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Pedro Lima
Pedro Lima || Créditos: Roberto Setton / Revista PODER
Thais Borges
Pedro Lima || Créditos: Roberto Setton / Revista PODER

À frente do Grupo 3corações, Pedro Lima adquiriu marcas de café pelo país até se tornar o principal player desse mercado tão identificado com o Brasil. Difícil é associar esse potiguar discreto e algo envergonhado, que ganhou um prêmio internacional de empreendedorismo, à velha elite cafeeira

Por Paulo Vieira para a revista PODER de setembro

A história de Pedro Lima, presidente do 3corações, grupo que possui 17 marcas de café e de outros produtos matinais, além de máquinas de expresso, que detém a maior participação do mercado brasileiro de café e que faturou R$ 2,4 bilhões ano passado, não é daquelas de fazer salivar biógrafos e editores ávidos por encontrar o próximo best-seller empresarial. Mas só quando ela é contada pelo próprio sujeito da história. O empresário relata as conquistas pessoais e os grandes lances do grupo – as diversas aquisições, por exemplo –, com tamanha simplicidade, sem nenhuma exaltação ou pirotecnia, que o ouvinte começa a achar que esse negócio de ser empreendedor do ano é para Pedro – e para toda a torcida do Flamengo. Mas o prêmio concedido pela consultoria norte-americana EY, que reconhece anualmente empreendedores em 61 lugares do mundo, exige dos candidatos performance empresarial e atributos específicos que não são nada comuns. Além de espírito empreendedor, é preciso mostrar “desempenho financeiro”, “visão traduzida em estratégia”, “inovação” e “influência”. A liderança que o Grupo 3corações – surgido no interior do Rio Grande do Norte como Santa Clara – galgou ao adquirir diversas marcas de café nos últimos anos e seu crescimento a uma taxa anual média de dois dígitos certamente sensibilizaram os jurados.

Imaginário
O café é talvez o produto mais incorporado à história e ao imaginário brasileiros, nosso maior vetor econômico durante o século 19 e começo do 20, época em que seus players não raro eram barões e viscondes, motores da vida social da corte e da nascente República. Pode-se dizer que a elite cafeeira mudou bastante daqueles tempos para cá, a julgar pela biografia de Pedro e de seus dois irmãos mais novos, os sócios do 3corações junto com a família israelense Strauss.
Pedro nasceu em 1964 em São Miguel, uma cidade do semiárido potiguar hoje com 23 mil habitantes, tão pequena que a vizinha Icó, no Ceará, pode ser chamada de metrópole. Adolescente, foi estudar em Natal, onde vivia e fazia residência médica a irmã Vera, já falecida, que o incentivou – financeiramente, inclusive – a estudar inglês. Mas a primeira aula na Fisk foi traumática: todo mundo riu quando ele pronunciou as palavras que conhecia do idioma e, vexado, Pedro decidiu raspar dali para nunca mais colocar os pés na escola. Ele também iria abandonar a faculdade de agronomia em Mossoró, mas não tão rápido. Ficou dois anos e meio, quando então trocou a possibilidade de um diploma universitário pela oportunidade concreta de tocar o pequeno comércio de café do pai em São Miguel, que na época vendia 100 sacas por mês. No movimento, carregou seus irmãos Paulo e Vicente, de 18 e 16 anos, respectivamente, que também estudavam fora, de volta para casa. Pedro, que tinha 20 anos nessa época, não transforma sua origem modesta em handicap. “O empreendedorismo aflora em qualquer lugar do mundo, até nos mais adversos”, disse a PODER em seu escritório do Ipiranga, bairro da zona sul de São Paulo. Ele é um self-made man que soube se cercar de bons administradores que o ajudaram no crescimento do grupo e até nas relações interpessoais. Pedro não é dado a efusões, e não só no campo narrativo. Dizer que as aquisições mal são celebradas em seu QG é pouco. Ele “fica feliz”, como disse à reportagem, e só. Nenhuma mudança na rotina. Nenhum vinho ou espumante naquela noite. No soup for us. “O pessoal fala que a gente não é de comemorar, que a gente não é de reconhecimento. Mas não é isso, é porque eu tenho vergonha.” Se fosse celebrar cada aquisição feita, Pedro poderia fazer dos escritórios da 3corações em São Paulo e na região metropolitana de Fortaleza, locais onde despacha, sucursais da Stratton Oakmont, a empresa de Jordan Belfort, o corretor de valores devasso que escreveu O Lobo de Wall Street interpretado no cinema por Leonardo DiCaprio. Porque adquirir é um verbo que se conjuga para valer no 3corações desde os anos 1990, quando a Santa Clara começou a ganhar força no Nordeste com a aquisição da Kimimo. Em 2003, com a Pimpinela, abriu o mercado fluminense e o Sudeste. Em 2005, foi celebrada a joint venture com a família Strauss, dona do café 3corações; em 2009, o grupo arrematou a Letícia, com presença no norte de Minas (naquele ano também vieram os sucos solúveis Frisco e Tornado, comprados junto à multi Unilever); em 2011, foi a vez da Fino Grão, marca também mineira; ano passado a Itamaraty, forte no Paraná, entrou para o grupo.

