Contar a história de Renato Kherlakian, o homem por trás do raio amarelo da Zoomp, é contar a história do jeans no Brasil. Criada em 1974, a calça jeans Zoomp virou desejo absoluto nas décadas de 80 e 90, com a marca ocupando até hoje o imaginário de quem viveu a sua época. Não à toa, Renato resolveu transformar em livro a sua história, com o “Uns Jeans…Uns Não”, que será lançado nesta quarta-feira pela editora Senai-SP na Livraria Cultura do Iguatemi São Paulo. Renato nos visitou na Casa Glamurama para uma entrevista sobre o livro e mais. (Por Verrô Campos)
No começo, ele pensou em escrever uma biografia, chegou a começar uma conversa com a Companhia das Letras para um relato mais pessoal, com o título provisório de “Que Raio de Vida é Essa?”. Mas, depois do interesse de Paulo Skaf, presidente da Fiesp que ofereceu a editora do Senai para a publicação, a ideia foi outra: “A editora me disse: ‘Interessaria muito a sua história profissional, mas nós não queremos sexo, drogas e rock’n roll, queremos algo mais didático, sobre a sua trajetória’. O objetivo foi perpetuar a marca, uma trajetória da qual eu participei durante 32 anos num momento de mercado em que se remava, não tinha barco a motor, era no braço”, conta, usando uma de suas metáforas, marca registrada do empresário.
O resultado é um livro em forma de glossário, com QR codes de desfiles da marca e vídeos e fotos de campanhas. Os tópicos vão desde palavras diretamente ligadas ao jeans como Lavagem, Denim e Acabamentos, até outras, como Alma – ele fala que a sua é “blue jeans” -; Gratidão, quando conta sobre o câncer no pâncreas em 2002 que quase o matou; ou Kherlakian, que conta a história da família, que veio para o Brasil fugindo do genocídio dos armênios pelos turcos. “No final da década de 70 eu tinha base na Avenida Santo Amaro, lá eu realizava showrooms incríveis com o ‘E La Nave Va’, com um cinema que fizemos com o Rubens Ewald Filho. Realizamos um filme baseado na própria história de coleção, coloquei todas as poltronas e fizemos uma bilheteria e uma sala de cinema projetando vídeos que associavam imagens de filmes a outras da coleção. Teve também a enfermaria, que era bárbara, os clientes chegavam e eram recebidos por mulheres vestidas de freiras de um hospital católico, que tiravam a pressão dos clientes para saber o quanto eles iriam comprar. Sempre havia um humor, uma característica marcante, porque em todas as etapas teve a minha mão, o meu olho, que fez de uma certa forma compensar o meu desejo, que era ter sido um diretor de cinema. Com a Zoomp eu pude dirigir cenários incríveis, de vitrines, campanhas, desfiles e, principalmente, contemplar a beleza”, conta Renato, confessando seu antigo sonho.
Na década de 80, a marca é a primeira marca a usar o stone washed no Brasil. “A Zoomp acompanhou o início dessa revolução das academias, do emagrecimento, das cirurgias das correções, do cuidar do cabelo, a Zoomp fez parte do cotidiano das pessoas, assim como as lojas de varejo deram oportunidade para um ambiente agradável, que a pessoa pudesse se envolver, isso foi nacional, não era uma marca regional.”
“No livro tem várias passagens muito marcantes, a própria turnê do GRAAC – Grupo de Apoio à Criança e ao Adolescente com Câncer – [uma turnê de 16 desfiles pelo Brasil em 1995 para arrecadar fundos para a instituição presidida pelo pediatra de suas filhas, com estrutura de passarela, produção e casting que contava com Adriane Galisteu, Rodrigo Santoro e todos os modelos mais hypados da época], a Gisele Bündchen [que despontou no desfile do SPFW inspirado em ‘Alice no País das Maravilhas”, em 1997], contratar Mario Testino com styling de Carine Roitfeld depois de trabalhar com todos os melhores fotógrafos do país, as campanhas, os grandes desfiles e principalmente dar uma ideia da dimensão do desfile de 20 anos, com 5 mil pessoas dentro da fábrica [em 1994, com 20 atores da Globo e cerca de 100 modelos na passarela]. “Vale lembrar que Renato gostava de receber, de preferência com uma bela e extensa lista de convidados, que sempre curtiam uma boa festa pós-desfile regada a Veuve Clicquot na temperatura certa.
O título do livro vem de uma campanha de 1983: “Uma campanha memorável, que causou ira no mercado quando dissemos que ‘Uns Zoomp…Uns Não’, sobre o estilo inconfundível que a marca criou, especialmente no início dos anos 80, com as coleções mais completas, com a parte mais fashion, mais seminoite, que deu uma caráter de um casual chic à marca”, conta. A equação perfeita fez com que em 1998, a Zoomp chegasse à marca de 85 lojas no Brasil, sendo 25 delas próprias e 60 franquias, além de distribuição em mais de 1.150 multimarcas no país tendo sempre a calça jeans como carro-chefe, “cerca de 70% da nossa produção”.
