Prepare-se para uma experiência orgástica. Comemorando os 70 anos do Sesc SP, os 58 anos do Teatro Oficina e os 21 anos da estreia de “Bacantes”, de Zé Celso Martinez, a peça ganha uma nova montagem, a partir desta sexta-feira. Com quase seis horas de duração e dois intervalos, “Bacantes” é baseada na tragédia grega de Eurípedes, escrita após ele ter se exilado na Macedônia e ter morado em uma casa ao lado de um terreiro de velhas bacantes, mulheres adoradoras do culto de Dioniso, onde celebravam os ritos da origem do teatro.
Com muitas festas e orgias, o público é então convidado a atuar com as bacantes, em um verdadeiro banquete antropófago. Em entrevista ao Glamurama por e-mail, já que Zé Celso estava com dificuldades de falar por conta de uma inflamação na garganta, ele explicou que “o teatro nasce justamente com a orgia”: “O teatro é um elenco ligado, é um elenco orgástico, que deseja comunicar-se com o público”. Ele ainda disse que o público paulistano era o que tinha mais dificuldade de entrar na dança. “Espero que tenha mudado e que venha preparado pra entrar na farra”. E para se despedir, ele deseja: “Merda!”.
Por Denise Meira do Amaral
Glamurama – Como você vai trazer Bacantes de volta 20 anos após a sua estreia?
Zé Celso – Na realidade é ‘Bacantes” em sua maioridade: 21 anos. Durante estes anos a peça foi encenada muitas vezes, pelo Brasil e exterior. O retorno nesta idade nos fez perceber que a peça é um rito. Para ficar mais claro, uma macumba de Dionisios, Bacantes e Satyros, a bruxaria da origem do teatro captado por Eurípedes de um velho terreiro de velhas bacantes. É um rito destronador dos tiranos, como Pentheu, que tentaram e tentam impedir a existência do teatro como transmutador das ordens e valores conservadores impostos.
Glamurama – Qual é o papel da orgia no seu teatro?
Zé Celso – O teatro nasce inicialmente da orgia nos secretos mistérios de Eleusys. Orgia que sagra o profano das festas que iguala os mortais, quebrando as hierarquias de classes e privilégios. Nos anos de ouro do samba, a palavra orgia era frequente, e no Carnaval ninguém é de ninguém, você se entrega ao delírio das multidões. O teatro é um elenco ligado, é um elenco orgástico, que deseja comunicar-se com todo o público, vindo de todas as classes, idades, etnias, culturas… É o que une os seres humanos, numa igualdade sonhada sempre pela humanidade libertária.
Glamurama -Como se dá a participação da plateia na peça?
Zé Celso – Não gosto da palavra participação, sou mais atuação. É uma plateia quente, que atua, mais que participa. As pessoas podem vir ao teatro para atuar com os Coros. As músicas e letras eram distribuídas em libretos. Mas hoje, com a internet, podemos postar as músicas e letras para que o público já venha pronto, como para o Carnaval ou uma sessão de Umbanda ou Candomblé.
Glamurama – Qual a importância desse papel ativo do público, que deixa de ser expectador e passa a ser parte integrante da obra?
Zé Celso – O público paulistano é, ou era, talvez, o que tinha mais dificuldade de entrar na dança. Ia ao teatro como uma coisa séria. Espero que tenha mudado e que venha preparado pra entrar na farra. Mas quem quiser ser expectador, ok, também pode pode vir, que será bem-vindo. O voyeur faz parte da orgia, claro!
Glamurama – Quais foram os relatos mais curiosos que você já ouviu após a peça, ao longo desses anos?
Zé Celso – Quando Caetano Veloso foi estraçalhado pelas ruas no Rio numa cena das mais lindas desta peça. Quando retornamos ao Oficina, o público caiu muito, e muitas celebridades pediram pra que houvessem lugares nas galerias onde elas fossem poupadas. Mas não cedemos. A cena acontece no imprevisto, não pode haver cartas marcadas.
Glamurama – A peça dura quase seis horas. Tem gente que não aguenta ficar até o final?
Zé Celso – É muito raro, porque a peça tem uma dinâmica de rave. Saem às vezes os que representam o papel dos “escandalizados”, mas a maioria sempre quer mais, não quer sair do teatro.
Glamurama – Antonin Artaud dizia que se a massa de hoje não compreende Édipo Rei, a culpa é de Édipo, e não da massa. Concorda?
Zé Celso – Não. Ninguém é culpado de nada.
Glamurama – O que acha do teatro brasileiro hoje? O que você tem gostado de assistir?
Zé Celso – O mainstream dos musicais, pecinhas importadas, são muito colonizadas. Mas os teatros de rua, com 22 dos grupos ameaçados em seus espaços pela especulação imobiliária, como nós do Oficina há 36 anos, são os que fazem trabalhos de criação teatral a partir da invenção total dos artistas que lá trabalham. Trazem o teatro vivo para a cidade, são plantações urbanas de arte ao vivo no deserto entulhado de carros da capital.
Glamurama – Quais são seus próximos projetos?
Zé Celso – Desejo muito fazer “A Morta”, de Oswald de Andrade. Sempre quis fazer, mas somente agora, à beira dos 80 anos, meu corpo entendeu a força poética da peça. Quer dizer, finalmente como fazer a peça. E, no ano que vem, “O Rei da Vela” faz 50 anos. Já combinei com Renato Borghi, vamos fazer a peça também.
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As músicas da peça são compostas por Zé Celso e são executadas ao vivo pelos coros e banda. Além de Zé Celso, a adaptação brasileira de “Bacantes” foi escrita por Catherine Hirsch, Denise Assunção e Marcelo Drummond. A indicação etária é 18 anos. “Bacantes” estreou pela primeira vez em 1995 no Teatro de Arena de Ribeirão Preto. Em 1996 ela estreou no Teatro Oficina.
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“Bacantes”, de Eurípedes, Zé Celso e Teatro Oficina
Sesc Pompéia
Quando:
21 e 22 de outubro – 18h
23 de outubro – 17h
Onde: Rua Clélia, 93, Pompeia
Duração: 5h40 (inclui dois intervalos)
Indicação etária: 18 anos
Transmissão ao vivo: https://www.youtube.com/user/uzonauzyna
Teatro Oficina
Quando: 28/10, estreia, 20h.
De 29/10 a 23/12 de 2016 – sábados e domingos. 18h
Sessões especiais:
02/11 – quarta feira 18h
23/12 – sexta feira 14h30
Ingressos: http://bit.ly/bacantesteatroficina
Onde: Teatro Oficina – rua Jaceguai, 520, Bixiga, São Paulo, SP.
Duração: 5h40 (inclui dois intervalos)
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