Thais Borges
Pedro Lima || Créditos: Roberto Setton / Revista PODER

 

Ovo de Colombo

Caso não tivesse voltado a São Miguel nos anos 1980 e seguisse a trajetória de seus irmãos mais velhos, Pedro talvez fosse hoje um profissional liberal. João e Vera não quiseram saber dos negócios do pai e foram cuidar da vida. O primogênito formou-se engenheiro eletrônico pela Unicamp, mas, com o empreendedorismo também na veia, faria anos depois sucesso no Vale do Silício – em 2006, sua empresa de softwares, a Cyclades, foi vendida para a Avocent por US$ 90 milhões. Vera, que incentivou Pedro a estudar inglês, tornou-se ginecologista em Natal. Para dona Joana, a matriarca do clã, estudar era o que seus filhos tinham mesmo de fazer, pois os negócios do marido em São Miguel, segundo ela, “não valiam nada”.

Para aplainar o campo e fazer da pequena Santa Clara a gênese do gigante 3corações, Pedro começou enxugando. O café, claro, ficou, mas a fábrica de sabão, se dissolveu. “Um consultor de São Paulo me disse que eu teria de concorrer com a divisão de higiene da Unilever e para isso iria precisar de muito dinheiro. Era hora de ter foco.” De cambulhada, a marca de café Nossa Senhora de Fátima passou a se chamar Santa Clara, como a empresa.

Pedro também entendeu que reforçar os laços locais, ou, em suas palavras, “criar lastros legítimos e duradouros”, algo que dez entre dez profissionais de marketing veem hoje como verdadeiro ovo de Colombo, era a estratégia a seguir. E ela jamais foi abandonada. Parte da verba de marketing de cerca de R$ 100 milhões anuais do 3corações dá suporte a eventos e festas regionais, como a procissão do Círio de Nazaré, em Belém. Nesse caso, o café Santa Clara, marca líder do grupo no Norte e Nordeste, está presente em anúncios na mídia e aparece nos leques distribuídos à população.

Na luta por criar esse lastro, Pedro não se furtou a recorrer a personalidades midiáticas, como o cantor Fagner, cuja ligação com a família Lima é anterior aos anúncios que ele protagonizou para o Santa Clara. Foi o cearense quem sugeriu a Pedro que levasse a fábrica de São Miguel para Fortaleza. “Ele disse que o café do Ceará era muito ruim. E que o (então) governador Tasso Jereissati estava desonerando a carga tributária dos produtos da cesta básica, caso do café”, conta. Era uma ótima oportunidade e havia mais: Fagner disse que seria “garoto-propaganda” da Santa Clara de graça.

Bruna e Nanda

Com o tempo, o cantor de “Noturno” e “Fanatismo” seria apenas mais um no casting dos comerciais do grupo, que já associou suas marcas a rostos mais bem desenhados como os de Bruna Lombardi e Nanda Costa. Recentemente, Alex Atala (com sua mãe, Otávia) também estrelou uma campanha para o 3corações. A presença do mais badalado chef brasileiro foi pensada para trazer valor a um novo produto, que concorre diretamente com um bem de consumo high end, as cápsulas de café Nespresso, da Nestlé, que tem como garoto-propaganda o ator George Clooney, consideravelmente mais charmoso que Atala e Fagner. As cápsulas, chamadas tres, incluem sete aromas de café (seis de expresso e um de café filtrado), e seis variedades de chá, além de bebidas compostas como cappuccino, chocolate e café com leite.

