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Odile Rubirosa, Elza e Marcio Braga, Joan Collins e Régine Choukroun no Baile Vermelho e Preto
Peito de fora, "mas só se for bonito", no Vermelho e Preto
Peito de fora, “mas só se for bonito”, no Vermelho e Preto

O Carnaval de 1980 marcou a cena brasileira: escândalos, glamour e ousadia de montão. Beldades ficavam nuas, homens enlouqueciam e estrelas internacionais aterrissavam no Rio para viver a folia.  A sensualidade reinava dentro e fora dos salões. Conheça aqui os principais bailes por suas rainhas e reis

Por Renato Fernandes para revista Joyce Pascowitch de fevereiro

No verão de 1980 as areias do Rio de Janeiro estavam escaldantes, a cena carioca fervia, mas não era só de calor. O jornalista e ex-exilado Fernando Gabeira surgia com uma microssunga de crochê verde e roxa no Posto 9. As praias eram invadidas por beldades usando biquínis asa-delta e fio dental. E melhor: o topless virou tema da estação quando duas universitárias dispensaram a parte de cima – cena que foi, inclusive, retratada na novela das 8 daquele ano, Água Viva, de Gilberto Braga, com as atrizes Maria Zilda e Maria Padilha. A Playboy da modelo Alcione Mazzeo gerava disse me disse: muitos achavam que era essa a razão da separação dela com Chico Anysio. O Carnaval? Para lá de abusado. E os bailes eram um retrato fiel disso: mulheres seminuas, homens enlouquecidos de desejo, confete, purpurina, glamour e cocaína reinavam mais que o rei Momo em alguns salões. Dependendo do baile, claro.

Régine’s, o Circo Louco

Naquele ano, na terça-feira antes do Carnaval, já começava a badalação: Régine Choukroun armou em sua boate o baile superexclusivo Circo Louco, em que, para não fazer feio, recebeu seus convidados vestindo um macacão de palhaço. As irmãs Zui e Denise Freire foram acompanhadas da nossa condessa Luana de Noailles – que hoje mora em Paris, sem o vidão de antes. Sylvia Bandeira foi com o então marido Jô Soares… e outros vestido a rigor, como o casal Evinha e Baby Monteiro de Carvalho. Jorginho Guinle surgiu de summer com uma modelo loira à côté. “De topless ou bem vestidos, todos se divertiram muito no Chez Régine”, dizia a manchete da revista Fatos e Fotos. Pelo sucesso do baile, Régine recebeu uma carta da direção da Riotur oficializando o seu auê pré-carnavalesco.

Vermelho e preto: quinta-feira

A noite de quinta-feira fervia com as cores da bandeira do Flamengo: o Baile Vermelho e Preto – que surgiu em 1977, para comemorar a vitória de Marcio Braga como presidente do clube – abria o Carnaval. “Vivíamos a ditadura militar e o slogan era: democracia começa pelo Flamengo, uma ideia de João Carlos Magaldi. O baile foi um tremendo sucesso, e muito se deve à excelente organização e aos contatos de Marilene Dabus”, diz Braga a J.P, aos 78 anos. Naquela época, ele já era casado com sua prima Elza Braga. O baile de estreia foi a rigor e fez um tremendo ‘su’, como diria o mestre Ibrahim Sued, do jornal O Globo. Zózimo Barrozo do Amaral adorou mais ainda e deu muitas, muitas, notas em sua coluna social no Jornal do Brasil. Uma coisa é certa: Braga sempre destilou charme e elegância pelos salões do Rio, desde adolescente. “Ele foi um dos homens mais bonitos da cidade, rico, charmoso, educado e desejado”, conta Beth Jardel, viúva do ator Jardel Filho, que morreu em pleno Carnaval de 1983.

Poucas semanas antes do baile, Marilene Dabus, braço esquerdo e direito de Braga, avisava os seguranças: “Vale mulher de peito de fora, mas só as que têm seios lindos. Peito caído nem pensar”, lembra ela, rindo. “Drogas podia, mas só nos camarotes, no meio do salão não.” Iam muitos vips, todos pagando. Florinda Bolkan e Régine Choukroun já garantiam os seus convites do exterior. “Uma vez, o Rod Stewart veio, fumou um baseado e ficou parado observando, com um pé encostado na parede… Achamos que ele não tinha gostado, eis que, no ano seguinte, surpresa: Mr. Stewart liga de Londres reservando seus ingressos.” Os convites eram caros, mas tinha sempre mais de 5 mil pessoas no salão – e nada de ar-condicionado.

