Gostosão dos anos 1970, ator consagrado nos 80, Nuno Leal Maia ultrapassou a barreira dos rótulos. Hoje, aos 71 anos, leva uma vida pacata no litoral paulista
Por Renato Fernandes para a Revista Joyce Pascowitch
Atuar parecia não estar nos sonhos do santista Nuno Leal Maia, um dos três filhos do casal Alcídia e Nelson Leal. Ligado aos esportes desde adolescente, ele se amarrava mesmo era em futebol. No entanto, todos os dias, no fim da tarde, se mandava para o cineclube da cidade, onde assistia às chanchadas e filmes neorrealistas italianos. Seus ídolos? Mazzaropi e o humorista italiano Totò. “Além de Johnny Hallyday, claro”, entrega ele. Certa vez, o ator e cantor francês foi fazer um show no Caiçara Clube, em Santos, e Nuno, mesmo sem dinheiro, esperou das duas da tarde até quatro da manhã para vê-lo entrar em cena. Mas valeu a pena. Nuno se amarra nas canções de Hallyday. Antes de se entregar de vez à carreira de ator, Nuno chegou a fazer alguns treinos no time do Santos, mas, em 1969, já estava estudando comunicação e história na Universidade de São Paulo. Foi durante a faculdade que a ideia de ser ator surgiu pela primeira vez: participou de um teste, na farra mesmo, para a primeira montagem brasileira do espetáculo Hair. Já havia sido chamado para ser professor de história num cursinho, mas não deu tempo nem de dar a primeira aula: foi selecionado para um dos personagens principais, Berger. Na peça, ficava totalmente nu.
Em pouco tempo, outros trabalhos vieram e, em 1974, Nuno já era um nome conhecido no meio teatral. Foi nesse ano que ele atuou com Raul Cortez na emblemática peça Greta Garbo, Quem Diria, Acabou no Irajá, ficando um ano em cartaz no Teatro Itália antes de rodar o Brasil. Os cachês não eram lá tão altos e o dinheiro o ajudava a pagar o aluguel do cômodo de uma casa, na rua dos Ingleses. Ele não esconde que foi seu tipo físico e ares de machão que o fizeram receber convites para cinema e televisão. Na TV Tupi, fez a série Dom Camilo e os Cabeludos, de Otelo Zeloni, com Terezinha Sodré e Ricardo Petraglia, de quem é amigo até hoje. Já no cinema, não teve escolha: começou na Boca do Lixo, durante as épicas pornochanchadas. “Foi lá que aprendi, fazendo e ganhando o que era bom”, brinca, em papo com a J.P, que aconteceu na sala do estúdio-casa da fotógrafa e amiga Jade Gadotti, numa tarde regada a lanchinhos naturais. Nuno é “se diz” vegetariano há décadas – mas só parou de comer frango no ano passado; peixe come uma vez ou outra. Adora bacalhau e se considera um homem do mar: “Não gosto de nadar na piscina e, para saber nadar no mar, tem de respeitá-lo”, diz ele, que dá 600 braçadas, no mínimo, duas vezes por semana.
GALÃ DO RIO
Em 1976, a Globo o chamou para fazer a novela Estúpido Cupido, na qual interpretou Acioly, um engenheiro meio careta, tão careta que ele não teve dúvida: “Liguei para o autor Mário Prata e ele concordou que Acioly tinha de virar um vigarista”, relembra rindo. Nuno aterrissou com tudo no Rio e não demorou para virar o galã de Tonia Carrero na peça Doce Pássaro da Juventude, de Tennessee Williams. Diz a lenda que ela teria ficado encantada com ele, mas Nuno garante que nunca rolou. “Não tivemos nada, saíamos muito para badalar e divulgar a peça, mas foi só isso”, afirma, categórico. Outro marco nessa época foi a participação em Paranoia, filme dirigido por Antonio Calmon e estrelado por Norma Bengell, Lucélia Santos e Anselmo Duarte.
Com a carreira em ascensão, mudou-se para um aconchegante dúplex na Joatinga com vista para o mar. Estava dada a largada: Nuno Leal Maia passa a ser o que todo diretor queria na época: bonito, talentoso e “homão”. Só na década de 1970, fez 20 filmes e quase todas as estrelas do nosso cinema sentiram seus beijos, abraços e tórax peludo. De Vera Fischer a Lenilda Leonardi. De Sonia Braga a Esmeralda Barros. Tanto é que na doce pornochanchada O Bem Dotado – O Homem de Itu, de 1976, ele deixa todo elenco feminino enlouquecido. “Esse é um dos meus filmes preferidos, fiz uma homenagem a Mazzaropi.”
