Por Alexandre Makhlouf para revista PODER de agosto
Ao escolher o nome da empresa que estava criando, em 1932, o dinamarquês Ole Kirk Christiansen resolveu juntar as primeiras sílabas de “leg” e “godt” – brinque bem, na língua do país. Nascia, assim, a Lego, fabricante dos blocos de montar que se tornaram referência em brinquedos educativos. Anos depois, Christiansen descobriu que, em latim, lego quer dizer “eu monto, eu junto”.
De lá para cá, a Lego mostrou que não chegou para brincar. Com faturamento global de US$ 4,7 bilhões ano passado, a empresa está presente em mais de 130 países, já vendeu cerca de 400 bilhões de peças e tem, nas quatro fábricas mundo afora, um índice de produção de mais de mil itens por segundo. No Brasil, o responsável pela operação é Robério Esteves, diretor de operações da MCassab – empresa de distribuição que representa a marca no país. Desde 2000, a Lego não tem mais fábrica aqui e importa os 334 produtos comercializados no Brasil. Focado em resultados, Esteves faz parte do time desde 1988, dois anos depois da chegada da empresa no país, quando foi contratado como designer e para criar as esculturas dos pontos de venda. Na época, ele desbancou 250 candidatos no processo seletivo que tinha, entre as provas, o desafio de fazer montagens com as peças de plástico. “Naquela época, disse para mim mesmo que queria me tornar diretor da empresa”, conta Esteves, que é formado em design e marketing e tem especialização em administração pela Fundação Getulio Vargas, de São Paulo. O objetivo foi conquistado com muito esforço. Tanto que, pouco tempo depois, Esteves foi promovido a supervisor de merchandising, depois, de eventos, em seguida a gerente de marketing e de operações até que, em 2007, a diretor de operações, seu cargo atual. Os números mostram que o esforço tem valido a pena: nos últimos três anos, a empresa cresceu 125%, renovou 80% do portfólio de produtos e abriu mais três lojas-conceito – no Rio de Janeiro, em Curitiba e em Belo Horizonte. E o executivo não pretende parar por aí. Segundo ele, o mercado brasileiro ainda tem espaço de sobra para crescer. Em conversa com PODER, na loja-conceito de São Paulo, a primeira do país, Esteves fala sobre seus planos para a empresa e conta que brinquedo é assunto sério.
PODER: Qual é a importância que o mercado brasileiro tem para a Lego?
Robério Esteves: Ainda não estamos entre os mercados mais importantes do mundo em termos de faturamento, mas estamos entre os mais importantes em termos estratégicos. E isso vem se reforçando a cada ano. Se comparado ao mercado de brinquedos de outros países emergentes, o brasileiro ainda tem muito espaço para crescer. Claro que existe o filtro social, mas, se você pensar que há mais de 50 milhões de crianças no país e acrescentar a isso o fortalecimento da economia, passamos a ter mais pessoas com acesso ao consumo e com consciência da importância de brincar e de comprar brinquedos que tenham também um lado estimulante e educativo. Se considerarmos também o que é o brinquedo Lego e o quanto ele contribui para o aprendizado e o desenvolvimento infantil, nossas oportunidades estão aí.
PODER: Como tem sido o desempenho da Lego no Brasil?
Robério Esteves:: Felizmente, só temos boas notícias. Em 2005, a Lego passou a fazer parte da distribuidora e importadora MCassab. Dessa época até 2011, crescemos em média 25% ao ano. Em 2012, o crescimento foi de 50% e, no ano passado, demos outro salto e crescemos 61%. Atribuo isso ao produto e à marca em si, que está em um momento muito positivo – globalmente falando. Nossos brinquedos são atualizados constantemente, temos lançamentos durante o ano todo. Esses lançamentos são resultado de muita pesquisa com o público infantil. Estamos preocupados em ouvir as novas gerações, mas sem perder nosso conceito: montar e desmontar. Qualquer brinquedo Lego, mesmo os que usam tecnologia, tem isso.
PODER: Como brincar ajuda no desenvolvimento infantil?
Robério Esteves: Já conduzimos vários estudos sobre isso e, sem dúvida, toda atividade que estimula o cérebro auxilia no desenvolvimento das crianças. Quanto mais nova a criança, mais apta ela está para aprender, para ser estimulada. Quando uma criança de 1 ano ou mais tem duas peças Lego nas mãos, a tendência é que ela tente juntá-las. Isso gera uma conexão, uma primeira descoberta, a percepção de que ao juntar uma coisa com outra é possível formar uma terceira ou que, agregando várias peças, é possível criar muitas coisas e depois desmontá-las e criar outras. Isso estimula as sinapses (comunicação entre as células nervosas), gerando não só desenvolvimento pedagógico, mas contribuindo também para melhorar a autoestima e a autoconfiança, já que a criança se sente capaz de criar e de modificar algo. Mas trabalhamos para que todos esses benefícios estejam em segundo plano para as crianças. Para elas, nosso brinquedo tem de ser divertido e ponto. O aprendizado é “velado”.
PODER: Há adultos que colecionam os brinquedos da Lego. Como vocês encaram esse mercado?
