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Por Paulo Sampaio para a revista Joyce Pascowitch de janeiro

Lady Gaga, Madonna, Beyoncé, Britney, Rihanna, Gracyanne…Tá rindo do quê? Cada artista usa o figurino de acordo com o show que apresenta. Se as primeiras são consideradas ousadas pelas fantasias que evocam em cena, Gracyanne precisou transformar o próprio corpo numa alegoria. A rainha da bateria da Mangueira achou que era necessário crescer indefinidamente, até o limite do improvável, para conseguir destaque em meio à profusão de brilhos que desfilam na Marquês de Sapucaí.  Faz sentido. “A rainha ocupa o centro da emoção da escola. É uma responsabilidade muito grande”, afirma ela.

Em termos de atrevimento, Gracyanne, 30 anos, é mais ela. Ao contrário de uma pop star, que, ao final da turnê, deixa a indumentária de lado e coloca óculos de sol grandes para dar um passeio com os filhos no parque, Gracyanne nunca se livra do traje que escolheu para si. Até para ir à padaria, comprar um inocente pãozinho francês, ela tem de levar os seios carregados com 450 mililitros de silicone; o bumbum colossal, durinho, construído à base de sessões de legpress com 600 quilos de carga e da ingestão de omeletes feitos com até 22 claras de ovos por dia; e ainda a bochecha preenchida e a boca intumescida. “Eu sou tranquila”, ela diz, com um tom de voz híbrido, enquanto entra em um maiô preto, cheio de pregas, para posar entre ritmistas na quadra da escola. A brincadeira, aqui, é desconstruir a rainha, sem tirar dela a majestade.  “As pessoas comentam que ser assim, malhada como eu, não está na moda. Mas eu penso que corpo não tem a ver com tendência. Tem a ver com bem-estar pessoal.”

O jeito naturalmente polido com que Gracyanne mantém uma espécie de distância regulamentar de todos que estão à sua volta, exceto seus assessores, contrasta com a expectativa de agressividade que seus músculos hipertrofiados sugerem. Ao atravessar a quadra de cerca de 600 metros quadrados, no momento vazia, para se juntar aos ritmistas no palco decorado com uma insígnia gigante, verde e rosa, da Mangueira, ela levanta o polegar protocolarmente na direção de um grupo de homens descamisados da comunidade que jogam “copas fora” em uma mesa de plástico na lateral. Todos falam alto entre si, e até olham para ela discretamente, mas se portam como se Gracyanne fosse a mulher mais comum do mundo. No Rio, como se sabe, a etiqueta manda que os mortais se portem como se fossem “íntimos da celebridade”, sem jamais abordá-la. E ela acha ótimo. Qualquer traço de vulgaridade que o maiô muito cavado atrás possa insinuar é relativizado pelo profissionalismo que Gracyanne demonstra o tempo todo. A rainha está sempre disponível para as poses que o fotógrafo pede; coloca as roupas do figurino sem estrelismos e, apesar de suar em bicas, repete à exaustão os passos de samba sem música, ao som apenas dos cliques da máquina. “As pessoas cobram que eu seja rainha da bateria o tempo todo”, ela diz, sem se queixar, sabendo que inventou para si um personagem muito vulnerável. O problema é que Gracyanne Barbosa, tal como ela se apresenta, é apenas um instrumento de marketing para ganhar a vida. “Não gosto de tumulto, não uso salto, blusinha com lantejoula, shortinho curto e nem frequento bloco de rua. Quando sou contratada para animar um evento, assim que o horário determinado pelo contrato termina, eu vou embora.” Ou seja: acessível, sim; facinha, jamais.

Glória e Tarcísio

Belo, o marido pagodeiro, ex-de Viviane Araújo – que também é forte mas, digamos, menos contida –, conta que Gracyanne separa tão bem o profissional do real que não gosta nem de ir na van que enviam para levá-la aos eventos, para não depender do motorista na volta. “Ela vive uma vida parecida com a que eu desenhei para mim. Quando tenho um tempo de folga, quero ficar em casa, ver TV, ir pra cama e dormir às 22 horas.” Mulheres musculosas, ao que parece, o atraem. Até mesmo as que são mais musculosas que ele. Belo não esconde a vaidade que sente ao lado da turbinada patroa. “Encontro artistas que me dizem que minha mulher é perfeita, que gostariam de ter uma bunda como a dela, um abdômen, as pernas.” Pois agora o pagodeiro, que já foi preso acusado de tráfico de drogas,  anda  militando em favor da saúde e resolveu cuidar do próprio físico.

“Quem gosta de corpo mole, flácido? Há cinco meses, eu não conseguia fazer um show de uma hora e meia sem sair acabado. Hoje, com 38 anos, tenho a disposição de um garoto de 16. Agradeço à minha mulher.”  Depois de quatro anos juntos, os dois se casaram em maio, na Candelária, e ofereceram uma festança para mais de 300 convidados na Ilha Fiscal. Como ambos dizem que não são de badalo, pergunta-se: será que foi apenas uma festa para bombar na mídia? O casal, então, não passaria de uma dupla comercial? “Quando eu comecei a namorar Gracyanne, ela era uma dançarina desconhecida do grupo Tchakabum. E essa história de casamento de fachada, pensa bem, já diziam  isso da Glória Menezes e do Tarcísio Meira. E eles estão casados há 50 anos.”

