Primeira brasileira a assumir a presidência de um grande banco internacional – no caso, a unidade nacional do suíço UBS –, Sylvia Coutinho sempre foi boa com números e nunca teve problemas para comandar times formados prioritariamente por homens. Confira a reportagem sobre e executiva, que está na capa da revista PODER de outubro.
Sylvia Brasil Coutinho, presidente do banco suíço UBS no Brasil, já tem planos para quando se aposentar: passar o dia na frente da TV. Mas se engana quem acha que isso significa ficar largada no sofá de pijama e chinelos, assistindo a comédias-pastelão. O tipo de filme que essa paulistana de 52 anos quer ver é outro: ela quer assistir de uma só vez aos aniversários e outros momentos importantes da vida dos filhos que perdeu por conta do trabalho. “Minha sogra filmou tudo e brinco com ela que vou ficar vendo e chorando”, conta, acrescentando que não se sente culpada pela ausência, porque sabe que os filhos são muito resolvidos com isso. De fato, não é fácil conciliar uma carreira bem-sucedida no mercado financeiro com o papel de mãe e esposa, mas Sylvia conseguiu se sair bem em todos eles. Além de ser a primeira e única brasileira a presidir um banco internacional por aqui, ela é casada há três décadas e vê com orgulho os filhos, que já passaram dos 20 anos, conquistarem seu espaço no mercado profissional. “Faria tudo de novo. A começar pelo curso na Esalq”, diz ela, que tem um diploma de engenharia agronômica da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, em Piracicaba, no interior paulista.
A proximidade com o mundo masculino – não só na graduação, uma vez que engenharia agronômica é um curso que tem mais alunos que alunas, mas também na carreira (o mercado financeiro é dominado por homens) – é algo com que Sylvia convive desde a infância. Ela diz que sempre foi meio “moleca”, do tipo que jogava futebol e praticava motocross. “Meu pai nunca fez diferença entre meu irmão e eu. Acho que por isso, para mim, sempre foi natural estar em um ambiente mais masculino. Ser ou não ser mulher não é nem nunca foi uma questão importante na minha vida.” A carreira dá mostras disso – e já faz tempo. Em 2005, Sylvia foi a primeira mulher a integrar a diretoria do banco HSBC. Depois, também foi a primeira brasileira a assumir a direção da área de varejo e gestão de recursos para a América Latina do mesmo banco. Preconceito aberto, ela garante que nunca sofreu. Se houve alguma coisa nesse sentido, foram comportamentos muito velados, mas ela nunca deu atenção para isso. “Quando você é uma pessoa inteligente, que contribui e ouve, acaba vencendo preconceitos”, afirma. Outra tática usada por Sylvia para lidar com essa questão foi nunca ter pensado muito sobre ela.
GLOBE-TROTTER
A estreia de Sylvia no mundo das finanças aconteceu em 1984, época em que entrou no Citibank. Ela fazia uma pós-graduação em economia agrícola na Esalq e seu orientador a indicou para o programa de trainees do banco americano. “Nunca tinha pensado em trabalhar em banco, mas o fato de ser uma empresa global e de prestígio como o Citi me deixou tão interessada que abandonei o mestrado.” Assim que chegou ao banco, Sylvia já mostrou a que veio. “A impressão que tenho é que ela nasceu pronta. Além de bastante preparada, Sylvia é muito proativa”, conta Cida Rocha, que trabalhava no Citibank e foi a primeira chefe de Sylvia. Ex-ministro da Agricultura e esalquiano como Sylvia, Roberto Rodrigues também é só elogios: “A Sylvia Coutinho é o exemplo mais bem acabado de agrônoma que venceu no setor financeiro. É um exemplo e um orgulho para a agronomia brasileira”.
No fim da década de 1990, ela foi expatriada pela primeira vez. No início da fase de popularização da internet, o Citibank reuniu um grupo de estudos para avaliar o impacto que os meios digitais teriam sobre os negócios e a missão dela, que fazia parte desse grupo, era representar a América Latina no desenvolvimento do projeto nos Estados Unidos. “Foi a primeira vez que registrei uma patente em meu nome. Comandava uma equipe de engenheiros coreanos e indianos e nosso trabalho era criar uma agência do futuro”, explica a executiva.
Depois de patentear o projeto, Sylvia passou a viajar pelo mundo para replicar o método em outros países. “Brinco que já fui e voltei da Lua várias vezes. Rodo o mundo desde aquela época.” Em 2003, depois de 17 anos no Citibank, a executiva recebeu um convite para trabalhar no HSBC, banco em que atuou durante uma década, desempenhando diferentes funções: foi membro do conselho administrativo para o Brasil e América Latina, responsável pelas áreas de asset management, custódia e gestão de patrimônio também para essas duas regiões. Depois de passar quatro anos no Brasil, voltou para Nova York e se tornou CEO de asset management para as Américas e mercados emergentes. Sylvia tinha, aproximadamente, US$ 130 bilhões em ativos sob sua gestão. “Trabalhei nos Estados Unidos e em países da Ásia e da Europa. Convivi com muitas culturas diferentes. Isso me deu uma bagagem fantástica”, conta ela, que aproveitou a temporada nos Estados Unidos para fazer um MBA na Columbia University. Ela diz que, para a família, a experiência internacional também foi muito valiosa. “Digo que eduquei dois filhos globais.” Mas reconhece também que isso só foi possível porque seu marido abriu mão da própria carreira para acompanhá-la. “Por sorte, ele conseguiu se colocar profissionalmente e sempre trabalhou como consultor. Fez muita diferença ele ter ido comigo para os Estados Unidos.” E a executiva não acredita que o casal tenha trocado os papéis e que ela tenha se tornado a provedora e ele, a retaguarda. Para Sylvia, a grande diferença é que o marido sempre foi muito participativo e parceiro. “Imagino que deve ser muito difícil para uma mulher que tem uma carreira ser casada com um homem que não se dispõe a dividir as tarefas.”
