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Créditos: Jonas Tucci/Revista J.P
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Por mais insuportável que seja a dor provocada pela artrose, Eva Wilma garante que tudo desaparece assim que sobe no palco. Aos 82 anos, mais de uma centena de personagens no currículo, a atriz fala sobre amor, trabalho, sucesso e plásticas

Por Paulo Sampaio para a Revista J.P de junho

Um ano depois de ficar viúva, em 2002, Eva Wilma terminou o espetáculo biográfico “Primeira Pessoa”, com o qual comemorava 50 anos de carreira, e foi direto para o hospital. “Tive um tipo de infarto que os cardiologistas chamam de  ‘síndrome do coração partido’”, lembra, com uma expressão sombria. Ela cita o episódio não só para dimensionar seu amor pelo segundo marido, o ator Carlos Zara,  com quem viveu 25 anos, como pelo palco. Explica que o caso da “síndrome” foi uma exceção, já que nos últimos 63 anos o teatro tem resolvido qualquer dor: “Eu digo ao médico que a artrose nesse braço está insuportável, ou que a garganta está péssima, ele recomenda repouso. Mas aí eu entro em cena e tudo desaparece”. Eva reconhece que deu uma exagerada recentemente, ao percorrer 70 cidades do Brasil com o espetáculo “Azul Resplendor” (Eduardo Adrianzén). “É muita coisa, né?” Acabou sofrendo uma embolia pulmonar, passou alguns dias internada e agora já fala em projetos. “Tem um convite para teatro, mas é ‘passarinho voando’, então não vou divulgar.”

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A paixão pelo trabalho é incondicional. “Amo o que faço”, diz ela, quando pergunto onde uma senhora de 82 anos arranja disposição para sair de casa, em São Paulo, pegar um avião, desembarcar no Rio, percorrer cerca de 35 km até o estúdio da TV Globo, o Projac, e gravar até nove horas direto. Seu trabalho mais recente foi na série “Verdades Secretas”, de 2015, em que fazia Fábia Mariano, a mãe alcoólatra de Anthony (Reynaldo Gianecchini). Ao contrário de muitas atrizes de mais de 60 anos, Eva Wilma diz que nunca enfrentou o ostracismo depois de entrar na terceira idade.  “Pode ser falta de sorte (de alguns). Agora, de fato, o papel da heroína é sempre da atriz jovem. Mas tem a velhinha também.  Em todo caso, se demorarem para me chamar na TV, que eu adoro, faço teatro, ou vou pro cinema”, diz ela, sentada em uma almofadinha alta, no sofá da sala de casa, depois de uma sessão de fisioterapia. Cheia de lembranças, Vivinha, como a chamam os amigos, é uma excelente contadora de histórias. O timing de grande atriz só alimenta a expectativa do ouvinte. Se tivesse nascido na Inglaterra, ela certamente seria contemplada com o título de “dame”, outorga do império britânico a monstros sagrados como Vanessa Redgrave, Judy Dench e Maggie Smith.

||Créditos: Jonas Tucci/Revista J.P
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DEMORADO ADEUS

Filha única de estrangeiros, Eva conta que seu pai, um alemão chamado Otto Riefle, chegou ao Brasil com 19 anos, e sua mãe, Luiza Carp, nascida na Argentina, era judia de origem ucraniana. A família de Luiza mudou-se para São Paulo quando ela ainda era muito jovem. Otto a conheceu, os dois se apaixonaram e tiveram de fugir para se casar. Depois da Segunda Guerra, ele sofreu com a perseguição aos alemães e quase foi preso. Na ocasião, suas finanças sofreram uma debacle. Eva, que estudava balé desde os 9 anos e agora era adolescente, passou a dar aulas para inteirar o orçamento. Já na adolescência, apaixonada pela ideia de fazer teatro, ela frequentava assiduamente peças em cartaz na cidade e costumava esperar os atores para cumprimentá-los no fim dos espetáculos. Aos poucos, aproximou-se daquele métier e começou a fazer amigos. Então, aos 19, quando tinha acabado de se tornar integrante do Ballet do IV Centenário, o diretor José Renato Pécora a convidou para fazer duas peças em uma: “Demorado Adeus”, de Tennessee Williams, e “O Judas em Sábado de Aleluia”, de Martins Pena, ambas apresentadas no formato de arena, no qual o palco é rodeado pela plateia. “O José Renato abriu um mercado maravilhoso, porque não existia teatro de arena no Brasil. Foi um grande aprendizado, eu estava em um espaço cênico livre, ao vivo e de corpo inteiro.”