O AUGE
Foi durante a década de 1980 que o ator se firmou cada vez mais na Globo. Era um dos astros mais bem pagos da emissora e, de contratos por obra, passa a ter por períodos longos. O cinema também o requisitava cada vez mais e com atuação no filme Ato de Violência, de Eduardo Escorel, ganha o prêmio Air France de melhor ator – a melhor atriz naquele ano foi Fernanda Montenegro por Eles Não Usam Black-Tie. “O cinema é a minha linguagem, o meio que acho mais fascinante. Sempre gostei de jogar com a câmera.” Em 1985, o ano era dele e de mais ninguém: foi o protagonista da novela A Gata Comeu, ao lado de Christiane Torloni, e era escalado para fazer personagens marcantes. Quem não se lembra do bicheiro Tony Carrado em Mandala? Tony marcou tanto que seus bordões são lembrados até hoje. “Quer moleza? Senta no pudim” é uma invenção de Nuno. “Tive uma boa passagem pelo programa Planeta dos Homens. Fiquei três anos aprendendo tudo com os maiores mestres como Jô Soares e Agildo Ribeiro”, relembra. Dois anos mais tarde, em 1987, foi capa de todas as revistas ao lado de Vera Fischer, e em seguida dá vida ao ex-hippie e surfista Gaspar Kundera em Top Model, sucesso da TV. Termina a década no auge da fama, mas descreve esse período com um alerta: “O perigo do sucesso é que a gente abre a guarda e as energias negativas também”, diz ele, que tinha de deixar o telefone fixo de sua casa fora do gancho de tanto assédio que sofria.
SEX SYMBOL
Desde o começo da carreira, o corpão de Nuno era explorado à exaustão e, nas revistas femininas de grande circulação, era sempre o homem da vez. Chegou a posar nu para um pôster de uma delas e também no livro Homens, da fotógrafa Vania Toledo. As mulheres o veneravam, os gays babavam. Nuno exalava a pura testosterona dos esportistas. Dos gays, sempre recebeu cantadas, mas levava na esportiva e ganhava um amigo. Ele era como se fosse o bonitão da geração saúde. Drogas, ele não esconde que provou, mas não era a dele: “Claro que cheirei, mas não é a minha onda. Um dia depois de uma festa em que todos usaram, cheguei em casa e fiquei andando sozinho, ligadão. Não é a minha, adoro dormir”, conta. “Quem manda em mim sou eu, nenhuma droga pode ter esse poder”.
ENERGIA
Criado no catolicismo, ele encontrou no taoismo a sua religião. É fã também de horóscopo: Nuno sabe as características de todos os signos e confessa ter muitas do seu, Libra: “Tem horas que me irrito comigo mesmo, fico em dúvida por muito tempo se coloco uma camisa amarela ou preta. Ainda bem que meu ascendente é Áries e logo me faz escolher alguma qualquer”. É ligado em energia e lembra de uma ocasião quando participou da exibição do filme Ato de Violência em um presídio carioca. O diretor pediu que ele fizesse uma corrente de mãos dadas com os presos. “Presídio é um lugar extremamente triste. Quando cheguei em casa, depois daquela vibração da corrente, desabei de chorar.” Destes novos tempos, não curte nada essa vida virtual, a ponto de quando liga o celular, o coloca na mesa em seguida: “Não gosto da energia do aparelho quando ele liga e treme na minha mão”.
GAROTO FAMÍLIA
Leal aos amigos, Nuno nutre amizades de décadas. Vera Fischer faz questão da presença dele em suas festas de aniversário. Troca mensagens de WhatsApp com Evandro Mesquita várias vezes ao dia, frequenta a casa do casal Cláudia Mauro e Paulo César Grande e adora o ator Raymundo de Souza. Não teve filhos, mas está no quarto casamento há 17 anos com a paulista Mônica Camillo. Juntos, eles rodam o mundo. Durante nossa conversa, Nuno mostra fotos do Instagram dela: são cliques da China, Japão e Europa. Mas, aos 71 anos, ainda é cantado e sem pudor. Vez ou outra, uma admiradora o encontra e o convida para um almoço, no que ele responde de imediato: “Claro, mas só se levar minha esposa”. Na família, a mãe, dona Alcídia, sempre foi seu maior xodó. Deu a ela uma loja e um bom apartamento em Santos, logo abaixo da cobertura onde mora. Ficou ao seu lado até sua morte, período que abriu mão de alguns convites para atuar. Desde 2015, não tem mais contrato com a Globo, mas não se faz de vítima, muito menos de injustiçado. Sabe bem seu lugar de primeiro time e reconhece uma carreira sólida e respeitada. “Mesmo assim, acho que poderia ser mais disciplinado”, diz ele, que sempre respeitou os horários de gravações. Coisas de libriano, coisas de Nuno Leal Maia.
[galeria]4644529[/galeria]
- Neste artigo:
- nuno leal maia,
- revista jp,