Por Paulo Sampaio para revista Joyce Pascowitch de fevereiro
“Gente, quem é gay aí? Você é gay? Atenção, gente, os gays! Vamos fazer uma foto!”, convoca um cabeleireiro chamado Josh, em meio à movimentada Aspen Gay Ski Week. Com 5 mil participantes, segundo os organizadores, o evento sacudiu a cidade americana durante a primeira semana de janeiro. Josh e um grupo de cerca de dez amigos tomam drinques na estação de Snowmass, a número 2 da região em dificuldade para esquiar. “Vem, gente, é pra sair na revista!”, continua o cabeleireiro, lançando mão de um argumento que leva todo mundo a correr para frente da câmera. Não é só ali que os gays adoram brincar de celebridade, mas, sem dúvida, em Aspen essa realidade parece mais próxima.
Quando, por exemplo, um Mercedes-Benz SUV encosta na porta do hotel The Little Nell, onde a diária média custa US$ 970, nunca se sabe quem pode sair lá de dentro. No dia em que eu mesmo desço do carro, logo entendo que a estação de esqui não se tornou uma referência em sofisticação apenas pela incrível qualidade de suas pistas, e da neve, nem do clima privilegiado e da agitada agenda cultural. Todo mundo ali parece ter uma história para contar sobre visitantes famosos como Mariah Carey, “ela gastou fortunas indo da loja da Chanel para a da Prada”; Jack Nicholson, “ele não foi a pessoa mais bem-humorada do mundo com os fãs”; Cher, “ela tinha um chalé ali, ó, naquela montanha, mas parece que já vendeu”; Paris Hilton, “well, you know…”. Butch Peterson, o instrutor de esqui escalado para me acudir montanha abaixo, diz que ele e seus colegas que dão aulas para celebridades costumam assinar um contrato de confidencialidade e não podem revelar nada do que ouvem ou veem. Mas quem consegue ficar calado? “Você acha que é fácil para Leonardo DiCaprio, por exemplo, permanecer incógnito ali em pleno período do Natal?”, pergunta Butch. Leonardo DiCaprio? Natal? Deixo de prestar atenção na pista à frente, enquanto pego velocidade. “Desculpe, não posso falar nada”, continua Butch, sem nenhuma intenção aparente de ficar quieto. Reajo alto: Sorry?? Começo a perder a direção. Agora você vai falar, eu digo, rindo, para fingir que não estou tão interessado assim. Butch ri também e passa a contar tudo o que sabe – ou quase nada, já que não é todo mundo que consegue extrair de um astro de cinema algo além de sua “simplicidade”, sua “simpatia”, sua “atenção com as pessoas”. Butch “descobriu” também que a namorada do ator, a supermodelo alemã Toni Garrn, era igualmente linda, simples e simpática. Tento provocá-lo: digo que DiCaprio deve gostar muito do assédio dos fãs, caso contrário não viria para Aspen – uma cidade de 3 mil habitantes que, na alta temporada, o inverno, passa a ter 27 mil. “E se oferecessem dinheiro para ele?”, pergunta enigmaticamente Butch, cuja aula particular custa US$ 750, o dia. Evidentemente, o instrutor não sabe quanto DiCaprio ganhou para dar pinta ali.