“Não foram poucos os casos de topless, bottonless e até um novo gênero, a nudez total”, noticiava a revista Fatos e Fotos. Fernanda Bruni, na época namorada de Tarso de Castro, foi de índia ‘montada’ por Denny Jô, um dos maiores produtores dos anos 1980. Uma dançarina loira, chamada Jussara, teve seus cinco minutos de fama ao ter seu biquíni arrancado pelos foliões. Era a terceira edição do baile e a orquestra do maestro Sodré, com 40 músicos, levava todos ao delírio.

Numa área mais exclusiva, no bar da piscina, Mr. Braga recebia seus convidados do high e causava suspiros nas dondocas de então. Com um sarongue na cintura, dorso nu e peludo, com 1,77 metro de altura e 73 quilos, o anfitrião deixava à mostra ainda um lança-perfume em sua cintura.  Marilene Dabus elogia o chefe de tantas décadas: “Nunca escutei uma ordem dele, mas sim pedidos. Marcio é um gentleman”. Uma coisa é fato: muitas socialites se rasgavam por ele, mas Marcio não dava ousadia.

Sugarloaf: sexta-feira

A terceira edição do Sugarloaf Carnival Ball, no Pão de Açúcar, foi o baile das estrelas. Carmen Mayrink Veiga surgiu com um ousado vestido que deixava sua cintura à mostra. Odile Rubirosa foi com um top de lantejoulas em que seus seios insistiam em aparecer, como quem não quer nada. Bianca Jagger também estava lá, linda e com um dos italianos que marcaram época no Rio, o bello ragazzo Lorenzo Ripolli, morto em 2014. A surpresa da noite? As cantoras Angela Ro Ro e Zizi Possi, pulando abraçadas – caso que rendeu muito pano para manga. Passado. Walter Clark foi de smoking, mas abriu mão do paletó e gravata, e aparecia em fotos se esbaldando ao lado de Noelza Guimarães e Silvinha Martins. Reza a lenda que Silvinha foi um grande amor não correspondido de Clark. A mulata Marina Montini, musa de Di Cavalcanti, posava para as fotos com sua beleza estonteante, enquanto a loira Rosemary surgia de espartilho, meia arrastão e sambando sem parar. “Era o que eu mais gostava”, diz Rosemary, que sai na Mangueira há mais de 24 anos.

Baile da Cidade: sábado

No 5º Baile da Cidade, realizado no sábado, no Canecão, o glamour e a alegria reinavam. Ao som de “Balancê”, música de Braguinha regravada por Gal Costa, os famosos e anônimos destilavam energia. Pura ou sintética. Os foliões pararam para ver as fantasias premiadas durante a tarde no Hotel Glória. A atriz Joan Collins se fez presente, assim como o maestro Paul Mauriat. Silvinho, o cabeleireiro de nove entre dez estrelas, estava em um camarote. Foi ele quem transformou Marina Montini numa deusa e a ordenou raspar as sobracelhas. De Sandra Bréa conseguiu mais: atingiu o coração da superstar. Silvinho era um grande folião e marcou época ‘como o mais alto grau de requinte da haute coiffure’, segundo a  revista Manchete de fevereiro de 1982.

O cabeleireiro Isidro era o da estrela Vera Gimenez, que é enfática: “Minha cabeça quem fazia era o Isidro e meu guarda-roupa para os bailes o estilista Hugo Rocha”, diz ela, que conclui: “Esse tempo acabou, não existe mais glamour nenhum, eu amava o Baile da Cidade, era o mais chic e mais gostoso”. Ela e Jece Valadão eram foliões de primeira. Outra estrela que amava o baile é a mulata Solange Couto: “Hoje não existe mais música, cantores e orquestras. Eu não me divirto mais”, afirma, nostálgica.

Beliscão no bumbum  

Rainha dos bailes gays, a cantora e atriz Jane Di Castro quase trouxe o Canecão abaixo quando chegou vestida com um boá carijó. Boá carijó? “Sim, ele era todo de penas de galinhas carijó”, diz. Mas o grande abalo veio quando se despiu dele: estava com o corpo coberto por uma renda salpicada de cristal Swarovski, tapa sexo e mais nada. Nada! O escândalo foi tanto que Jane foi parar em todas as revistas, inclusive no livro francês Rio Carnival  Fantastic, de Alain Draeger. Para completar, ao chegar em casa, Jane estava com uma marca de beliscão no bumbum. De quem? “De um rei, não digo mais nada”, disse na época.

