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Tasso Azevedo, engenheiro ambiental || Créditos: João Leoci / PODER
Tasso Azevedo, engenheiro florestal|| Créditos: João Leoci / PODER

A orientação de quarentena como forma de prevenção ao novo coronavírus (Covid-19) tem mantido não só a população dentro de casa, mas também carros e ônibus dentro das garagens, fábricas fechadas, o que tem ajudado a diminuir a poluição e as emissões de gases do efeito estufa. Em Nova York, as emissões de monóxido de carbono por automóveis diminuiu 50% em comparação ao ano passado, segundos dados de pesquisadores da Universidade de Columbia. Na China, epicentro da pandemia, as emissões de CO2 diminuíram 25% em um período de apenas duas semanas, o que pode resultar em uma redução de 1% do valor de 2020, segundo estimativas.

Em entrevista à PODER, o engenheiro florestal Tasso Azevedo, responsável por estruturar o Fundo Amazônico e coordenador do MapBiomas – rede de ONGs, universidades e empresas de tecnologia -, que mapeia, a partir de imagens de satélites, todo o solo do país – revela que o momento é de oportunidades e que impactará, inclusive, na forma de fazer negócios. “Podemos tentar nos transformar a partir dessa tragédia, aproveitar para na saída da crise estar num outro nível de consciência, de forma de organização, é isso que a gente tem que trabalhar”.

Com o planeta focado em combater a pandemia de Covid-19, a poluição e as emissões de gases de efeito estufa caíram como consequência da diminuição da atividade econômica. Quais são os dados mais significativos que se tem até agora?
Com o freio da atividade industrial e do transporte, cai a emissão de gases de efeito estufa e a poluição local. Esse tem sido o principal efeito percebido pelo mundo. A forma como a gente observa isso é pela concentração de óxido nitroso na atmosfera – medições feitas na China, como na Europa, mostram uma redução importante. Quando as pessoas percebem que o ar está mais limpo, isso tem uma conexão direta com a redução da circulação de transportes e fábricas paradas. Outro efeito que temos observado, especialmente em locais onde se tem muito turismo e fluxo de gente, é que com a redução da concentração humana alguns ambientes ficam mais propícios para o aparecimento da fauna local. Isso foi visto em Veneza. Sem os barcos navegando pelos canais da cidade não se tem óleo na água, que fica mais limpa, mais clara e assim os peixes voltaram.

Observa-se também efeitos contrários?
Algumas coisas ficam invertidas. Por exemplo: quando as pessoas ficam em casa e param de comer na rua aumenta muito o consumo de materiais descartáveis. Diminui também os índices de reciclagem porque as forças que estariam trabalhando nesses processos não estão ativas. E não se tem grandes alterações na parte de energia elétrica, porque a energia está apenas mudando onde ela está sendo consumida, mas ela continua existindo e sendo gerada.

E o desmatamento: aumenta ou diminui?
Ainda é incerto. Existem argumentos que dizem que diminuirá porque as pessoas que desmatam vão estar em casa se protegendo do vírus. E tem outra frente que defende a hipótese contrária, quem está no meio do mato não se preocupa com o vírus e, além disso, com a pandemia a fiscalização é zero, o que levará a um aumento. Particularmente, eu acho a segunda hipótese mais plausível. Mas, de qualquer maneira, o outro lado da questão é que como estamos com falta de dinheiro, com os recursos secando, e desmatar em escala custa caro, não se teria capital necessário para provocar o desmatamento. Mas estamos falando de hipóteses, porque os dados do desmatamento são mensais. Nós só teremos uma noção mais clara sobre isso no final de abril, começo de maio, por imagem de satélite.

