Está perto de chegar o dia em que Jaloo dispensará apresentações. Enquanto isso, Glamurama tem o prazer de falar sobre este artista da nova geração de cantores e performers que vem ganhando reconhecimento musical consistente, especialmente entre a classe artística. Marisa Monte adora ouvi-lo enquanto se exercita, enquanto Marina Lima está super a fim de gravar um dueto com ele. Nascido Jaime Melo Junior, há 30 anos, em Castanhal, Pará, tem cara de menino, de índio, e atualmente se debruça sobre seu novo álbum, com previsão de lançamento para o segundo semestre. Também colhe os louros de sua primeira experiência no cinema: estreia como ator em “Paraíso Perdido”, longa de Monique Gardenberg, que entra no circuito nacional nesta semana .
No drama, que conta, ao som de clássicos da música popular romântica, a história de uma excêntrica família de cantores unida por um amor incondicional, Jaloo interpreta Imã. Seu personagem, uma drag queen, passa por uma reviravolta quando o avô José, vivido por Erasmo Carlos, contrata para ser seu segurança o misterioso Odair (Lee Taylor), um policial que cuida da mãe surda. O filme foi gravado na boate The Society – atualmente fechada -, na rua Augusta.
Voltando a Jaloo pontuamos incongruências em sua trajetória: um garoto tímido que cresceu em uma rigorosa família paraense e foi “abraçado” primeiro pelo exigente público de São Paulo, onde vive há seis anos, para só depois conquistar o Pará, seu estado natal. O reconhecimento começou ao acaso, ao divulgar suas performances na internet, com músicas que ele compôs e produziu usando apenas um computador e bom gosto, claro. Introspectivo mas muito disponível e simpático, Jaloo se entregou em entrevista ao Glamurama, falando desde suas referências musicais até o projeto no cinema, sem evitar assuntos espinhosos como preconceito, algo que ele sofre “com frequência” mas procura lidar da forma mais natural possível. Confira!
Glamurama: No filme “Paraíso Perdido” você marca sua estreia no cinema na pele da drag queen Imã. Como pintou esse convite?
Jaloo: “Monique Gardenberg conheceu meu trabalho muito por acaso… Acredito que alguém tenha me apresentado a ela. Ela percebeu um potencial, viu que eu tinha algo a mostrar.”
Glamurama: Você aceitou o papel logo de cara?
Jaloo: “Ela me chamou para um teste e depois, em uma madrugada, me mostrou o roteiro. No começo fiquei bem receoso porque nunca tinha atuado e tinha medo que fosse um fiasco, tipo uma versão baiana da Cinderela porque tem muitos cantores que se dão mal quando inventam de atuar. Mas fui acreditando no projeto e me envolvendo com ele.”
Glamurama: Como se preparou?
Jaloo: “Tive um estudo de roteiro e leitura muito fortes. A gente começou com pré-diálogos e houve uma libertação do próprio ator já que Imã, diferente de mim que sou tímido, é uma pessoa atirada, sempre otimista e que corre atrás de seus sonhos. Aprendi muito mais com o personagem do que o que eu tinha de bagagem para dar pra ele.”
Glamurama: Qual foi o maior desafio do papel?
Jaloo: “Fiquei muito degastado no período das filmagens, quando tive que lidar com questões técnicas que não estava preparado: ter que atuar em diálogos fortes emocionalmente ao tempo que se atenta às questões como luz e marcação. Organizar tudo isso no cérebro ao mesmo tempo exigiu uma entrega muito surreal. Na época foi difícil, mas hoje, com mais experiência, acho que faria tudo mais tranquilamente.”
Glamurama: Você pretende investir em sua carreira de ator? Já recebeu outros convites?
Jaloo: “Já estou querendo mais, mas só vou entrar em um próximo projeto como ator se for valer a pena como em ‘Paraíso Perdido’. Minha investida na carreira de ator vai ser através de estudos porque comecei no caminho inverso.”
Glamurama: Monique Gardenberg o considera um dos talentos mais completos da nova geração. Como vê um elogio desses?