MULTIPLICAÇÃO DE FORTUNAS
Com uma expertise de 150 anos em gestão de fortunas, o que se conhece como Wealth Management (WM), o UBS voltou ao Brasil em 2010 – depois de um hiato de quatro anos – de olho no que é considerado o décimo principal mercado global de WM. Em junho deste ano, esse segmento atingiu a marca de R$ 608 bilhões de patrimônio sob gestão no Brasil. O dado é do último Boletim Anbima, relatório trimestral da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais. “O UBS é líder mundial em WM. Somos o único banco global em que 60% do resultado vem daí”, explica Sylvia. Nos demais bancos globais, o WM responde por apenas 10% da receita.
No mundo, o UBS tem em seu portfólio famílias poderosas que são clientes do banco há quatro gerações. Além do atendimento voltado para WM, a área de Investment Banking (IB), onde o foco é mercado de capitais, IPOS, fusões e aquisições, também está em expansão. “As metas do banco são globais e o Brasil, por ser um mercado tão importante, não ficaria fora dos planos do UBS.”
Mas voltar a operar no país não foi tão simples. “Houve uma expectativa no mercado sobre quem iria assumir o UBS nessa nova fase. Acho que a Sylvia foi uma boa escolha”, diz Fernanda de Lima da Gradual Investimentos, que, além de corretora, atua na área de WM, asset management e aconselhamento financeiro no Brasil e no exterior. A importância de escolher um bom representante local se justifica, principalmente, porque o investidor brasileiro é muito receoso com bancos estrangeiros, principalmente depois da quebra do americano Lehman Brothers, em 2008, fato que foi o estopim da crise financeira que atingiu as principais economias mundiais. “A Sylvia tem a cara do Brasil e deu ao UBS a possibilidade de ser um banco mundial com presença local”, acredita Fernanda.
Os planos do UBS para o mercado nacional são ambiciosos. “Até 2020, a ideia é multiplicar por sete nossos ativos no país”, diz Sylvia. Além disso, o banco – que, em fevereiro do ano passado, comprou a corretora Linx, que na época da aquisição possuía cerca de R$ 600 milhões em ativos administrados – também pretende realizar outras aquisições, abrir escritórios fora de São Paulo em 2015 e equilibrar a receita, fazendo com que 50% dos lucros sejam provenientes da área de gestão de fortunas e os outros 50% venham da área de investment banking, que é destinada a empresas. No Brasil, atualmente, em termos de receita, IB representa 80% e WM, 20%. Para Sylvia, um dos principais desafios da fase atual é educar o investidor e implementar novos caminhos para a multiplicação do capital pessoal. “É importante que se veja as necessidades de cada cliente de maneira holística. Porque a estratégia da montagem do portfólio é mais importante do que o produto em si”, comenta. Segundo a executiva, não são poucos os bancos globais que têm áreas de negócios muito especializadas, que não conversam entre si. “No Brasil, o UBS pretende criar um ambiente de trabalho em conjunto com todas as áreas. O cliente quer soluções, quer interagir com um profissional do banco para tratar sobre um assunto específico, mas também quer falar sobre todos os assuntos, laterais e colaterais, locais e globais”, esclarece Sylvia.
SEM PERDER A TERNURA
Diferentemente de outras executivas que, às vezes, adotam uma postura mais masculina para se impor, Sylvia não perdeu a doçura. Como toda boa engenheira, ela tem raciocínio lógico e facilidade para lidar com números, além de ser pragmática. “Começo a entender as coisas pelos números, mas as pessoas vêm junto”, afirma. Fernanda de Lima, da Gradual Investimentos, concorda em gênero, número e grau: “Muitas líderes replicam o comportamento masculino, outras focam só no lado emocional. A Sylvia combina bem as duas coisas”. Como gestora, a executiva conta ainda com grande habilidade para integrar as pessoas. “Ela faz alianças com muita facilidade. Também forma profissionais, não tem medo de passar as coisas para os outros”, conta Cida Rocha, a primeira chefe de Sylvia no Citibank, que, anos depois antes de se aposentar, fez parte da equipe dela no HSBC. “A típica gestão hierárquica, que tem alguém no topo e todo mundo obedece, não funciona mais no mundo complexo em que a gente vive”, garante Sylvia. (Por Bruna Narcizo)
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