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Por Bruna Narcizo para revista PODER de março

O cheiro do álcool usado para colocar a entretela nos colarinhos das camisas é a principal lembrança que a catarinense Sônia Regina Hess de Souza tem de sua infância. Crescer entre retalhos de tecido e máquinas de costura foi fundamental para que ela entendesse a empresa da família nos mínimos detalhes – a camisaria Dudalina, fundada por seus pais, Duda e Adelina, em 1957. Mas foi o talento e o tino comercial que a destacou entre os 15 irmãos (Sônia é a sexta filha) e a fez triplicar o tamanho da empresa desde que assumiu a presidência, em 2003, aos 47 anos – hoje, ela tem 58.

Sônia também esteve à frente da negociação que, em dezembro do ano passado, passou 85% da companhia para o Advent e o Warburg Pincus, dois dos maiores fundos de investimento dos Estados Unidos. Os sócios minoritários remanescentes ficaram com o restante. “Não foi uma venda pela venda, mas uma decisão tomada entre meus irmãos e eu, já que somos todos acionistas”, explica. A ideia era dar liquidez ao patrimônio, já que vários membros do clã Hess pensavam em investir em outras frentes. Outro ponto que pesou bastante para os Hess: evitar que as questões familiares afetassem a companhia. Não foi uma decisão fácil. “Para finalizar uma venda desse porte, só mesmo alguém com a força diplomática que a Sônia tem. Já trabalhei com algumas famílias que encararam o processo como mutilação. Algumas pessoas comentaram que chegaram a sentir dor física na hora de fechar o negócio”, conta Luiz Carlos de Queirós Cabrera, sócio-diretor da PMC Amrop e um dos headhunters mais respeitados do país.

CADEIRA CATIVA

Ao longo dos anos, a empresa foi assediada diversas vezes por outros fundos, nacionais e estrangeiros. “Todo mundo tinha um milagre para oferecer”, conta Sônia. Quem a convenceu a bater o martelo foi Alain Belda, ex-diretor mundial da Alcoa e atualmente no comando da Warburg Pincus, um dos fundos que hoje controla a Dudalina e uma das maiores empresas de investimento do mundo. “Sempre admirei o Alain por sua respeitabilidade e ele conduziu tudo de maneira equilibrada.” Mesmo com a maioria das ações, o Warburg e o Advent optaram por manter Sônia na cadeira de presidente. “Tenho carta branca. Há o conselho e os comitês, claro, mas eles acreditam muito no potencial da companhia”, diz. Sônia continuou no cargo porque é a “cara” da empresa – não só por seu estilo gerencial, mas também no sentido literal. É que a linha feminina surgiu porque Sônia procurava camisas para ela mesma vestir. “Só que eu não encontrava. Decidi, então, pedir para nosso estilista produzir peças que fossem apropriadas para mulheres”, conta ela, sobre o processo que, em 2010, deu origem à linha feminina da Dudalina.

Mesmo tendo recebido de R$ 600 milhões a R$ 1 bilhão com a venda da empresa – valor repartido entre os irmãos – Sônia vai continuar de mangas arregaçadas. “Não é da minha índole me dedicar menos porque tenho novos sócios”, comenta. Trabalho não vai faltar, já que a meta para 2016 é dobrar de tamanho em relação a 2013, que teve faturamento de R$ 520 milhões. Este ano, o objetivo é bater a casa dos R$ 650 milhões e abrir mais 20 lojas (hoje, são 94, 59 próprias e 35 franquias) – uma delas na Oscar Freire, a rua do comércio de luxo em São Paulo. “Isso já está desenhado e todos estão batalhando pelo mesmo objetivo. Aqui não tem disputa nem vaidade”, garante. O processo de internacionalização da Dudalina também já saiu do papel. A primeira loja foi aberta em Milão, em 2012, e depois inaugurou uma filial na Cidade do Panamá, conhecida como a “Dubai latina” por causa de seus arranha-céus. Neste ano, há planos para abrir lojas em Viena e em Zurique. “A Dudalina ainda tem um caminho gigante no mercado brasileiro e a internacionalização pode ajudá-la a desbravar o país. Mas ainda não dá para dizer que existe algum tipo de penetração fora do Brasil”, avalia Carlos Ferreirinha, presidente da MCF Consultoria, especializada em gestão e inovação no mercado de luxo.

LA GARANTIA SOY YO

Enquanto cresce, a Dudalina luta contra um efeito colateral que costuma assombrar empresas em expansão: a pirataria. No fim do ano passado, por exemplo, foram apreendidas 300 mil peças no Paraguai e dois contêineres na Argentina. “O governo brasileiro deveria pensar seriamente nesse assunto, porque essa é uma questão criminal. Quem está por trás do contrabando são máfias instaladas para ludibriar o consumidor, principalmente os de menos renda”, diz Sônia.

Em tempos de invasão de produtos made in China no mercado brasileiro, Sônia é categórica ao afirmar que não gosta da ideia de produzir fora do país. “As pessoas tentam me seduzir o tempo todo. Vamos abrir fábrica no Paraguai? Vamos fazer escritório na China? Hoje, 18% do que faturamos são produzidos fora. Mas 82% são feitos por mão de obra local. O Brasil tem 200 milhões de habitantes. Vamos dar emprego para quem é daqui.” Ela ainda afirma que não é fácil competir com os baixos preços dos produtos importados, mas que existem vantagens em manter a fabricação nacional. Além de produzir apenas o que é vendido – em linha com o modelo das fast-fashion, como a Riachuelo, por exemplo, a Dudalina quebra a cabeça para colocar no mercado 20 mil produtos diferentes por ano.
No meio disso tudo, Sônia se prepara para outro grande desafio: deixar o cargo de CEO da empresa em 2016, quando completa 60 anos. Ela pretende seguir na empresa, mas como presidente do conselho de administração. “Essa renovação é boa para a empresa. Vou continuar contribuindo como conselheira. Sem falar que darei espaço para um sucessor”, explica. Sucessor, aliás, que vem sendo treinado há dois anos. O escolhido para substituir Sônia é Ilton Tarnovski, que atualmente é diretor comercial e trabalha na Dudalina há 30 anos. “Temos um programa de sucessão para que cada executivo prepare seu sucessor”, diz.