Jaloo: “Fico muito feliz! É como se aquele trabalho duro que a gente faz há anos começasse a render frutos. Percebo que a classe artística gosta muito do meu trabalho, o que me deixa muito extasiado. Às vezes me deparo com elogios de pessoas que admiro muito, como Caetano Veloso, Marina Lima e a canadense Grines, em entrevistas em que fui citado ou pessoalmente. Dia desses fiz um show no Sesc Copacabana, no Rio, e Marisa Monte estava me esperando no camarim. Ela disse que escuta a minha música a todo momento, pra caminhar por exemplo, e que já viu todos os meus clipes. A gente trocou uma ideia e marcamos de nos encontrar qualquer hora”.
Glamurama: Monique também compara a energia de seus shows ao Legião Urbana. O que acha disso?
Jaloo: “Acho foda! Renato Russo e a banda dele reinaram muito na década de 90 e eu amo essa cultura de festival, de banda, da energia do público…”
Glamurama: No filme você é neto de José, interpretado por Erasmo Carlos. Como foi ter um contato tão próximo a ele?
Jaloo: “Foi o melhor possível. Na pré-estreia que rolou no Rio a gente se reencontrou depois de um ano que as gravações terminaram. Ele está muito feliz com o personagem.”
Glamurama: Você apresentou sua música a ele?
Jaloo: “Eu não consigo fazer essas coisas porque acho que estou sendo chato! (Risos) Sou tímido demais.”
Glamurama: Seu som é novo e diferente. Quais são as referências que você usa para criar essa estética?
Jaloo: “Acho que a questão é que eu cuido de todo o processo – composição e produção . Tudo é produzido pelo computador: do timbre a parte vocal. É um trabalho muito dedicado e isso acaba refletindo no público. Tem muito de mim em cada pedacinho das músicas. Sou aficionado pela fórmula da musica pop, que considero uma alquimia muito louca… Então se eu for chamar minha música de algo seria pop eletrônico, mas meu som está sempre se transformando.”
Glamurama: Você tem muita influência do Pará?
Jaloo: “Nunca fiz parte da cena paraense. Meu ‘trampo’ nasceu na internet. Eu ‘jogava’ uma música lá e as pessoas curtiam até que veio o convite pra morar em São Paulo… e tudo fluiu. A relação com artistas paraenses acabou acontecendo com o tempo, naturalmente, mas bem depois, quando eu já estava estabelecido em São Paulo.”
Glamurama: O mercado musical está de portas abertas para você?
Jaloo: “Já conversei com várias grandes gravadoras, mas estou feliz ser independente porque a única pessoa que poderia aprovar minhas escolhas criativas sou eu mesmo. O legal de ter contrato com gravadora é a questão de marketing. Há muito mais grana envolvida e por isso um projeto de divulgação muito maior com o lançamento de um disco, por exemplo.”
Glamurama: Seu primeiro álbum foi o #1, lançado em 2015. O que podemos esperar de “ft”, seu próximo trabalho, que chega ao mercado no segundo semestre?
Jaloo: “No primeiro, mergulhei fundo numas tendências da época e agora, cinco anos depois, estou envolvido em tudo o que está acontecendo musicalmente, como o tropical house e reggaeton, estilos que estão em alta no Brasil. Minha música conversa muito com o tempo em que estou vivendo. Vou continuar explorando os temas tristeza e alegria, mas de uma forma um pouco mais madura, por conta das experiências amorosas que tive.”
Glamurama: Soubemos que o conceito do álbum é inteiro pautado em parcerias com artistas, produtores e compositores que admira e com quem conviveu nos últimos três anos. Conte-nos mais.
Jaloo: “Ainda estou em fase de fechar as parcerias, mas estou em contato com Marina Lima, que está bem animada pra participar do álbum, MC Tha, Liniker e a banda As Bahias e a Cozinha Mineira, e com produtores musicais como BadSista & Sants, que fez o disco “Pajubá”, de Linn da Quebrada, mas não posso prometer nada ainda.”
Glamurama: Quais são os lugares que você frequenta e gosta de tocar?
