Em 2017, a loucura não é mais tabu – e difícil é encontrar um jovem urbano que não faça uso de medicamentos psiquiátricos ou que diga não sofrer de algum transtorno
Por Maria Clara Drummond para a Revista J.P de agosto || Ilustração: Istockphoto.com
Num passado recente, doenças mentais que hoje são encaradas com normalidade eram consideradas um grande estigma, causando ainda mais sofrimento aos enfermos. O que agora é resolvido com remédios com poucos efeitos colaterais era tratado com choques elétricos. A americana Zelda Fitzgerald, mulher do escritor F. Scott Fitzgerald, entrou para a história como uma mulher louca, que faleceu durante um incêndio enquanto dormia no telhado do hospício nos anos 1940. Seus últimos biógrafos, no entanto, acreditam que a escritora e socialite sofria de transtorno maníaco depressivo, que é grave, mas, se bem medicada, permite uma vida praticamente normal: Catherine Zeta-Jones, Carrie Fisher e Demi Lovato são algumas das celebridades que “saíram do armário” e assumiram essa mesma doença.
O transtorno também foi tema do filme de sucesso O Lado Bom da Vida, estrelado por Jennifer Lawrence, Bradley Cooper e Robert de Niro, e indicado a todas as principais categorias do Oscar de 2013. O tom ameno da comédia é uma amostra de como mesmo as doenças mentais mais complicadas perderam o status de tabu, e como hoje não é difícil encontrar um jovem urbano que tome remédios psiquiátricos.
A indústria farmacêutica agradece: pesquisas recentes nos Estados Unidos mostram que 57% dos doentes mentais tomam remédios psiquiátricos sem acompanhamento terapêutico, gerando uma preocupação dos especialistas com a sobremedicação. Mesmo sendo tarja preta e altamente viciante, Rivotril é um must have na caixinha de remédios dos habitantes das grandes metrópoles. Virou parte de certa cultura popular da mesma forma que ocorreu nas décadas passadas com o Lexotan – muitas vezes sem que o usuário tenha consultado um médico especializado para isso.
“Há hoje uma medicação excessiva que pode trazer mais efeitos danosos que ganhos”, diz a psicanalista Bia Dias. “É inegável que existem pacientes que precisam ser medicados até para poderem produzir alguma coisa em análise. Mas não adianta só medicar, pois a ciência pode dizer até o que nós somos, mas não pode dizer quem somos. O remédio homogeneíza tudo e todos, enquanto a psicanálise singulariza”, continua.
Durante os anos 1990, começou a febre de antidepressivos como Prozac e Zoloft. Em pouco tempo, vieram as ponderações: esse tipo de remédio pode aumentar o risco de suicídio durante as primeiras semanas de uso, principalmente entre crianças e adolescentes, que são diagnosticados cada vez mais cedo. É tênue o discernimento que faz com que remédios como esses causem ou previnam mortes. Mas a angústia dos tempos modernos, combinada à sensação clássica, já amplamente descrita, que todos estão vivendo a melhor fase da vida, menos o deprimido, faz com que seja grande o anseio pela pílula da felicidade. “É preciso dar espaço também para a tristeza, para a dimensão mais difícil da existência, pois o remédio pode entorpecer e criar um ideal de soluções mágicas que rapidamente se esvaziam”, reflete Bia Dias.
A tendência da geração millennial – aquela nascida entre os anos 1980 e 1996 – é esta: solucionar a curto prazo os sintomas como tristeza e ansiedade, sem querer entrar em contato com as áreas mais sombrias da natureza humana, em vez de investigar as verdadeiras causas por meio do autoconhecimento. Portanto, nada é resolvido, já que os remédios são apenas medidas paliativas: interrompe-se o uso e, em algum momento, a tristeza e a ansiedade voltam à tona, sem que nenhum passo significativo tenha sido dado. A questão não tem resposta pronta: é positivo que as pessoas tenham mais meios para lidar com seus problemas psíquicos, e com menos tabus envolvidos, ao contrário do que ocorria décadas atrás, mas, ao mesmo tempo, é preciso cuidado com exageros que levam à superficialidade. Enquanto isso, seguimos tentando nossas próprias e intransferíveis receitas para uma vida com maior bem-estar.
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