Sônia credita o estilo gerencial da Dudalina à sabedoria de sua mãe, Adelina. “Ela foi muito inteligente. Desligou-se da empresa em 1983 e transferiu o comando para os filhos”, conta. A presidência foi assumida por Armando, o sétimo filho do casal, que criou um modelo de gestão concebido pela Fundação Dom Cabral em que um conselho de administração estatutário blindava a empresa para qualquer demanda da família. Sempre tinha quatro membros do clã Hess e três externos. A profissionalização também é extensível aos cargos. “Desde que assumi, falo que não contrato ninguém que não possa demitir. Não tem nada pior ou mais complicado do que ter algum parente que deixe você engessado.”

CARNE DE PESCOÇO

Momentos antes de receber PODER, Sônia almoçou no escritório da Dudalina, em São Paulo. Como é raro a empresária fazer refeições no local – ela fica três dias por semana na fábrica, em Blumenau, Santa Catarina –, Viviane, sua secretária, pediu para a cozinheira preparar um dos pratos preferidos da chefe: frango ensopado. Toda vez, a primeira coisa que Sônia faz é se servir do pescoço – a parte da ave de que mais gosta. Algo impensável para a sexta mulher mais poderosa do Brasil, segundo a lista 2013 da revista americana Forbes. Ela está atrás de gente como Graça Foster, da Petrobras, a primeira da lista, Luiza Helena Trajano, do Magazine Luiza, a terceira, e logo depois de Gisele Bündchen, a quinta colocada. Muito simples, Sônia definitivamente não concorda com esse tipo de raciocínio. “Detesto quando falam que sou poderosa. O que acho é que tenho influência, e isso é preocupante. Porque gostaria de deixar um legado, um exemplo, o que não é fácil. Às vezes, quero brigar com alguém em um aeroporto como uma pessoa ‘normal’, mas agora não dá mais. Gostaria de ser anônima”, afirma.

Mas não dá para negar, à primeira vista, é difícil não se intimidar com a presença de Sônia. Alta – ela mede 1,76 metro e não tem problema em aumentar sua estatura com um bom salto alto – , tem voz forte e jeito de brava, a empresária quase sempre consegue o que quer e, de fato, passa a impressão de ser meio general. Mas bastam cinco minutos com ela para descobrir que suas conquistas têm mais a ver com seu estilo agregador do que pelo fato de ser mandona. “A Sônia é uma mulher dura na cobrança, mas, ao mesmo tempo, foi responsável por manter a harmonia na família. Conseguiu convencer todos que deveriam estar unidos por um bem comum”, analisa o headhunter Cabrera, da PMC Amrop. Segundo ele, esse perfil também é seu grande diferencial para gerir a empresa. “Algumas mulheres que se tornam muito fortes perdem a feminilidade. A Sônia não perdeu nenhum traço de sua personalidade.”

DESDE CRIANCINHA

O tino para os negócios vem desde os 12 anos. “Nossa história vem de 45 anos. Nos conhecemos quando ela trabalhava na loja da família, em Balneário Camboriú”, lembra Viviane, a secretária. Eram sempre duas lojas. Em uma, o pai ficava com os dez meninos e, na outra, a mãe, com Sônia e suas cinco irmãs. Desde essa época, ela sempre se destacou como a melhor vendedora. “Brincava com a minha mãe dizendo que dou lucro para ela desde que nasci.” Além disso, conta que é adepta da gestão compartilhada e é muito boa para delegar funções e tarefas. E foi graças a isso que Sônia conseguiu colocar a Dudalina entre as 70 melhores empresas para trabalhar no Brasil, de acordo com a edição 2012 da pesquisa do Instituto Great Place to Work, que mede o clima organizacional nas companhias participantes. “Na minha equipe, tenho alguns braços direitos, cabeças, vários olhos, o corpo todo!”, brinca, referindo-se ao time atual, que tem 2.500 funcionários.

O COMEÇO DE TUDO

A camisaria Dudalina surgiu em 1957, na pequena cidade de Luiz Alves, interior de Santa Catarina. Dona Adelina decidiu costurar algumas camisas para aproveitar os cerca de 200 metros de tecido que estavam encalhados no armazém de secos e molhados da família. As primeiras peças foram vendidas para funcionários da usina Jorge Lacerda, que faziam um trabalho na cidade. Bem cortadas e de qualidade, rapidamente ganharam fama pelo estado e a empresa se tornou o principal negócio da família. Tocada com mão de ferro por dona Adelina – que trabalhava sem descanso apesar dos 16 filhos – a empresa prosperou e, em 1986, já contava com seis parques industriais em Santa Catarina. No fim da década de 1990, a Dudalina era líder na produção de camisas e a maior exportadora do país. Até então, a força da empresa era industrial. O varejo cresceu com a criação da linha feminina, em 2010, que, ao lado das marcas Dudalina (de camisas masculinas), Individual e Base, compõem o portfólio. Hoje, a linha feminina responde por 35 % da produção e a companhia pretende terminar 2014 com 114 lojas.

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