Jaloo: “Gosto muito dos inferninhos, como a gente chama essas baladas mais undergrounds. Frequento a cena do Centro e da rua Augusta com meus amigos de São Paulo e do Pará que também moram aqui. Mas agora ando bem introspectivo por conta da produção do meu novo disco. Gosto muito de me apresentar em festivais, acho que é o ambiente mais confortável para o artista mostrar seu trabalho por contar com uma plateia mais aberta. É muito especial.”
Glamurama: Você tem Instagram há menos de três meses e já está com quase 70 mil seguidores…
Jaloo: “Eu fiz uma coisa que é muito arriscada mas achei que seria legal: matei o Jaloo do primeiro disco, exclui meu Instagram anterior, e comecei do zero esse novo Jaloo do segundo disco. Pretendo fazer o mesmo nos próximos lançamentos. Gosto de jogar tudo fora e começar do zero. Falo de Jaloo na terceira pessoa porque ele é um projeto.
Glamurama: De onde surgiu o nome Jaloo? Como é seu nome de batismo?
Jaloo: “Meu nome de batismo é Jaime Melo Junior e Jaloo surgiu da junção dos nomes.”
Glamurama: Seu visual andrógino e exótico – uma espécie de Ziggy Stardust brasileiro – é parte indispensável de sua performance musical. Você tem ajuda para criar seus looks? Tem alguma referência?
Jaloo: “No primeiro álbum, que está bem mais pautado nessa androginia, contratei Vitor Nunes, um amigo do Pará, pra me ajudar na produção. Desenvolvemos juntos a linguagem do projeto. Neste segundo CD estou com uma masculinidade maior, quero mergulhar nisso para voltar às minhas origens, ao Jaime de 18 anos de idade, que era muito menino e estava se abrindo pra este universo. Ele também indica o que planejo para o terceiro disco, mas ainda não posso revelar.”
Glamurama: Conte-nos um pouco da sua infância.
Jaloo: “Sempre fui muito estudioso, só tirava 10 e, quando mostrava pra minha mãe – uma professora muito rigorosa -, ela dizia que eu não tinha feito mais que a obrigação (Risos). Tenho duas irmãs, sou o do meio. Me formei no ensino médio e consegui uma bolsa em uma faculdade particular, sou bacharel em publicidade mas nunca exerci a profissão, graças a Deus.”
Glamurama: Quando descobriu seu talento?
Jaloo: “Para falar a verdade não descobri não (Risos)! Atualmente posso dizer que sou cantor. Tenho ensaiando muito e quanto mais me dedico mais sinto confiança, mas sou uma criação do povo mesmo, que quando ouviu meu primeiro disco me amou e me abraçou muito.”
Glamurama: Sofreu algum tipo de preconceito na vida e na carreira?
Jaloo: “Já sofri vários, desde ouvir coisas estranhas na Avenida Paulista – um clássico – até ser seguido por segurança ao entrar em uma loja na Oscar Freire. Essas coisas acontecem com frequência… A todo momento estou sofrendo preconceito. Às vezes entro em uma loja e dou um ‘oi’ pro segurança, como sinal de paz (risos). Me mudei há um ano pro Butantã. Antes morei três anos em Perdizes, onde as pessoas atravessavam a rua quando eu passava. Mas eu sempre tento pensar no lado bom das coisas, então em situações como essas eu penso: ‘se a pessoa está com medo de mim pelo menos não vai me atacar (Risos)’. Estou tentando não absorver esse tipo de coisa senão a gente não vive, fica carrancudo e rancoroso. Luto muito contra isso e tento proteger quem também passa pela mesma situação. Tento ao máximo viver com leveza.”
Glamurama: O que pensa do Brasil atualmente, política e socialmente falando?
Jaloo: “Procuro fazer minha parte. A gente está em um momento de descrença gigantesco. Ninguém mais acredita no país. É claro que podemos fazer nossa parte – cobrando os políticos e fazendo uma boa escolha na hora de votar… Por enquanto tento ser o mais correto possível com o próximo.” (Por Julia Moura)
Assista abaixo o trailer de “Paraíso Perdido”.
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