Robério Esteves: Há cada vez mais colecionadores adultos. Temos, por exemplo, a linha Architecture, que traz os principais monumentos do mundo. Existem comunidades de colecionadores Lego na internet e uma delas – a LUG (Lego Users Group) – é reconhecida como oficial pela empresa. Em cada mercado que existe essa comunidade, a Lego nomeia um embaixador. Porém, os consumidores adultos vêm de forma espontânea, porque nosso foco é 100% nas crianças (de 1 ano e meio a 16 anos). Os adultos são uma espécie de “efeito colateral”.
PODER: Quais são os principais concorrentes da Lego no Brasil?
Robério Esteves: Nossos concorrentes diretos são os fabricantes de brinquedos, mas também concorremos com tudo o que está relacionado à tecnologia (videogames, tablets, celulares), além de outros bens de consumo, como tênis ou viagens, por exemplo. As crianças de hoje recebem um volume de informação muito grande e isso faz com que elas amadureçam e parem de brincar mais cedo. Então, é um desafio cada vez maior ser a marca escolhida pelas crianças e suas famílias. Daí a necessidade de tanta pesquisa para estar conectado com as novas gerações e saber como elas querem brincar e o que esperam de nós.
PODER: Qual o segredo para inovar e não se afastar da essência?
Robério Esteves: É um desafio grande. Tudo que você vê hoje – dos blocos de montar até o filme Uma Aventura Lego e os videogames – mantém a nossa essência. Montar e desmontar é algo inerente ao ser humano. Se nós não estivéssemos falando sobre a Lego, mas houvesse pecinhas espalhadas sobre a mesa, certamente estaríamos fazendo montagens. Isso acontece com crianças e adultos. Por isso, temos todo tipo de produto, desde os mais sofisticados com tecnologia robótica até os mais básicos. Esse tipo de brinquedo vai existir sempre. Tomara que seja com a marca Lego (risos).
PODER: O que mudou desde que você entrou na Lego, em 1988, até agora?
Robério Esteves: A principal mudança é a utilização da tecnologia, sem dúvida. E isso se aplica do processo de produção – hoje, a fábrica é toda robotizada – à distribuição. A comunicação também mudou. Décadas atrás, era restrita à televisão. A TV, sem dúvida, continua tendo um papel muito importante, mas não é mais exclusiva. Hoje, podemos falar de Lego por meio de redes sociais, de aplicativos e de outras formas – fomos forçados a nos adaptar aos novos tempos. Por último, é claro que nossos produtos também mudaram.
PODER: Como seu conhecimento de designer é útil nos negócios?
Robério Esteves: O lado administrativo surgiu com o tempo. Quando entrei na Lego, não me programei para seguir essa linha. Minha formação é como designer e meu foco sempre foi me desenvolver dentro da área de marketing e de comunicação visual. Mas fiquei muito feliz ao ser contratado e disse para mim mesmo que gostaria de virar diretor, mas foi um pensamento muito íntimo. Comecei a atuar em áreas diferentes: criando esculturas como designer, organizando eventos e fazendo ações de merchandising, entre outras coisas. O interessante é que, a cada nova função, eu continuava com a anterior. Até que, em determinado momento, conquistei a gerência de marketing e passei a ter uma visão mais global da empresa. Aí, comecei a vislumbrar passos maiores e a entender que, para isso, precisava entender também o lado comercial. Pedi ao meu diretor que me deixasse cuidar de uma conta. Pensar em uma comunicação adequada para montar uma vitrine ou conquistar um novo cliente são desafios bem diferentes. Como tive essas e outras experiências na empresa, estava preparado para assumir a diretoria de operações. Mas não foi tudo mérito meu. Trabalhar com a marca Lego significa ter apoio e estar sempre cercado de gente competente.
PODER: Como é seu estilo de gestão?
Robério Esteves: Não me considero um chefe bravo. Você só consegue que a equipe trabalhe bem se todo mundo souber exatamente o que tem de fazer. Isso garante produtividade. Além disso, dá condição de passar aquilo para frente e fazer uma gestão no estilo dominó. Me considero bastante didático e exigente, porque temos um objetivo a alcançar e uma marca a zelar – sendo assim, todos precisam estar alinhados. Eu acho – e espero – que essa exigência seja vista pela equipe de forma positiva.
PODER: Como é sua rotina?
Robério Esteves: Acordo às 6h30 e às 8h já estou no escritório. A primeira coisa que faço é tentar zerar minha caixa de e-mails e, depois, analisar os resultados do dia anterior, da semana, do mês e do ano. Aí, converso com as pessoas para alinhar expectativas e resultados ou, então, passo para a parte de interação com a matriz. É um dia a dia muito voltado para o business. Sigo nesse ritmo intenso até as 18h e procuro não sair da empresa muito depois disso. O descanso é fundamental para realizar um bom trabalho. Quando saio da empresa, vou para a academia pelo menos três vezes por semana e, nos fins de semana, viajo para minha casa na praia. Se ficar em São Paulo, ir ao cinema e ao teatro são meus programas favoritos. Também amo café expresso. Mesmo que esteja calor e que seja antes da cerveja.
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