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Neto do homem mais rico do mundo no começo do século 20, o empresário, político e filantropo Nelson Rockefeller investiu no Brasil nos setores mais diversos, da agricultura à arte contemporânea. O livro mais recente sobre sua trajetória por aqui só não avança por um terreno em que ele era expert: o da conquista amorosa  

Por Paulo Vieira

Atacadista Makro. Roupa masculina Garbo. Plano urbanístico da cidade de São Paulo. Milho híbrido. Café. Cabeças de boi a perder de vista. Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio e de São Paulo. Foram tantos e tão variados os negócios e os projetos impulsionados pelo magnata Nelson Aldrich Rockefeller no Brasil que seu nome deveria ter se tornado tão comum nas ruas de nossas cidades quanto o de Getúlio Vargas ou do imortal Machado de Assis.

Não fosse ele, claro, americano. Ou “o” amigo americano, como no título do livro (Companhia das Letras) do historiador Antonio Pedro Tota, professor titular de história contemporânea da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) que dedicou dez anos de sua vida a inventariar o gigantesco legado do empresário, político e filantropo norte-americano no Brasil.

Nelson Rockefeller (1908-1979) nasceu em berço de ouro, e isso está longe de ser um velho clichê literário. Neto de John D. Rockefeller, fundador da petroleira Standard Oil e homem mais rico do mundo no início do século 20, ele poderia ter vivido uma juventude frívola não fosse talvez a severa educação protestante em que “extravagância e prodigalidade eram os pecados cardeais”, como escreveu Tota, e seu próprio e precoce empreendedorismo. Executivo do conglomerado familiar no começo de carreira, mais tarde subsecretário de Estado para Assuntos Latino-Americanos dos Estados Unidos, quatro vezes governador de Nova York, vice-presidente americano na gestão de Gerald Ford (1974-1977), Rockefeller veio dez vezes ao Brasil, algumas em missão oficial, outras por iniciativa própria. Aqui foi recebido por quase todos os presidentes civis do período compreendido entre o Estado Novo e o ciclo militar.

LA FAMILLE DE NELSON ROCKEFELLER EN 1958
Nelson Rockefeller (sentado) e sua família, que conjugava dinheiro e austeridade ||Créditos: Getty Images

Por que tamanho interesse no Brasil? “O Brasil era considerado uma ilha na América Latina, com uma elite menos refratária ao modelo capitalista americano do que, por exemplo, a elite mexicana ou argentina”, explica Tota a PODER.

As gestões para que convencesse Vargas a ficar do lado aliado na Segunda Guerra – época em que, como chefe da Office of Inter-American Affairs do governo Franklin Roosevelt, Rockefeller trouxe ao Brasil Walt Disney e o cineasta Orson Welles –, tornaram-se com o fim do conflito claríssima militância anticomunista. Seu fervor contra o “perigo vermelho” ficaria exacerbado em 1960, quando da primeira de suas três tentativas frustradas de se viabilizar candidato à Presidência dos Estados Unidos. Na época, conseguiu endurecer a agenda externa de Richard Nixon, que acabaria por ser lançado candidato pelo Partido Republicano, sugerindo que os Estados Unidos entrassem com muito mais força na corrida armamentista para equilibrar a Guerra Fria.

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Com Happy Rockefeller, sua segunda esposa e ex-secretária, celebrando a vitória eleitoral para governador de Nova York||Créditos: Getty Images

PROPAGANDA E CAPITAL

No Brasil, a conversa anticomunista, ou pró-capitalista, era bem menos beligerante e envolvia ativos de outra ordem, como a propaganda e o capital. Por meio de duas associações criadas por ele, a AIA e a Ibec, Rockefeller começou a investir por aqui para manter o país na órbita dos Estados Unidos. A sedução, que começou com a criação do personagem Zé Carioca e a distribuição de aparelhos de rádio pelo interior de Minas Gerais, viraria investimento direto em empresas brasileiras. A ideia era “atuar nos campos da agricultura, uso da terra e sua conservação, saúde pública, saneamento, alfabetização, indústria, comércio e outros setores”. Esses outros setores seriam quase todos os segmentos do comércio, da indústria e da vida urbana, a julgar pela lista de instituições e empresas que receberam o fomento de Rockefeller: Agroceres, que desenvolveu o primeiro milho híbrido brasileiro; Empresa de Mecanização Agrícola (EMA), que trouxe tratores e carros agrícolas para o campo no fim dos anos 1940; Associação de Crédito e Assistência Rural (Acar), que chegou a ter 62 escritórios em Minas Gerais e que serviria de modelo para sua irmã nacional, a Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural (Abcar), no governo Juscelino Kubitschek; Forjaço, fábrica de implementos industriais do bairro do Jaguaré, em São Paulo; o Museu de Arte Moderna do Rio, inaugurado com doações de obras de arte do acervo de Rockefeller; rede atacadista Makro; fazenda Bodoquena, que chegou a ter 80 mil cabeças de gado no Mato Grosso (hoje Mato Grosso do Sul); Crescinco, fundo mútuo de investimento; Indústria de Roupas Regência, proprietária da grife masculina Garbo.

