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por Márcia Rocha para revista PODER de março

Foi Maquiavel quem fez o paulista Renato Janine Ribeiro olhar a astrologia com outros olhos. Era 1990, ano em que preparava sua tese de livre-docência. Ao se aprofundar nos estudos sobre o pensador florentino, descobriu que, na Idade Média, época em que o filósofo viveu, houve uma grande discussão sobre o papel da astrologia. Um ditado daquele tempo, citado por Maquiavel, chamou sua atenção: “O homem prudente dominará as estrelas”.

Ribeiro defendeu a tese no ano seguinte e viu que não foi o único a ser “mordido” pelo assunto. “Estamos vivendo uma retomada do interesse pela astrologia. Mas, hoje, ela está muito mais focada em saber quem você é e como é do que em prever quando você vai ganhar na loteria ou tropeçar na rua”, diz ele, que é titular da cadeira de ética e filosofia política da Universidade de São Paulo (USP). Sem defender ou criticar a validade de interpretar o que dizem os astros, mas falando sobre a evolução e as implicações filosóficas e práticas da astrologia, o professor Ribeiro, sagitariano com ascendente em Áries, conversou com PODER.

LINHA DIRETA

No século 14, Roberto, o Astrólogo, rei de Nápoles, fez o mapa astral de outros reis da Europa. Por causa do que viu, escreveu para Filipe 3º, rei da França, prevenindo-os sobre os riscos de entrar em batalha contra Eduardo 3º, rei da Inglaterra, que, segundo ele, nascera sob um céu tão favorável que tudo o que empreendesse seria bem-sucedido. O fato é que Filipe 6º não ouviu o conselho e acabou derrotado na Batalha de Crécy, em 1346, primeiro grande confronto da Guerra dos Cem Anos (um dos maiores conflitos da Idade Média, que durou de 1337 a 1453 e envolveu França e Inglaterra). Da época certa para as colheitas à sucessão de governantes, a astrologia foi usada durante séculos para prever fatos relativos ao futuro dos soberanos e das nações. Era comum, inclusive, os reis terem astrólogos a seu serviço.

CABO DE GUERRA

Para Maquiavel, metade de nossas decisões são frutos do acaso, da fortuna, e a outra metade tem a ver com ações conscientes, que ele chama de prudência ou virtude. Existe sempre uma tensão entre essas duas forças, porque o que se tenta o tempo todo é aumentar a parte consciente de nossas decisões. Aqui, vale abrir parênteses para explicar o papel do acaso, que os antigos chamavam fortuna, palavra que também é usada na astrologia. Quem assistiu a Match Point, de Woody Allen, deve se lembrar da cena em que o protagonista joga uma aliança no rio. Se o anel não tivesse caído na água, o desfecho da história seria completamente diferente. Fortuna é isso: você faz planos e, de repente, vem um imprevisto e muda tudo.

Minha questão era saber se é possível aumentar a parte da ação consciente em nossa vida. Será que a fortuna é tão casual assim ou será que alguém munido de um mapa astral é capaz de dominar a sorte? E é aí que entra o ditado “o homem prudente dominará as estrelas”. Em tese, se usarmos a prudência, que, nesse caso, não significa cautela ou comedimento, mas saber agir de acordo com situação, é possível aumentar a parcela de ação consciente. E dominar as estrelas não quer dizer estudar os astros, mas dominá-los, estar acima deles. Então, o homem prudente não é alguém que estuda os astros, mas alguém que estuda a vida, que não fica à mercê da fortuna, porque sabe “mudar de pele”.

CONEXÕES

Podemos usar essa linha de raciocínio para analisar os princípios da medicina hipocrática, em que o corpo humano é composto por quatro tipos de líquido ou de humor (sangue ou humor sanguíneo; fleuma ou humor fleumático; bile amarela ou humor colérico e bile negra ou humor melancólico). A doença e a morte seriam resultado do desequilíbrio entre eles. Então, por hipótese, se alguém conseguisse um (impossível) equilíbrio total dos humores, não estaria sujeito nem à doença nem à morte. Claro que não estar sujeito à morte é exagero. Seguindo com a analogia, ser capaz de manter o equilíbrio entre os humores, em parte pela natureza (fortuna), em parte por vontade própria (prudência), seria o equivalente a governar os astros.

Ao longo dos séculos, a astrologia recebeu diversas contribuições e foi se modificando. Além da relação com a medicina hipocrática e com a mitologia grega (os astros têm nomes dos deuses gregos), há também analogias com as estações do ano, os quatro elementos, as quatro fases da vida. Na Grécia, aliás, não se falava em quatro elementos, mas em quatro qualidades: fria, quente, úmida e seca. A combinação entre elas dá origem aos quatro elementos. Por exemplo, a água é úmida e fria; o fogo, quente e seco e assim por diante. Para os gregos, o humor melancólico está ligado à bile negra e à terra, que, por sua vez, é fria e seca. Então, um possível jeito de compensar “esse excesso de terra” seria usando as qualidades opostas, quente e úmida.

UMA COISA É UMA COISA

Muita gente considera a astrologia arte divinatória e a coloca na mesma categoria do tarô, do I Ching e do jogo de búzios. Acontece que astrologia não tem nada a ver com adivinhação. Vamos supor que alguém faça um mapa astral pela internet. Com todas as limitações que esse mapa tem, em tese, ele é mais factível do que usar um software para um jogo de tarô, por exemplo. Bem ou mal, o programa analisa aspectos relativos à posição dos astros, o que não tem relação com o sobrenatural. Acredito que as pessoas têm essa ideia sobre a astrologia porque ela está fora do domínio da ciência, ou seja, seus preceitos não são passíveis de comprovação científica. Mas a terminação “logia” significa que durante muitos anos seus praticantes a consideravam como ciência.

A INFLUÊNCIA DE JUNG

Durante séculos, a astrologia esteve ligada ao poder e, sobretudo, à ação política. Mas, a partir do século 18, os reis começam a dispensar os astrólogos e vem a ideia de que o mundo é racional e as previsões não são confiáveis. Com isso, embora muitos consultassem astrólogos sem muito alarde, a importância da astrologia foi reduzida e a situação permaneceu assim durante aproximadamente 200 anos. No século 20, porém, Carl Jung recupera esse saber, mas com uma chave diferente, com o viés psicológico de se conhecer para agir de outra forma. Com isso, o horóscopo que se lê no jornal passou para segundo plano.

Hoje, mais que uma volta, houve uma retomada da astrologia. Porque, atualmente, ela tem outro propósito – e isso é o mais fascinante. Hoje, a astrologia está muito mais interessada em saber quem você é, como você é e qual é sua psique do que em prever que dia você vai acertar na loteria ou tropeçar na rua. Daí que há psicólogos, sobretudo de base junguiana, que a utilizam (já os freudianos não têm nada a ver com ela). É, vamos dizer, uma astrologia de elite, porque gente culta e bem informada se interessa por ela. É um caminho no qual as pessoas acreditam que possa trazer felicidade. Houve uma mudança de foco, que sai do objeto e vai para o sujeito. Nada disso, porém, quer dizer que eu acredite nela. Estou apenas tentando analisar sua história.

 

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