Acredite, um dos filósofos brasileiros mais conhecidos da atualidade não controla seus pensamentos quando se depara com uvas, principalmente do tipo red globe. Sim, algo bem específico, o que não combina com o eterno questionamento sobre a vida proposto pela filosofia. Para a J.P, Mario Sergio Cortella responde tudo – até sobre o erro da humanidade ao criar o micro-ondas.
J.P: A filosofia tem resposta para tudo?
MARIO SERGIO CORTELLA: De maneira alguma… Não tem e não pode ter. Na medida em que novas respostas chegam, as perguntas se multiplicam.
J.P: O que mais te perguntam?
MSC: Você é sempre bem-humorado?
J.P: Qual seu maior questionamento?
MSC: Penso sobre a decência. Ela é uma construção sempre consciente ou um impulso?
J.P: Como a filosofia pode melhorar a sociedade?
MSC: Quando cada um de nós entender que não pode ter uma vida automática, banal e inconsciente.
J.P: Um lugar no mundo?
MSC: Cemitério, não pelo silêncio, mas porque é um local sem poste e fios que permite olhar o céu sem interferência.
J.P: Uma frase?
MSC: “Tudo do que é humano me é estranho”, de Terêncio.
J.P: Ser ou não ser…
MSC: Verdadeiramente às vezes é e não é.
J.P: O que falta entender?
MSC: A necessidade de saber que não existe entendimento definitivo.
J.P: Um livro?
MSC: Criação, de Gore Vidal. É estupendo!
J.P: Politicamente correto é?
MSC: Uma obra aberta…
J.P: Quais os tabus atuais?
MSC: Um deles é a capacidade de imaginar que somos mortais. Nosso esforço atual é de imortalização. O fim é dolorido e agonizante, mas é um fato.
J.P: O que não deveria ter acontecido na história da humanidade?
MSC: A invenção daquilo que nos desuniu há 40 anos, o micro-ondas. Não é à toa que a tecnologia quando favorece nos encanta, mas é diabólica na medida em que esse produto nos impediu de estar juntos nas refeições.
J.P: Em momentos tão difíceis, como encontrar a paz?
MSC: Gosto de lembrar de Gandhi nessa hora: olho por olho, e o mundo acabará cego.
J.P: Seria bom saber o dia da nossa morte?
MSC: Não, isso criaria uma ansiedade, basta saber que é mortal. Há um gosto na expectativa que nos deixa alerta.
J.P: A eternidade existe?
MSC: Ela é uma possibilidade quando se tem um legado que permanece.
J.P: Se pudesse mudar alguma coisa em você o que seria?
MSC: Mudaria minha distração em relação ao cuidado com o joelho direito. Coloquei uma prótese e isso resultou em descuido. Não estou me queixando dela (a prótese), que é alemã…
J.P: Melhor conselho que já ouviu?
MSC: Meu avô Ettore: “Você nunca viu num sepultamento o carro fúnebre e atrás um carro-forte”.
J.P: Qual foi a grande extravagância que já fez?
MSC: Cursar filosofia em 1973, época em que o Brasil vivia na obscuridade. Mais do que um desatino econômico era uma afronta a algumas situações.
J.P: Uma mania?
MSC: Protocolos, sou disciplinado além da conta. Traz conforto, mas perturba a comunidade.
J.P: Se pudesse viver à base de um alimento, qual seria?
MSC: Pão. Meu pai é de origem italiana e lá ele é um alimento. Ainda foi casado com uma libanesa e para os árabes o pão é um suporte.
J.P: O maior pecado gastronômico?
MSC: Ingestão quase descontrolada de uva do tipo red globe.
J.P: Quem gostaria de ser?
MSC: Mozart, não seria capaz de fazer o que ele fez em apenas 35 anos de vida.
J.P: O que acha da atual situação do Brasil?
MSC: Estamos tendo uma aula de moral e cívica. Nunca se aprendeu tanto como as coisas são, como poderão e não poderão ser. Algo inimaginável, mas absolutamente necessário.
J.P: E o ‘filósofo’ Olavo de Carvalho?
MSC: Não admiro, mas não desqualifico.
J.P: O fim das faculdades de filosofia e sociologia é?
MSC: Um momento pontual de alguns grupos que desprezam o conhecimento intelectual.
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