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Nas duas primeiras fotos, o ontem e hoje do Rockefeller Center, de Nova York, o arranha-céu que serviu de QG para os negócios da família mais rica do mundo na primeira metade do século 20; à direita, a casa de Nelson na 54th Street, em Manhattan||Créditos: Getty Images

Com tantos negócios no Brasil, as viagens de Rockefeller eram extensas, dignas de político em campanha. Em 1952, mal aportou no Rio já visitou o presidente Getúlio Vargas, compromisso que antecedeu um almoço “para 148 talheres” oferecido por Assis Chateaubriand, o grande tycoon da imprensa da época, dono da revista O Cruzeiro e de diversos outros veículos de comunicação – desse almoço saiu a foto que ganhou a posteridade (e a capa do livro de Tota), em que duas “damas da sociedade” colocam um cocar tupinambá na cabeça de um sorridente Rockefeller. No dia seguinte, o americano estaria em São Paulo, para depois ir a Curitiba, Arapongas, Gália, Rio Pardo e diversas outras cidades paulistas. Em Arapongas, no Paraná, escapou sem arranhões de um acidente aéreo. Na paulista Mococa, desfilou em carro aberto e deu o pontapé inicial de uma partida de futebol entre o Radium, time local, e o Guarani de Campinas.

Pode-se dizer que Tota seguiu o dinheiro e o ideário político de Rockefeller no Brasil, mas não outra questão recorrente na biografia do americano: as mulheres. Infatigável sedutor, ele gostava de despachar com assistentes no banco de trás de sua limusine e teve sua carreira política encerrada, como muitos analistas acreditam, ao se divorciar e casar logo em seguida com sua secretária, Happy Rockefeller, ela também divorciada. Rockefeller morreu em 1979 como sonham morrer muitos homens – na cama com uma mulher 45 anos mais nova. Não era Happy.

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CAPITALISTA COM CORAÇÃO

Para Antonio Pedro Tota, autor de O Amigo Americano, Nelson Rockefeller acreditava que o investidor não podia ser apenas ambicioso – “greedy”, em inglês. Para combater o comunismo, que era a grande finalidade de sua ação na América Latina, o empresário deveria investir “socialmente”. Sua preocupação social surgiu cedo, ainda em 1937, quando conheceu a realidade da exploração de petróleo em Maracaibo, na Venezuela, pela Standard Oil, a petrolífera da família. De início, ficou intrigado com o fato de os funcionários americanos não falarem espanhol – para ele uma condenável demonstração de arrogância com a cultura do país hospedeiro. Pior foi ter visto as instalações segregadas, separadas por cercas. Não gostou nada de ler em um banheiro o aviso “Unicamente para americanos”. Decidiu então mudar tudo: enviou 12 professores de espanhol ao país, mandou retirar as cercas que separavam americanos de venezuelanos e iniciou a construção de moradias populares e igrejas católicas para os operários, entre outras ações.

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O Museu de Arte Moderna Carioca||Créditos: Getty Images

FUTURÓLOGO

Nelson Rockefeller via o Brasil como um grande celeiro e se preocupava com a questão do escoamento da safra agrícola – problema que, 70 anos depois, teima em não sair de pauta. Mas ele também queria implementar mudanças importantes nas capitais. Em 1947, enviou ao Brasil um consultor que analisou a situação do sistema aéreo nacional. Já naquela época previu a limitação do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, sem capacidade para receber aviões de grande porte, e propôs a construção de outro terminal, distante da área central. Dois anos depois, outro estudo, chefiado por Robert Moses, urbanista com impressionante currículo de transformações em Nova York e Chicago, entre outras cidades, sugeriu mudanças no sistema viário da capital paulista, criando vias expressas ao longo dos rios Tietê e Pinheiros e outras ligações radiais pela cidade. Também propôs a compra de 500 ônibus para “50 pessoas sentadas e 85 em pé” (o custo disso, que parecia um detalhe, seria repassado ao usuário, que pagaria uma tarifa duas vezes mais cara). Se o estudo fosse levado a termo, os saudosistas do bonde teriam ainda mais nostalgia, já que esse meio de transporte seria aniquilado. Os bondes deveriam dar lugar a “veículos motorizados mais rápidos”.

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