eu parava tudo, vestia o robe e ia para o camarim”, ela relembra. Depois até voltava, mas não se sentia bem. A filha Luciana, com 13 anos na época, ajudava a mãe de 29 a escolher as fotos a serem publicadas.
A carreira internacional também veio. Apresentou-se em Porto Rico durante três meses num show produzido por Ricardo Amaral e em outros no México e no Canadá com assinatura de Maurício Sherman. As temporadas no exterior renderam convites para ela ficar por lá. Foi sondada para filmar no México, mas declinou. “Criar uma filha é de extrema responsabilidade. Não abriria mão disso até mesmo para tentar carreira em Hollywood”, explica.
E se Marlene abriu mão das passarelas internacionais, sua filha realizou o sonho da mãe. Aos 18 anos, seguiu para a Europa e caiu nas graças de Thierry Mugler, que a aconselhou a mudar seu look, antes com o cabelão de pantera, estilo da mãe. Luciana raspou as madeixas e deu certo. Aos 19, foi eleita pela Vogue francesa uma das cinco mulheres mais bonitas do ano. Chegou a fazer 23 desfiles por estação. Focada e em tempos melhores de cachês, comprou um bom apartamento nos Jardins e um sítio. Tem um filho, Lucas, e hoje moram três gerações das Silva juntas no bairro paulistano: Maria Olynda, Marlene e Luciana.
OUTRO RUMO
Em 1988, Marlene abre mão da TV Globo para seguir com Jô Soares, para o SBT – ela e outros humoristas fiéis a Jô. Naqueles anos, o revezamento de atores para outras emissoras ainda não era comum. E não raro, eram punidos pela Globo com a famosa geladeira. Ela saiu de uma bela residência no Recreio dos Bandeirantes, no Rio, para morar no Ipiranga, em Sampa.
A nova cidade foi um desafio para Marlene, que ainda morou em Moema, na Saúde e nos Jardins. Hoje ainda é muito saudada por fãs que a reconhecem e retribui os cumprimentos com palavras amáveis e até mesmo beijos. Na Galeria dos Pães, em São Paulo, padaria próxima à sua casa, todos os funcionários a adoram. “Gosto do público. Pior seria trabalhar à beça como sempre fiz e ninguém me reconhecer”, diz ela. E toda a simpatia não é de hoje. Em 1979, uma matéria sobre ela na revista Status dizia que com a mesma desenvoltura “ela frequenta a casa de um embaixador e o barracão do porteiro de seu prédio”.
A grande surpresa foi quando a atriz caiu nas graças do público infantil. Foi esposa de Mussum no filme “O Casamento dos Trapalhões” (1988) e desfilou de carro aberto por São Paulo, na Parada do Dia das Crianças. Ainda triunfou durante oito anos com o espetáculo infantil “A Galinha Azul”.
Com o fim do humorístico “Veja o Gordo”, do SBT, na década de 1990, e Jô Soares dedicado ao seu programa de entrevistas, Marlene se viu sem emprego. Medo? Nenhum. Foi absorvida pelo “A Praça É Nossa”, mais popular do que os programas da Globo. Adaptou-se à nova realidade, não tão glamourosa. Depois, sem contrato, voltou aos tempos do Bairro de Fátima, vendeu roupas de grife, foi corretora de imóveis e promoter de casa noturna em São Paulo. “Gosto de trabalhar”, resume.
Em 2011, Marlene foi convidada para comandar o programa matinal “De Cara com a Maturidade”, da Band, em que fazia entrevistas com médicos e dava dicas de bem-estar para a terceira idade. Com o cachê muito bom, voltou a ter sua independência. No momento, estuda uma peça na qual será protagonista. Apesar de ser querida no meio, é taxativa: “É uma profissão de poucos amigos e muitos colegas de trabalho”.
Se Marlene fechou o livro de amores? Nem pensar. “A internet afastou as pessoas. Perderam o hábito de sair e conversar. Tenho saudade de viver um grande amor, isso me causa tristeza”, diz. Mas ela não se deixa levar pelo baixo-astral. É religiosa, anda com um kit com as imagens de Nossa Senhora Aparecida e Santo Antônio na bolsa, e também acredita na força de um tambor.
A atriz ainda tem metas, gostaria de voltar para o Rio de Janeiro e também para a Globo. “São Paulo às vezes é ingrata, a gente só é alguém se estiver trabalhando. Quero voltar a ter minha casa e lá receber minha filha, e apresentar o Rio ao meu neto, Lucas”, sonha. E faz questão de deixar uma mensagem: “Na vida, não é você que escolhe o seu destino, o destino é que te escolhe”.
- Neste artigo:
- Alain Delon,
- jô soares,
- Marlene Silva,
- revista j.p,