Assim como em outras situações de crise, com o fim da pandemia alguns índices tendem a voltar ao pico, não?
Mas tem uma oportunidade de haver mudanças que vão perdurar por mais tempo. Uma delas, que devemos perceber drasticamente é com relação às viagens de negócio, que vão demorar muito tempo para voltarem ao normal, isso se voltarem. Em momentos como esse as pessoas descobrem outras formas de realizar o trabalho, formas que são infinitamente mais baratas. Ontem mesmo, por exemplo, eu teria uma oficina com as secretarias de meio ambiente dos estados do Nordeste, que custaria uns R$ 40 mil, entre passagem, hospedagem, aluguel do espaço. Não podendo realiza-la fizemos pela internet. O custo caiu para R$ 40.

E deu certo?
Super. Com todos os participantes online a reunião é mais democrática, não tem a desvantagem quando se faz um encontro misto presencial e virtual. Onde eu quero chegar? Passando um mês fazendo isso, é tão absurdo a diferença que muito do que se faz viajando para lá e para cá deixará de ser necessário. Até hoje as empresas não tinham estrutura, nunca pensaram que muito pode ser feito virtualmente, agora elas terão que se adaptar e inventar maneiras. E a hora que perceberem que isso dá para fazer, e que cai muito o custo fixo… Acho que temos um processo em curso que vai mudar a nossa percepção na área de negócios. Não estou dizendo que isso é bom ou ruim, é uma potencial consequência.

Isso tem impacto nas emissões?
Sim, porque uma das coisas que gera muita emissão de gases de efeito estufa é mobilidade, é a nossa necessidade de ir e vir freneticamente. E a gente na verdade já está globalizado, conectado. Cerca de 3% a 5% das emissões globais de carbono estão relacionadas a aviação. Se você pegar transporte como um todo representa 15% das emissões globais. Então se nós queremos fazer a curva mudar, definitivamente nós precisamos lidar com isso, com reduzir a quilometragem necessária, o trânsito, transporte público, mudar a nossa forma como nos relacionamos com mobilidade.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) prevê que a economia tenha o crescimento mais fraco desde a crise de 2009. Como equilibrar essa equação?
Na recuperação econômica teremos que privilegiar atividades que gerem muito emprego, e aí temos outra oportunidade na mesa. As energias renováveis são muito mais geradoras de emprego do que as energias fósseis. Simples assim. Se você precisa gerar mais emprego e ter mais gente participando da economia, investir nas energias renováveis é uma boa alternativa.

É hora então de aproveitar as oportunidades…
Exato. Duas coisas importantes para fazer no mundo hoje: reduzir o desmatamento, zerar, e restaurar ecossistemas. Existe uma relação forte entre as questões da mudança do clima e da degradação do ambiente com gerar condições para que tenhamos pandemias. Estudos mostram essas conexões. A maior parte das epidemias nasce nos animais. O vírus é um ser muito específico, na maioria dos casos não causa nada, mas em alguns poucos casos ele encontra uma espécie na qual consegue se reproduzir, o seu hospedeiro ideal. Acontece que hoje a população mundial se concentra muito na área urbana. Nós degradamos o ambiente e fazemos com que os animais selvagens tenham que vir próximo das pessoas para poder se alimentar, viver. Com isso nós criamos um cenário propício para que o vírus encontre em nós um hospedeiro e se reproduza. E isso é também potencializado pelas mudanças climáticas, porque as alterações do clima fazem com que os animais migrem para outras regiões. Resumindo: combater as mudanças climáticas e a degradação dos ecossistemas é um tema absolutamente fundamental para evitar que a gente tenha maiores chances de pandemias como a do coronavírus.

Outras lições que devemos tirar dessa crise?
A crise é uma tragédia, mas a gente pode tentar se transformar a partir dessa tragédia, aproveitar para na saída dela estar num outro nível de consciência, de forma de organização, é isso que a gente tem que trabalhar. É como a crise da água, muitas vezes o efeito de longo prazo permanece, as pessoas não voltam ao nível de consumo anterior, elas adquirem novos hábitos. É um pouco do que pode se esperar para agora. Se a nossa consciência chegar nela…

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