Mas, em 2002, a marca é vendida para a holding Identidade Moda: “Uma das causas que me levaram a vender foi uma conversa que foi azeitada, melada – melada no duplo sentido, tanto jogando mel quanto melado -, que esse grupo formaria uma grande identidade de moda, um grande ombrelone. Teria debaixo de sua proteção 12 a 14 marcas. Acabei sendo seduzido por este projeto, apesar de ter ouvido outras propostas, mas o que me levou também a isso foi uma deterioração da empresa internamente, depois da minha cirurgia [do câncer]. Se convencionou que a empresa viraria uma S.A., algo que pra época era muito precipitado, precoce e acabou acarretando uma série de percalços e obstáculos que não conseguiram ser vencidos e que resultou na venda. E aí, o desastre foi maior ainda, porque em dois anos levou a marca para uma recuperação judicial na qual ela vem sendo trabalhada até hoje. A S.A. era um projeto louco da parte dos sócios administrativos em abrir o capital, era muito precoce, como uma menina de 14 anos querer fazer uma cirurgia nos seios. Calma, dá um tempo.”
Hoje, a Zoomp pertence ao grupo de Alberto Hiar, da Cavalera: “Numa assembleia de credores, a proposta dele foi aceita e ele vem batalhando isso com contestações e recursos e parece que, definitivamente, agora foi acertado e efetuou os depósitos”. E quanto a ser convidado como um possível embaixador da marca por Hiar? “Na verdade, ele não me chamou, noticiou antes de me chamar. Olha, tô me casando com você semana que vem, mas nem sequer te namorei para anunciar um casamento. Depois comecei a conversa com ele, não era tão fácil entender o que seria um embaixador da marca; sei lá, não é Christian Dior pra ter embaixatriz ou embaixador. Fomos conversando, mas me parece que, ou não era uma verdade, ou houve uma mudança de opinião a respeito”, conta ele. “A marca, por mais que ela tenho sido muito sólida e fincado o raio em posições distintas do país e estar na memória das pessoas, ela ficou muito tempo fora do mercado sofreu um desgaste muito forte e com uma comercialização absolutamente imprópria. Torço para que ele possa conseguir recuperá-la nos próximos anos, que no início da próxima década ele tenha um posicionamento igual. Vai ser difícil, porque o mercado é outro completamente, não se tem a ousadia, a coragem, o arrojo que eu tive. Acho que o que a Zoomp construiu ao longo dos anos, inconscientemente, foi um branding fantástico. Na época, nem se tinha ideia do que era franchising; branding então, nem se fala. Acho que a estratégia cabe a ele definir e ter a chance de sucesso.”
Tem vontade de voltar para o mercado? “Não tão cedo, porque voltar para este mercado hoje você tem alternativas enormes: e-commerce, multimarcas, uma necessidade de uma estrutura bastante azeitada e principalmente parceiros fabricantes que aceitem a ideia de um licenciamento de marcas. Haja vista que no país surgiram poucas marcas novas de jeans no eixo Rio-São Paulo e muitas massificadas fora. Pra você ter ideia, eu acredito que o país conseguiu se manter entre o 4º e 5º maior produtor de jeans no mundo com uma produção de 400 milhões de metros lineares ano, acho que estamos bastante distantes da posição anterior, mas é o índigo hoje que basicamente sustenta a indústria nacional. Surgiram mais empresas têxteis produzindo o jeans e fornecendo para o Brasil inteiro, não só nos grandes eixos. Uma centena de marcas fizeram o jeans se popularizar criando diversas alternativas: pras gostosas, pras funkeiras, pras piriguetes, lavagens diferentes, é totalmente pulverizado. Há uma reviravolta total no mercado, quem se sobressaiu e se deu bem foi o esportivo, entrou no jeans, no casual, no mais arrumado, eu acho que o esportivo hoje é um segmento de mercado que acompanha todas as produções. As jaquetas de nylon, o fuseau com bota de cano alto, o couro se aperfeiçoou, o matelassê. Assim como a Zapping [segunda marca da Zoomp], quando ela surgiu, abriu um outro segmento de mercado, o do streetwear. Eu acredito que hoje é o esportivo que está fazendo esse equilíbrio entre as tendências, o básico, o jeans e a moda.
E se você tivesse uma marca de jeans hoje, para quem ela seria? “Todas as mulheres que aceitassem uma boa modelagem de jeans e quisessem ter uma bundinha bem empinada. Não só pras mulheres, mas principalmente para os homens e pros garotos. Eu faria um jeans super hiper rancheiro pros garotinhos para começarem a se acostumar e criar uma nova geração de ‘jeanszeiros’ no futuro.” E completa, “o que é interessante é que as pessoas estão perdendo aquela regra de seguir fielmente a tendência ou o que o livro manda, eu já vi pessoas que tinham no seu guarda-roupa xerox de imagens de revistas penduradas no cabide com a produção similar. O que é importante é que essas gerações mais recentes e futuras serão muito mais livres para se vestir da maneira que bem entenderem, desde que tenham produtos bacanas para serem comprados. Somos um país novo, não temos requinte de monarquia como na Europa. Essas marcas europeias vêm para o Brasil, mas começam a perceber que uma bolsa Chanel está na mão da mulher não porque ela quer exibir que está com a bolsa, mas sim porque é uma bolsa bacana, isso é muito gostoso de ver, é agradável ver as pessoas praticarem, exercitarem essas combinações todas. A moda sempre foi para mim um mundo fascinante e foi extremamente gratificante participar dela com a marca. ‘Uns jeans… Uns Não’ traz muito essa sabedoria, que todos deveriam manter no sentido do arrojo, de trazer para perto os melhores para criar situações inusitadas. E tomara que continue evoluindo muito. A Zoomp fez história e todos têm história com a Zoomp”.
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