É perda de tempo tentar procurar a bala de prata que fez do 3corações o gigante que é. O sucesso empresarial é construído no dia a dia, e para isso contou o investimento nos hoje 300 mil pontos de venda, o trabalho de aproximação com os fornecedores – o grupo jamais plantou café, embora mantenha uma fazenda para aprimorar o grão –, a integração tecnológica facilitada pela plataforma ERP (Enterprise Resource Planning ou Planejamento de Recursos da Empresa, em tradução livre), que permite acompanhar em tempo real as vendas no Brasil inteiro, e, claro, o senso aguçadíssimo de oportunidade de Pedro e de seus irmãos. Grande parte das aquisições do grupo foi feita junto a empresas familiares que viviam conflitos de sucessão.

Talvez para não provar do próprio veneno, Pedro preparou sua filha mais velha para entrar no grupo. E Paula, hoje com 29 anos, comprou a ideia: depois de estagiar na empresa, graduou-se pela conceituada Wharton School, na Filadélfia, e ganhou um assento no conselho na holding da família, Mas casa de ferreiro, espeto de pau, e ela agora decidiu voltar para os Estados Unidos porque, segundo Pedro, “arrumou um namorado russo-americano”. “Perdi a menina.” Não completamente, pois ela ainda tem assento no conselho do grupo e viaja de tempos em tempos ao Brasil.
Uma das frases preferidas de Pedro é “não tem nada certo na vida”. Ela parece até muito ajustada a sua própria trajetória, de menino vexado na aula de inglês a barão do café sem afetação nem traquejo social dos dias de hoje.
Pensando bem, a biografia ainda não encomendada tem cara de best-seller.

Thais Borges
Pedro Lima || Créditos: Roberto Setton / Revista PODER

É do Brasil

Muitos brasileiros vão querer esquecer o quanto antes este ano de 2015. Não Pedro Lima, presidente do Grupo 3corações. Em abril, ele ganhou a etapa nacional do prêmio Empreendedor do Ano, concedido pela consultoria norte-americana EY, derrotando empresários de peso como Anderson Birman (Arezzo) e Cesar Helou (Laticínios Bela Vista), entre outros. Como vencedor da etapa brasileira, representou o país em junho, em Mônaco, na final internacional. Não levou: o grande prêmio ficou com o franco-sírio Mohed Altrad, do Altrad Group, da área de construção civil. Mas a “campanha” foi memorável, uma vez que Pedro competia com outros 52 empreendedores de todo o mundo. Gente como o italiano Oscar Farinetti, fundador do supermercado gourmet Eataly, que chegou em maio por aqui, e David Hung, CEO da farmacêutica americana Medivation.

A sócia Israelense

O encontro dos irmãos Lima com o café 3corações se deu em 2005, quando o grupo israelense do setor de alimentos Strauss, proprietário da marca mineira, decidiu aceitar a sociedade com os potiguares. Sondagens aconteceram anos antes, sem sucesso. Os irmãos Lima e Ofra Strauss, chairperson e principal executiva do grupo, concordaram em dividir a empresa resultante entre as duas famílias depois de um pagamento compensatório para os brasileiros. Ofra, que é neta dos fundadores do grupo, representa a Strauss em negócios em 18 países, dos Estados Unidos à China. Em 2013,

o grupo faturou US$ 2,2 bilhões, segundo o jornal Financial Times. Ofra é também figura fácil nos tabloides israelenses por conta de sua proximidade com o ex-premiê britânico Tony Blair, uma companhia constante. A imprensa israelense viu muito mais do que cordialidade nos sucessivos encontros entre os dois em Israel. Blair e Ofra, contudo, jamais admitiram manter qualquer relação amorosa.

Velocidade e Regularidade

Pedro Lima teve pouco ensino formal, mas contou com bons conselheiros ao longo de sua carreira. Segundo disse à reportagem da PODER, um dos mais importantes foi João de Paula Monteiro Ferreira, um médico cearense de Crateús que voltou da Alemanha, onde se exilou durante o regime militar. “Ele me ensinou que para o sucesso de uma empresa eram necessários quatro valores, sinceridade, simplicidade, velocidade e regularidade”. Pedro pediu que o consultor explicasse os dois últimos. “Ele me disse que velocidade era o legado que tínhamos de deixar na Terra nos nossos 30 ou 35 anos mais produtivos; e a regularidade era fazer com que nosso produto sempre chegasse ao consumidor com o mesmo sabor, o mesmo paladar”. Hoje, isso parece bastante banal, mas nos anos iniciáticos de Pedro e seus irmãos na vida empresarial aquelas palavras soaram como o segredo do universo. E fizeram com que os três se esforçassem para garantir que o café Santa Clara sempre tivesse o mesmo aroma, onde quer que fosse vendido.

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