Por Paulo Sampaio para revista Joyce Pascowitch
No Rio para passar o fim de semana, uma paulistana da alta roda aceita o convite de uma carioca colunável para almoçar. Se arruma, vestido Missoni, rasteira Chanel, bolsa Goyard, e desce para esperar a amiga na porta do hotel. Apesar do calor úmido na calçada da avenida Vieira Souto, em Ipanema, e da ameaça do Missoni colar no corpo, ela está confiante. A outra passa de carro para pegá-la, de short jeans, regata cavada e Havaianas, igualmente confiante. Segue dirigindo pela orla. Leblon, avenida Niemeyer, São Conrado, Joá. De repente, estaciona em frente a um quiosque no calçadão. A paulistana acha que a amiga vai tomar uma água de coco. A carioca inclina a cabeça para verificar por que a outra ainda está no carro. A paulistana parece estar em choque. Almoçar num quiosque? “Kkkk”, ri Elisa de Luca Fragoso Senra, a dona do quiosque. “A paulistana não compreende muito um programa que saia do padrão de serviço a que está acostumada. A informalidade não faz parte do script dela. Só é bom se tiver cristal e prata.”
Ao saber que Elisa cursou o incensado Le Cordon Bleu e foi assistente do chef francês Daniel Boulud, a paulistana come com outro apetite o cordeiro com cuscuz servido na beira da praia. Por sinal, o Maialina, como foi batizado o quiosque, ganhou post no blog 40 Forever, assinado pelas socialites cariocas Maria Pia Marcondes Ferraz, Ana Cecília de Magalhães Lins e Bebel Niemeyer. “Amo a comida deles”, diz Maria Pia, referindo-se também ao marido de Elisa, o italiano Mauro Soggiu, também cozinheiro. “A tal ponto que os tenho chamado em casa quando sirvo pequenos jantares.”
História Real
Os nomes da carioca e da paulistana foram suprimidos, mas a história é real e reacende o caloroso debate sobre as diferenças entre as poderosas do Rio e de São Paulo. J.P ouviu entendidos no assunto nas duas cidades e, com base nas conversas, montou um rol com as principais características no modus operandi de cada uma (veja na pág. seguinte). O repertório de relatos é interminável. O banqueteiro paulistano Toninho Mariutti lembra de uma ocasião em que esteve no Rio para checar as dependências de serviço num apartamento em que faria um jantar: “Quando tentei explicar ao dono da casa que não havia espaço suficiente para os garçons circularem trazendo os copos usados e levando a bebida com os limpos, ele me disse: ‘Mas você não precisa trocar os copos. Só vai enchendo de bebida’. ” Toninho ri da praticidade do carioca, sem criticar. Diz que a paisagem do Rio compensa a falta de serviço. “Se você faz um jantar em Alphaville, precisa oferecer um serviço impecável para conseguir atrair os convidados até lá.” Na hora de se arrumar, diz Toninho, “a carioca põe um pareô e um broche e está pronta”. “Aqui em São Paulo, canso de ir à festas em que, já no hall, sei quem assinou a decoração. Aí, a dona da casa aparece de Pucci e tem a cara igualzinha à da dermatologista dela.”
Caminhada sem Birkin
A paulistana e a carioca que tomaram vinho em copo de vidro no quiosque de Elisa estavam muito em dia com o corpo. A paulistana costuma malhar em uma academia de grife e, apesar de morar a um quarteirão do lugar, vai de carro blindado, com motorista e segurança. Carrega no antebraço uma bolsa Birkin, da Hermès. A carioca prefere dar uma caminhada na orla, sem ninguém para protegê-la, muito menos bolsa. “Ir à ginástica de Birkin é um absurdo. Quase uma falta de respeito com uma bolsa que tem tanta história, um objeto de luxo que foi fabricado por uma empresa familiar que existe há mais de 100 anos”, acredita a relações-públicas carioca Patrícia Brandão. “Quando vejo gente carregada de grife, no Leblon, já sei que não é da área”, diz a colunista Lu Lacerda.
A empresária Renata Moraes, de São Paulo, elogia a “leveza da mulher do Rio”, “a bossa”, mas diz com orgulho que a paulistana é mesmo “planejada”. “A gente quer que tudo saia perfeito. A louça em que vou servir o jantar precisa ser de acordo com o menu. Se estou esperando 800 pessoas, e não 100 ou 200, o valet tem de ter o dobro de manobristas; se pode chover, penso no toldo. Até o cheirinho gostoso no banheiro, a lembrancinha, tudo. Ninguém aqui vai dizer ‘sem problema’, se a flor murchar no arranjo. A gente corta os pulsos!” O florista Vic Meirelles, um dos mais requisitados de São Paulo, diz que o acabamento de uma festa em São Paulo é infinitamente superior ao de uma no Rio. A justificativa pode estar na diferença de orçamentos. “Em São Paulo, a gente começa a conversar nos R$ 30 mil. No Rio, esse é o teto.” Apesar disso, ele diz que toda vez que vai ao Rio, volta encantado. “Desde pequeno, quando pedia autógrafo para a Odile Rubirosa na piscina do Country Club (que eles chamam de Cântri), eu já achava o Rio mais chic.” Observação: a socialite francesa Odile Rodin foi mulher do playboy dominicano Porfirio Rubirosa. Ela mora há alguns anos no interior do Rio e recusa-se a falar de seu passado colunável.