Ela fez direito

O grupo de “neopagode” Tchakabum foi a primeira incursão, digamos, artística de Gracyanne. Ela nasceu e se criou em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, e mudou-se para o Rio aos 16 anos. Veio para estudar direito, mas acabou sendo “descoberta” pelo empresário do grupo pagodeiro, no qual ficou até 2007, quando desfilou pela primeira vez no carnaval carioca, pelo Salgueiro. “Frequentava a quadra com amigos e aquilo me caiu nas mãos”, conta Gracyanne, sempre tão agraciada. Não sabia sambar – e seus desafetos sustentam que continua não sabendo, o que, para quem testemunhou seu desempenho na sessão de fotos, é uma rematada injustiça.  Mangueirense assumida, mesmo tendo desfilado no ano passado pela Unidos da Tijuca, ganhadora do título, Gracyanne Barbosa já foi rainha da verde e rosa em 2008 e 2009. Voltou agora, para entrar no lugar de Renata Santos. Ivo Meirelles, 50 anos, presidente da escola, diz que o tipo físico da mulher que ele e a diretoria escolhem para ir à frente da bateria não os influencia. “Se fosse assim, Preta Gil não teria sido a primeira rainha da fase das celebridades [que começou em 2007]. Ela sofreu muito com críticas porque, além de não ter o estereótipo da rainha, era filha do Gil. Diziam que foi marmelada”, lembra Meirelles, a quem se atribui a criação em 1983 da personagem da “rainha da bateria”. Antes disso, as escolas tinham uma musa – representada geralmente por uma senhora da comunidade, que se vestia “com recato”.

Meirelles conta que até cinco anos atrás, a rainha era uma desconhecida, eleita por uma comissão da Mangueira, e que poderia vir de qualquer região da cidade, não só da comunidade.  O fim desse período se deve, segundo o presidente, à bagunça em que se transformou a escola no período em que ele esteve fora “por probleminhas políticos”. Para explicar melhor, Meirelles, que foi acusado também de tráfico de drogas, faz alusão à música “Charles, Anjo 45”, de Jorge Ben Jor. A letra conta a história do “Robin Hood dos morros, rei da malandragem” que “um dia marcou bobeira e foi tirar férias em uma colônia penal”; mas, “como Deus é justo”, Charles voltou ao morro, “para paz e alegria geral”, debaixo de uma “grande queima de fogos e de uma saraivada de balas”. “Dá uma olhada na letra completa”, sugere Meirelles.

Outro aspecto que complicava a eleição da rainha dentro da comunidade era a quantidade de candidatas amantes de figurões da escola. “Cada um trazia a sua, fazia lobby para ela, era muito difícil chegar a um consenso”, conta Wesley da Silva, 33 anos, diretor de harmonia da Mangueira. Ele e o diretor da bateria, Hudson de Oliveira Brito, de 19 anos, neto do lendário mestre Taranta, explicam a importância da interação da rainha com a bateria. “A primeira coisa que uma rainha tem de entender é que ela está ali para apresentar a bateria, e não o contrário.  Tem muitas que sambam uma música, enquanto a gente toca outra”, reclamam, sem dizer nomes.

Nuggets x bolo de banana

Em relação à Gracyanne, são só elogios. Hudson, que por sua semelhança com Ronaldinho Gaúcho é chamado de Gahudson, diz que ela é humilde, não fica só no camarote da diretoria durante os ensaios, desce à quadra para interagir e está sempre com o samba na ponta da língua. Nesses pré-carnavalescos, a rainha da bateria usa o que no jargão da realeza chamam de “roupa de pinta”, algo sexy mas não tão ventilado quanto a fantasia, confeccionado pelo próprio estilista que a veste no grande dia. Gracyanne diz que seu peso oscila pouco, de 68 para 70 quilos (em 1,70m de altura), e repete o mantra que todo rato de academia está cansado de ouvir. “Não adianta treinar certo e comer errado. A alimentação é 70% dos resultados. No início, quando eu não estava informada sobre isso, e diziam para eu comer frango, eu comia nuggets, kkk.” Hoje, quando alguém fala perto de Gracyanne em pizza (“Eu adorava”) ou pastel, ela reage afastando o rosto, como se tivesse visto uma barata. De doce, ela continua gostando muito, mas no máximo come uma fatia de bolo de banana integral.

Agora, o fotógrafo Gustavo Pellizzon  sobe em uma escada móvel para fazer a foto dela deitada com a barriga para cima, sobre o emblema da escola decalcado no meio da quadra. Ela veste uma saia de lurex transformada em tomara que caia. A câmera a pega a partir dos pés, em direção à cabeça. Mas onde está a cabeça? Ao que parece, os peitos impedem que o fotógrafo a veja. Ela se acomoda melhor, levantando ligeiramente o pescoço. E clic, clic, clic… Não. Não é um bom ângulo. Levam-na pra lá e pra cá. Ela vai, em cima de uma sandália roxa com salto de 15 centímetros. Suspende o cabelo atrás e se abana, atenta às instruções da produção.

Logo, Gracyanne Barbosa estará deixando a comunidade a bordo de seu BMW X5 4.8, de R$ 350 mil. Como se sabe, a fase de pegar vans passou já faz tempo para a rainha da bateria da Mangueira.

 

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