‘Alô, alô Terezinha!’

Naquela década, a atriz Terezinha Sodré e seu marido, o jogador de futebol da seleção brasileira, capitão Carlos Alberto, eram presenças garantidas nos melhores bailes. Na avenida, ela ia pela Imperatriz Leopoldinense com a amiga e também atriz Leina Krespi. No 1º Baile Internacional do Rio de Janeiro, no Clube Federal, La Sodré roubou a cena vestida de índia. Nem a cantora argentina Amelita Baltar chamou tanta atenção. “Carnaval é um estado de espírito. Se você junta sua alegria e vocação para artista, já dá um DNA carnavalesco”, diz. “O Carlos Alberto foi um grande companheiro, se divertia com o mundo artístico. Sempre fui rodeada de amigos ‘entendidos’, e ele os adorava. Éramos todos uma grande família.”

Adele, a soberana rainha

Adele Fátima nasceu dia 17 de fevereiro, em pleno Carnaval. Aos 8 anos, já saía na bateria do bloco Bafo de Onça. Primeira mulata do empresário da noite Osvaldo Sargentelli, Adele foi nossa única bond girl. Foi também durante um baile que conheceu seu futuro marido, o engenheiro Marcelo Carneiro. O casal reinava nos salões e está junto há 36 anos. “O Rio vivia seu apogeu de bailes, eu mesma criava minhas fantasias. Cada noite, uma diferente. O que mais gostava era o Baile do Havaí, no Iate Clube na Urca.” Mas diversão mesmo era ela quem proporcionava ao público ao passar vestida de Margarida Gostosa pela Mocidade Independente. Durante anos Adele mal podia sair de casa, tamanho o assédio. “E não era só de homem não. Senhoras, gays, travestis, crianças, todos queriam falar comigo”, assume. “Durante dez anos saí pela Mocidade. Em 1985, entrou a Monique, que saiu com os seios de fora. Naquele momento me despedi. Não dá para competir com uma mulher com o seio de fora… e não é minha praia sair assim. Ia de corpo, coração, cabeça e alma. Mas é uma pena a escola não reconhecer isso”, diz.

Concursos

Os concursos de fantasias, nas categorias luxo e originalidade, aconteciam no Hotel Glória. Entre os candidatos, muita disputa. No júri, Carlos Machado, Moacyr Deriquém, Rubens de Falco, Helô Pinheiro e até o jornalista Sérgio Chapelin. Os vencedores foram os clássicos: Evandro de Castro Lima, Wilza Carla e Clóvis Bornay. “Uma vez, no Municipal, Wilza ficou uma fera comigo. Ela se fantasiou de A Noiva do Vampiro e, para ficar mais original, mandou arrancar os dois dentes caninos, colocando no lugar duas presas que espirravam sangue. Não adiantou, ela acabou sendo desclassificada, embora protestando como sempre. Disse-lhe então que sua fantasia deveria se chamar A Baleia Voadora”, cutucava Clóvis Bornay, na revista Manchete de 1979.

Baile do Fluminense: Bom de Salão

Comportado e “de família”. Era assim o Baile do Clube Fluminense, o Vert Blanc Rouge, que, em 1980, estava na segunda edição. A orquestra de Tom Campos abriu já tocando o hino tricolor. A atriz Myriam Pérsia se fez presente, num estilo cigana e com o umbigo de fora. Quem roubou todos os flashes, porém, foi o casal 20 Marta Anderson e Fernando Reski. Ela, uma loira belíssima de corpo escultural. Ele, um ator com passagens em peças importantes, como Hair e Pippin. Foi o Carnaval que virou a carreira de Reski, que foi chamado para cobrir os bailes para a Rede Bandeirantes. “Em 1979, a Marta me convidou para sairmos pela Vila Isabel. Já em 1980, viramos um casal, pois viemos de Adão e Eva”, lembra ele. Marta, hoje evangélica, apareceu na avenida com três folhas de parreira, enquanto Reski com apenas uma. “Me lembro que ainda havia censura e o Fernando Vannucci, que narrava para a Globo, mandava recado para eu não virar de costas para as câmeras.” A partir de então, estavam juntos em todos os bailes. Hoje, Reski não sabe da musa, que sumiu. “Ouvi dizer que ela voltou a morar em Vila Velha”, diz o ator, que credita sua popularidade ao Carnaval.

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