SPICE GIRLS
Deve ser difícil para uma personalidade que precisa mostrar a cara fazer isso em um lugar onde as pessoas passam a maior parte do tempo com a cabeça coberta por um capacete, usando óculos grandes, sobreposição de capas que impedem a avaliação de seu físico e botas pesadas. Por sorte, J.P esteve na cidade para cobrir a Gay Week, cujo público de famosos “wanna be” não se opunha a ser conhecido, reconhecido e (muito) fotografado. Logo depois da foto com os amigos de Josh, uma lésbica chamada Alexas, de cabelos curtos, descoloridos e bagunçados nos convida para almoçar no restaurante Bia Hoi, de comida pan-asiática, localizado no ponto de partida da gôndola (o bonde que leva esquiadores para o alto das montanhas). Alexas manda vir pequenas porções de tudo o que há de melhor na casa. Palitos de barriga de porco, peixe frito, bolinhos crocantes de camarão e pho, um caldo feito de carne de frango (ou de boi), com macarrão de arroz e perfume de folhas de louro, coentro e manjericão. É para quem gosta de comida muito, mas muito spicy. Os gays comem com a naturalidade de quem experimenta um cookie feito pela granny – o que aumenta a minha sensação de sufocamento. Tomo coragem e peço para Alexas um copo de água gelada e também algo menos apimentado. Ela prontamente manda trazer arroz oriental e costeletas de boi com salada. Enquanto isso, um urso (gay pesado e peludo) sentado à cabeceira da mesa aproveita o tempero do sudeste asiático para contar peripécias da viagem que fez à Tailândia, quando teve acesso “a uma parte da selva pouco visitada por turistas”. Oh!, exclamam em volta.
REALLY??
À tarde me convidam para o “opra esqui”. Sem entender do que se trata, começo a achar que entre as celebridades esquiadoras está a apresentadora Oprah Winfrey. Ou seria a apresentação de uma ópera? Então, aprendo que “opra” é a pronúncia americana para a palavra francesa “après”. O après ski é no bar do hotel Limelight, onde os mais malhados vestem sunga e passam a exibir os músculos na piscina aquecida; os não tão preparados mantêm a roupa de balada e permanecem bebendo nos arredores. Depois do “opra”, a maior parte tira uma sonequinha, janta e se arruma para as late night parties, que acontecem cada dia em um lugar – um calendário excepcional em uma cidade que não tem nenhuma balada oficialmente gay.
Entre as mais concorridas da semana estava a do bar Caribou, que em dias normais é privé e que por isso mesmo pareceu despertar no público gay a fantasia da exclusividade. “Jennifer Aniston foi barrada no Caribou porque seu nome não estava na lista”, conta um convidado, interpretando a expressão de desprezo que o porteiro teria feito para a atriz, e a de choque com que ela reagiu. Nesse momento, digo onde estou hospedado, só para testar reações. Numa mesa cheia de gays musculosos, declarar que você está no melhor hotel da cidade soa devastador. “At The Little Nell? Reeeally?”, diz um loiro fortudinho de Chicago, me examinando dos pés à cabeça.
ADORÁVEL KELSYE
Praticante de exercícios físicos diários, sinto-me culpado por tudo o que estou comendo em Aspen, embora não tenha havido sequer um grama de desperdício calórico nos incríveis restaurantes em que me levaram. Para não ficar com a consciência (nem o corpo) pesados, peço a Butch no terceiro dia que providencie um passeio a pé pela neve fofa. Pegamos a gôndola em direção ao topo da Aspen Mountain, a mais central das quatro montanhas da cidade, onde vamos nos encontrar com Kelsye, a adorável guia do hike. É uma moçona ruiva, de bochechas vermelhas como as do príncipe Harry, muito segura de suas atribuições. A seu lado, o grupo de cerca de seis integrantes na faixa dos 60 anos vive uma aventura tipicamente americana. A impressão é a de que, se um urso (o animal)surgir ali, o máximo que vai fazer é sorrir e piscar o olho, como um personagem de desenho animado.
Menos de meia hora depois do início, eu e Butch resolvemos tomar rumo próprio, já que Kelsye efetua paradas a cada 200 metros para contar histórias esclarecedoras sobre a região, mas que parecem especialmente longas quando se está a quase 4 mil metros de altura e sob uma temperatura de menos 10 graus. Proponho subir o morro mais íngreme à nossa frente. Caminhamos cerca de uma hora. Ótimo. Quero acreditar que perdi pelo menos 70% do fabuloso frango recheado com queijo taleggio que comi na noite anterior, no restaurante do Hotel Jerome, outra maravilha da região.
ALÔ, JASMINE!