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A sugestão de convidá-la para integrar o elenco foi do primeiro marido de Eva, o ator John Herbert, então seu namorado. José Renato lembrou depois: “O John era meu companheiro do (clube) Pinheiros, contou que a namorada dançava no Ballet do IV Centenário e que estava querendo fazer teatro. Aí apareceu a Eva, linda, deslumbrante e, o melhor, acabou se revelando uma grande atriz”. No segundo espetáculo dela, “Uma Mulher e Três Palhaços”, encenado em 1954 no Museu de Arte Moderna, o sucesso foi tão grande que o presidente da República na época, Café Filho, disponibilizou um jato da FAB para que o elenco fizesse uma apresentação no Palácio do Catete, no Rio. O cinema aconteceu na mesma época: “Assinei um contrato de dois anos com a Multifilmes”, diz ela, que atuou nesses primeiros anos em cinco dos 22 longas de que participou. Entre os mais importantes, ela cita “Cidade Ameaçada”, de Roberto Farias (1960), e São Paulo S.A., de Luiz Sergio Person (1965).

||Créditos: Jonas Tucci/Revista J.P
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Também em 1954, ela e John Herbert aceitaram o convite de Cassiano Gabus Mendes para estrelar na TV Tupi o programa “Alô Doçura”, uma comédia de costumes que ficou no ar até 1963 e deu aos dois uma extraordinária popularidade. “Era ao vivo, feito em São Paulo, mas a partir de um determinado ponto a audiência foi tão grande que os cariocas exigiram que a gente fizesse lá também.” Na ocasião, ela se casou com Herbert e teve seus dois filhos, a (hoje) preparadora de atores Vivien Buckup, 59 anos, e o músico John Herbert Jr., 57 anos, que deram a ela cinco netos. Nas décadas seguintes, encarnou mais de uma centena de personagens inesquecíveis, entre  eles  as gêmeas rivais Ruth e Raquel, na primeira versão da novela “Mulheres de Areia” (Ivani Ribeiro, 1973); a cômica Rebeca, de “Plumas & Paetês” (Cassiano Gabus Mendes, 1980); e a mais adorada de todas, a  nordestina Maria Altiva Pedreira de Mendonça e Albuquerque, de “A Indomada” (Aguinaldo Silva, 1997), famosa por bordões como “oxente, my god!” e “thank you very much, viu, meu bichinho?”. As paredes  e estantes do escritório no apartamento dela estão cobertas de prêmios, comendas e estatuetas.

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NOVELEIRA APAIXONADA

Na convalescência, depois da embolia, e sempre que tem um tempo vago, Eva Wilma assiste a novelas. Diz que prefere “ver os nossos” (programas) do que as séries estrangeiras. “Eu me ligo no trabalho da minha turma, quero saber o que estamos fazendo, me apaixono pelas cenas.” No dia da entrevista, ela estava particularmente encantada com a interpretação de Irandhir Santos e Domingos Montagner em um fim de capítulo da novela “Velho Chico” (Benedito Ruy Barbosa, TV Globo). Eva definiu a cena como “antológica”: “É coisa pra ganhar prêmio em qualquer lugar do mundo”, diz, emocionada. No dia seguinte, conta ela, sem se conter, escreveu um bilhete e mandou para o apoio de elenco. “Espero que os atores tenham recebido porque eu sei como a gente fica feliz com o elogio de um companheiro.” Melhor ainda se vier de um “companheiro” como Eva Wilma.

Muito informada, ela conta que lê três jornais diariamente (“Sou antiga, prefiro o papel à internet”) e que se interessa especialmente pelo noticiário político. Lembra dos tempos difíceis da ditadura, diz que se angustiou com o sofrimento de colegas torturados e que nunca se omitiu quando era convocada pela polícia. “Fiz muita campanha pela anistia”, afirma. Entre os presos políticos de seu círculo de relações estava o irmão de Carlos Zara,  o engenheiro Ricardo Zarattini, um dos 15 guerrilheiros trocados pelo embaixador americano Charles Burke Elbrick, sequestrado em 1969, no Rio de Janeiro, pela organização de extrema esquerda MR-8.  “Eu já fui de esquerda, depois radical de centro e, hoje, não sou nada (risos).”  Ela diz que os escândalos de corrupção em todas as esferas da política a deixaram “sem partido”. Resume sua indignação com uma frase atribuída a “um anarquista espanhol”: “Si hay gobierno, soy contra”.

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Na hora de posar para as fotos, Eva Wilma mostra que conhece seus melhores ângulos e se posiciona de maneira a usar a luz a seu favor. Veste um twin set bordô, uma pelerine preta, está com  pouquíssima maquiagem e conta basicamente com a (longa) experiência diante das câmaras. Depois dos primeiros cliques, o fotógrafo mostra as imagens no visor. Ela gosta. Pergunto se os atores são especialmente vaidosos. “Eles são mais observados, então têm de pensar na aparência”, acredita. Aí, conta a história das plásticas que precisou fazer em 1973, por causa de um acidente de carro na estrada de São Paulo para Santos. “Eu entrei com o meu Fusca embaixo de um caminhão e tive sorte de sobreviver, mas a pele do meu rosto rasgou na altura do nervo ótico (ela mostra a maçã direita). Fiz três cirurgias.” Anos mais tarde, depois de resistir muito tempo, operou o nariz “adunco”. “O Pitanguy me pegou no laço, eu fui.” Diz que não ficou muito satisfeita com o resultado. Nos  anos 1980,  submeteu-se a um “pequeno” lifting. “Sou a favor de fazer algumas correções, mas tenho pavor de alterar a expressão do rosto. Eu olhava as fotos dos atores brasileiros em Cannes, e não encontrava a Sonia Braga. Meu Deus do céu, é outra pessoa!” Digamos que são projetos diferentes de carreira.

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