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Milena Canonero e cena de ‘Carruagens de Fogo’ // Reprodução

por Ana Elisa Meyer

Uma coisa é certa quando estamos diante de uma obra cinematográfica: o figurino não é um aspecto secundário. Seja para narrar uma história ou definir uma determinada época e, mais que tudo, para criar e traduzir a essência dos personagens. Milena Canonero compreendeu essa importância do vestuário e realiza seus trabalhos com maestria. Nascida em Turim, na Itália, em 1946, a futura figurinista formou-se na cidade de Gênova em arte, história do design e figurino. Mas sua carreira começou mesmo em Londres, para onde se mudou na metade da década de 1960. Trabalhando em pequenas peças de teatro, produções cinematográficas e publicidade, teve oportunidade de conhecer diversos diretores de cinema, entre eles Stanley Kubrick (1928-1999). O primeiro encontro da italiana com o já aclamado diretor americano aconteceu numa manhã de 1970, como contou o produtor alemão Jan Harlan, cunhado de Kubrick, durante o Festival de Berlim de 2017, ano que Milena foi homenageada com um Urso de Ouro pelo conjunto de sua obra. Cansado da dieta de hambúrgueres que o casal, Kubrick e Christiane, ofereciam em sua casa em Londres, o jornalista e crítico italiano Riccardo Aragno ligou dizendo que levaria alguém para preparar o almoço seguinte. Chegou com a jovem, bela e estilosa figurinista, que preparou uma massa acompanhada de uma salada de tomate e muçarela, descrita pelos anfitriões como uma obra de arte. A partir daquela primeira e deliciosa experiência com a cozinha italiana, Milena retornou muitas vezes para presentear os novos amigos, Kubrick e Christiane, com seus quitutes. E foi justamente durante um desses prazerosos encontros que a esposa do diretor sugeriu que ela fizesse o figurino de ‘Laranja Mecânica’ (1971). Ali nasceu uma das colaborações mais importantes do cinema do período.

Laranja Mecânica // Divulgação

Com total liberdade para criar, podendo fugir das descrições futuristas de Anthony Burgess, autor do romance homônimo que inspirou o filme, Milena recriou o memorável visual de Alex e seu bando a partir da estética skinhead das ruas de Londres no fim dos anos 1960. O resultado foi tão marcante que, até hoje, quase 50 anos depois, a caracterização dos personagens criada por Milena sintetiza e marca o espírito da época, e as pessoas continuam reproduzindo suas roupas em festas à fantasia. Em seu segundo trabalho com Kubrick, no drama Barry Lyndon (1975), a figurinista foi aconselhada pelo diretor a se preocupar com a fidelidade histórica apenas no final, depois de capturar a essência pictórica e visual dos trajes. O trabalho espetacular das recriações de época lhe rendeu seu primeiro Oscar. Cinco anos depois, trabalharam juntos novamente em ‘O Iluminado’, obra-prima do suspense contemporâneo, última parceria dos dois. Prosseguindo com sua criativa e promissora carreira, no ano seguinte, em 1981, ela foi responsável pelo figurino de ‘Carruagens de Fogo’, do diretor Hugh Hudson, que lhe trouxe o segundo Oscar. Em 2006, foi incumbida de recriar um dos guarda-roupas mais festejados do cinema: o de Maria Antonieta no filme de Sofia Coppola, no qual se inspirou nas cores dos sofistica dos docinhos franceses, os macarons Ladurée, para criar as roupas da infeliz rainha da França, cuja cabeça acabou na cesta da guilhotina. Oito anos mais tarde, levou mais uma vez a cobiçada estatueta do Oscar para casa, e um Bafta, pelo trabalho em ‘O Grande Hotel Budapeste’, de Wes Anderson, no qual, atendendo o propósito do diretor, transformou a atriz Tilda Swinton, envelhecendo-a com o uso de próteses e maquiagens, em uma mulher de cerca de 90 anos, rica, excêntrica e colecionadora de arte.

Maria Antonieta // Divulgação

Além da consagração no meio cinematográfico, Milena ganhou o reconhecimento que mais a entusiasmava, a admiração e o respeito profundo de Kubrick, considerado uma das personalidades mais exigentes e difíceis da sétima arte. Sua gratidão ao apreço do diretor é eterna. Segundo ela, foi ele quem lhe ensinou não apenas a arte de criar um figurino, mas, sobretudo, a buscar a singularidade necessária para cada uma das obras de forma a escapar do convencional e do repetitivo. Como se não bastasse, suas criações para o cinema já influenciaram consagrados estilistas como Alexander McQueen e Ralph Lauren.

AS BRASILEIRAS

Conheça algumas das figurinistas por trás de grandes produções nacionais do cinema, teatro e televisão

Chacrinha – O Musical // Divulgação

CLAUDIA KOPKE Sua trajetória teve início na década de 1980, vestindo bandas de rock. Logo começou a atuar em publicidade, televisão e cinema, criando figurinos premiados como dos filmes ‘Que Horas Ela Volta?’ e ‘Cazuza – O Tempo Não Pára’. Na TV assinou, junto com Sabrina Moreira, o visual da novela ‘A Dona do Pedaço’. Pelo trabalho no espetáculo ‘Chacrinha – O Musical’ levou o prêmio de melhor figurino no 27° Prêmio Shell de Teatro, em 2015.

O Palhaço // Divulgação

KIKA LOPES Nascida em Portugal, Kika Lopes começou como figurinista no cinema brasileiro em grande estilo com o diretor Julio Bressane no longa ‘Brás Cubas’, em 1985. Trabalhando tanto em filmes de época quanto em tramas contemporâneas, muitas obras do cinema da retomada levam sua assinatura, como ‘Amores Possíveis’, de Sandra Werneck, e ‘O Palhaço’, de Selton Mello. Também atua como cenógrafa e diretora.

A Força do Querer / Divulgação

NATÁLIA DURAN Ela fez cinema nos anos 1980 e foi para a TV Globo em 1993, onde está até hoje. Na emissora, assinou figurinos de novelas como ‘Sinhá Moça’, ‘Paraíso Tropical’ e ‘A Força do Querer’, e as minisséries aclamadas ‘O Canto da Sereia’, ‘Amores Roubados’ e ‘Todas as Mulheres do Mundo’, nas quais trabalhou em parceria com o figurinista Cao Albuquerque. Ela soma mais de 40 trabalhos realizados na emissora carioca.

Coisa Mais Linda / Divulgação

VERÔNICA JULIAN Figurinista desde a década de 1990, Verônica começou no cinema independente, fez publicidade e, em 1999, assinou seu primeiro longa-metragem, ‘Castelo Rá-Tim-Bum’. Entre seus trabalhos, destaque para as séries ‘Felizes Para Sempre’, da Globo, e ‘Coisa Mais Linda’, da Netflix; os filmes ‘Bingo, o Rei das Manhãs’; ‘Xingu’, de Cao Hamburger, e ‘Marighella’, de Wagner Moura, e o musical ‘Lazarus’, dirigido por Felipe Hirsch.

A Vida Invisível / Divulgação

MARINA FRANCO Figurinista, stylist e apresentadora de TV – do programa ‘Se Essa Roupa Fosse Minha’, do GNT –, Marina Franco ganhou recentemente o troféu Grande Otelo, do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, na categoria de melhor figurino pelo filme ‘A Vida Invisível’, do diretor Karim Aïnouz. Atuou na área de editorial de moda, retratos, publicidade, teatro, séries e cinema. É dela o figurino da série ‘Bom Dia, Verônica’, da Netflix.

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