Na manhã seguinte, a caminho de mais uma rodada de aulas, me instalo no banco de trás de um Cadillac SUV, ao lado de um casal de gays de meia-idade: Frank é psiquiatra, mora em Nova York com o marido, Jeff, tem a pele morena e muito lisa, os olhos ligeiramente esbugalhados e dentes hollywoodianamente alvos. Descubro sua profissão depois que ele atende o celular e fala com uma cliente que me parece, pela conversa dos dois, uma espécie de Jasmine – a desatinada socialite nova-iorquina interpretada por Cate Blanchett no último filme de Woody Allen. Frank acha a alusão ao personagem divertida e se queixa: “Por mais que eu diga que vou ficar apenas uma semana fora, os clientes estão sempre à minha volta”.
O dia flui normalmente. Esqui, “opra” e jantar no japonês Matsuhisa, leia-se Nobu, onde o chef prepara uma seleção de pratos “signature” absolutamente enlevantes. Meus preferidos: new style salmon, um sashimi feito com alho, gengibre, suco de toranja e cebolinha; e o crabmeat taco, fantástica tortilha de carne de caranguejo com molho de tomate apimentado, alho e sal Maldon. Volto leve para o The Little Nell, antes da festa do hotel Sky. Às 23h, o bar ali já está lotado. Um grupo de desprendidos dança animadamente músicas dos anos 1990, enquanto os “over the hill” (uma hipérbole gay para “over the top”, ou, numa tradução livre, além da montanha encantada) conversam com flûtes de proseco na mão, gargalhando cada vez mais alto com o queixo apontado para o teto. De repente, a música cessa e um aniversariante sem camisa sobe em uma mesa, ao som de Happy Birthday to You.
Então, detecto quatro brasileiros no local, dois médicos, um advogado e um comerciante. Eles pedem para não serem identificados. Levando-se em conta a fama de mal comportados que precede os brasileiros, nossa turma até que está calminha. “Não tem gente mais louca que os americanos. Antes de beber, são as pessoas mais formais do mundo. Depois, eles viram uns demônios. Olha só aquilo”, diz o advogado, apontando para um “trenzinho” de quatro rapazes que sensualizam ao som de Michael Jackson.
DRAG MALUCA
Na quinta-feira, só se fala no stand-up que o ator Mario Cantone, intérprete do personagem Anthony em Sex and the City, apresentará no Belly Up, a melhor casa de espetáculos de Aspen. Ali também, mais tarde, tem o show de Steve Grand, que saiu recentemente do armário e apresenta ao piano um repertório de baladas românticas estilo “Your Song”, de Elton John. Grand tornou-se conhecido quando o vídeo de sua música “All-American Boys” recebeu 1 milhão de visitas em oito dias no YouTube. Tarde da noite, o Belly Up está abarrotado. Eu, graças a Deus – e ao organizador da semana gay, Jim Guttau –, já estou sentado no bar tomando uma vodiquinha com soda… Ali, as expectativas estão voltadas para o desfile de fantasias marcado para o dia seguinte, quando esquiadores vestidos de drags e super-heróis descerão a Aspen Mountain.
Pouco antes do concurso, os organizadores ajeitam as cadeiras do restaurante que fica na base da montanha, para acomodar a alegre plateia. Stephen Pendergraft, de Phoenix, Arizona, parece especialmente entusiasmado. “É a receita perfeita para uma festa nas alturas. Vodca e champanhe ao meio-dia, uma drag maluca de MC e essas fantasias hilárias.” Chase Hahn, de Washington, classifica o concurso de “outrageous”. Seus personagens favoritos são os militares do Colorado vestidos de verde e um casal de noivos: “Em que outro lugar você pode assistir a uma parada montanha abaixo, a quase 4 mil metros de altura?”.
Como sempre nas “semanas gays”, a intensidade dos eventos aumenta em direção ao último dia, quando, no caso de Aspen, houve uma pool party. A festa à beira da piscina é uma espécie de catarse coletiva, o clímax no qual se permitem todos os excessos – de músculos, de adereços e de aditivos. É assim em toda parte do mundo e, para quem apenas observa, bem, não é uma festa para quem apenas observa.
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O jornalista viajou a convite da American Airlines SKIClub; Agradecimentos: Salomon do Brasil.
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