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Foto: Mauricio Nahas

Ouvir Isabel Teixeira falar é viajar por seus pontos de vista poéticos, que vão do drama à comédia, na voz grave e no gestual largo, moldados em décadas de teatro. Tem também os olhos grandes, verdes. De tão claros, marejam – e como a atriz é mulher de emoções latentes, fica difícil saber se as lágrimas são de choro ou só a fotossensibilidade lhe castigando as retinas.

Assim é quando fala sobre “Pantanal”, novela que proporcionou seis meses de escapismo a um país à beira de um ataque de nervos. Na guerra político-ideológica de 2022, em que a escuta foi zero e a discordância, total, unanimidade só mesmo a torcida por Maria Bruaca, a dona de casa que se liberta de um casamento abusivo, vivida por Isabel na trama.

“É injusto dizer que novela é mais rasa que teatro. A profundidade da teledramaturgia é acrílica, é de produção em massa. Você não sente o público como no palco, mas sente o tempo inteiro ao sair na rua”, diz a atriz, que cita textos de Franz Kafka e Anton Tchekhov publicados em jornais do século 19 para evocar a tradição do folhetim.

Isso porque Isabel é, acima de tudo, uma pensadora do ofício do ator. Não apenas atua, como também dirige, escreve e nunca parou sua pesquisa desde a formação na Escola de Arte Dramática (EAD) na USP. Uma atriz nerd, portanto. Entre suas teses está a de que “atores escrevem cenas”. Ela exemplifica essa escrita com o trabalho dos colegas Murilo Benício e Juliano Cazarré, que interpretaram o fazendeiro Tenório e o peão Alcides, marido e amante de Bruaca, respectivamente.

“O Cazarré é mestre em chanchada, que é um gênero de dramaturgia. ‘Fivela de respeito’ é bordão, é Mazzaropi, é Chico Anysio”

“Quando o Tenório entrava em crise, bebia cada vez mais. Sempre o copinho de cachaça na mão. Então, toda vez que a cena era à noite, Murilo trazia uma moleza à fala do personagem, que provavelmente já estaria bêbado àquela altura”, explica. “Isso não vinha em roteiro. É escrita de ator.”

À mesma argumentação Isabel recorre ao comentar um dos diálogos que mais agitou as redes sociais durante a novela, na qual Alcides safadamente credita à fivela do cinto o volume entre as pernas ao abraçar Bruaca. “Fivela de respeito” se juntou ao glossário de “memes pantaneiros”, que engloba termos como “quérimbora” ou “tô com reiva” de Juma Marruá (Alanis Guillen). “O Cazarré é mestre em chanchada, que é um gênero de dramaturgia. ‘Fivela de respeito’ é bordão, é Mazzaropi, é Chico Anysio.”

Legado materno

Por se tratar de um rosto novo que se sobressaiu na superexposição do horário nobre, Isabel ganhou popularidade. Hoje, a atriz estuda dois convites de autores da Globo para papéis centrais em suas novelas. Mas na fama recém-adquirida aos 48 anos, ela não enxerga uma consagração tardia. Ainda na infância, aos 10, a atriz estreou no teatro e vem acumulando prêmios em uma carreira que inclui cerca de 40 espetáculos – seja atuando ou dirigindo.

“Sucesso para mim é um dia belo e útil. É acordar e ir trabalhar apaixonada por aquilo que me propus a fazer. Sendo assim, sempre convivi com o sucesso”

O mesmo êxtase que sentia ao entrar no set da fazenda de Tenório no Pantanal, Isabel diz desfrutar quando se concentra no apartamento em que mora, na Santa Cecília, em São Paulo, ao qual chama de “ateliê”. É ali que escreve por horas os livros da editora artesanal que mantém.

“Não pretendo ganhar dinheiro com isso porque são livros livres. Não tem pressão de lançamento. Dessa pressão bebo no teatro. ”Recentemente, transformou em livro livre os escritos deixados em um diário pela mãe, a atriz de teatro Alexandra Corrêa, morta em 2006, aos 56, vítima de câncer. “Avelã”, última palavra registrada no manuscrito materno, deu título à obra. “Minha mãe passou a vida escrevendo diários e eu lia todos, escondida. Em seus últimos anos, ela foi queimando um a um. Só achei esse último”, lamenta Isabel.

Paternidade na linha

Curiosamente, Alexandra foi contra o projeto da filha em seguir sua profissão. “Minha mãe lutou muito para me criar sozinha com o que ganhava no teatro, mas sempre com dignidade. Com dificuldade, conseguiu me dar uma boa educação. Ela tinha medo que eu me tornasse atriz, pois conhecia bem as dificuldades. Ficamos sem nos falar por um bom tempo quando eu decidi largar a faculdade de letras para fazer a EAD”, lembra Isabel. “Então saí de casa para morar com a minha avó e raspei a cabeça. Foi um gesto de autoafirmação.”

O pai de Isabel, o cantor e compositor Renato Teixeira, acompanhou tudo, mas a distância. “Era outro tempo, não existia guarda compartilhada. Eu vivia com a minha mãe e era raro ir à casa do meu pai. Nossa relação era a da palavra, por telefone”, explica a atriz.

“Minha mãe era contra eu ser atriz, ficamos sem nos falar por um bom tempo. Então saí de casa para morar com a minha avó e raspei a cabeça. Foi um gesto de autoafirmação”

“Hoje, penso que a presença dele poderia ter feito muita falta. Mas minha mãe fez tudo de um jeito tão… Sabe como aquele pai do filme ‘A Vida É Bela’ [filme de 1997, no qual o ator Roberto Benigni interpreta um pai que usa a imaginação para fazer o filho pequeno acreditar que o campo nazista em que estavam presos era uma grande gincana]? Para mim, estava tudo certo: tinha sempre muitos primos paternos, meus avós por perto.”

Mãe de Flora, 11, e Diego, 18, fruto da união de 14 anos com o fotógrafo Roberto Setton, Isabel também foi casada por nove anos com o artista visual Paulo Camacho – a relação terminou em 2020. A atriz conta que mantém os ex por perto, num conceito que define como “família expandida”. “Quando a gente pensa em separação, vem qual ideia? Briga. Mas precisa ser assim? A separação é só de caminhos. Família a gente vai expandido.”

*A reportagem completa está na nova edição da revista J.P, nas bancas a partir desta segunda (07).

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