GPS
Para entender melhor as diferenças entre a paulistana e a carioca, é preciso conhecer a relação delas com a cidade onde vivem. Enquanto a primeira afirma sem constrangimento que jamais esteve, nem pretende ir, por exemplo, a São Miguel Paulista, no extremo da zona leste de SP, a outra faz questão de discorrer com a maior intimidade sobre o Complexo do Alemão, na zona norte do Rio. “O carioca sempre cultivou essa proximidade entre as classes. Está no DNA dele. Os Moreira Salles, uma das famílias mais tradicionais do Rio, vivem em Santa Teresa, um bairro cheio de favelas, e não arredam o pé dali. Não abrem mão, entende?”, explica Patrícia Brandão. Pega bem, no Rio, mostrar um certo espírito agregador, ter opinião sobre questões que atingem as classes desfavorecidas. Não importa que soe populista. “Cansei de subir o morro, tenho muitos amigos nas comunidades (favelas). E me dou muito bem com os mendigozinhos que perambulam aqui na vizinhança de casa”, afirma a socialite carioca Gisella Amaral, que mora em Ipanema. Ela acredita que “o paulista rico não tem mesmo proximidade com os pobres”. Mas, reconhece, “o preconceito é o mesmo que o carioca da zona sul tem com o morador da Barra da Tijuca. Agora: o tipo de socialite daquela região não tem mesmo nada a ver comigo. Detesto”.
Ana Maria Velloso, uma das anfitriãs mais festejadas de São Paulo, diz que a violência mudou seus hábitos sociais. Ela hoje recebe muito mais para jantares em casa do que sai para comer fora. Paulista radicada no Rio, a socialite Glória Severiano Ribeiro, que conhece bem as sociedades das duas cidades, afirma que, ao contrário de sua numerosa família paulista, a dos Trussardi, ela jamais teve um carro blindado ou saiu acompanhada de seguranças. “Eu rezo”, diz a filha de Maricy Trussardi, conhecida por sua devoção à Nossa Senhora da Conceição Aparecida Mãe do Salvador. Glória a Deus.
SP
• É inteira montada com grifes internacionais (Dior, Prada, Chanel)
• Solta expressões em inglês no meio do discurso
• Não conhece a cidade onde vive. Pensa, por exemplo, que Grajaú só tem no Rio e fala da periferia com medo. Espera nunca precisar ter de “ir lá”
• Sem contar as próprias empregadas, motorista e seguranças, tem pouco contato com classes menos abonadas
• Só anda de transporte público na Europa e põe no Instagram: “O metrô em Paris é tão civilizado!”
• Vive rodeada de seguranças
• Trata os jornalistas que estão fazendo a cobertura, e se aproximam para tirar fotos, como se fossem sequestradores em potencial
• Anda sempre cercada de babás (leva a folguista quando vai passar o fim de semana no Rio)
• Malha maquiada
• Leva à praia guarda-sol, cadeira, sacola com protetores e cremes, pente, nécessaire e revistas
• Reclama do serviço sempre
• Adora quando os amigos cariocas a chamam para programas como assistir a ensaios na quadra da escola de samba. Fica encantada de não estar com medo naquele ambiente e até ensaia uns passos. Sai orgulhosa da experiência
• Se arruma para ir ao shopping – usa sempre peças novinhas em folha, que, por isso, parecem impessoais
• É apaixonada por arquitetura “neoclássica”
• Prefere os sobrenomes estrangeiros: Rudge, Baumgart, Trussardi, Scarpa, Mansur, Boghosian, Matarazzo, Goldfarb
RJ
• Ri de quem aparece montada com grifes. Sempre “experta”, não paga caro em roupas ou carros
• Fala gírias criadas pelos funkeiros nos subúrbios ou nas comunidades (favelas). Exemplo: “É ruim, hein!”, “me erra!”, “caô”, “nêgo isso, nêgo aquilo”, “partiu café!”, “demorô”; “vamo combinar, cara, a mulher tá caidaça!”
• Aumenta o tom da voz quando chega na comunidade, para mostrar que nenhum ambiente social a intimida. Vai a baladinhas da moda em Madureira do mesmo jeito que frequenta festas na Delfim Moreira
• Jamais diria que não sabe onde ficam bairros do subúrbio como, por exemplo, Bonsucesso ou Méier.
• Se não anda de ônibus, sabe o preço da passagem e sabe qual a porta de entrada, qual a de saída. Pega muito táxi
• Apesar da forte propaganda sobre a violência no Rio, sai para dar voltas na Lagoa com as crianças sem proteção de seguranças. Empurra a bicicletinha do filho pequeno, enquanto conversa com um cineasta da Conspiração ou algum outro chineludo descabelado com grandes ideias
• Faz aula de samba na academia
• Se o termômetro “desce” a 20 graus, já tira do armário aquele casaco de pele que comprou no “marché aux puces” em 1970
• Trata o primeiro escalão de atores da Globo só pelo primeiro nome: Glorinha, Nanda, Malvino, Murilo
• Anda muito de chinelo e frequentemente erra quando precisa usar sapatos fechados, especialmente os de salto
• É amiga do David Brazil
• Vive numa coberturinha charmosa na Gávea ou em um apartamento com vista espetacular para o mar ou a Pedra da Gávea. Prefere os antigos. A socialite vintage (estilo Carmen Mayrink Veiga) tem ojeriza à Barra da Tijuca; enquanto a nova (Vera Loyola) não vê graça nos mega-apartamentos da avenida Rui Barbosa
• Valoriza sobrenomes brasileiros que são nomes de bairros, ruas ou celebridades. Exemplo: Timóteo da Costa, Farme de Amoedo, Prudente de Morais, Brasileiro de Almeida