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Gigi || Créditos: Reprodução Facebook
Gigi || Créditos: Reprodução Facebook

Gigi, presa em uma operação da Polícia Federal que a classificou como a maior cafetina do Brasil, virou baronesa na costa da Noruega – e cobra para exportar a arte de brasileiros

Por Chico Felitti  para revista J.P  / Ilustrações: Bruna Bertolacini

Ainda faz sol às 22 horas no verão norueguês quando a baronesa Jiselda Salbu pega o telefone e, olhando para o mar da cidade de Davik, conversa sobre a vida que teve. “O meu passado não faz parte do meu presente. E muito menos do meu futuro”, diz a mulher, que afirma ter conquistado a paz aos 63 anos de idade.

Mas fica difícil não revisitar a história dessa brasileira radicada numa falésia nórdica. Doze anos atrás, Jiselda Aparecida de Oliveira estava sob custódia da Polícia Federal. Era 2006 e ela foi apontada como “a maior cafetina do Brasil”, em posse de uma agenda com milhares de nomes de mulheres cujo tempo negociava por milhares de reais para clientes dos EUA e da Europa. Gigi, como era chamada, e a baronesa Jiselda Salbu são a mesma pessoa.

AGÊNCIA DE MODELOS

Até os jornalões mais sérios dedicaram manchetes ao poder de sedução da história de Gigi. Tudo parecia sob medida para a mídia. Antes do advento de nomes como Lava Jato e Carne Fraca, a operação que a prendeu junto de mais sete pessoas foi batizada de maneira sugestiva: Afrodite, a deusa grega do amor. Até porque o esquema, vazavam fontes da PF, envolvia um novo método de cafetinagem. Na época, o book rosa era um livro de carne e osso. Mas Gigi foi uma das primeiras a adotar o e-mail para compartilhar fotos e informações para a clientela gringa. Foi o salto tecnológico que impressionou a Polícia Federal.

A PF afirmava que documentos e gravações ligavam Gigi, cujo escritório funcionava na rua Amaral Gurgel, no centro de São Paulo, a comparsas no Oriente Médio, em Portugal, na França e em seis Estados dos EUA. Ligavam também o império do sexo a uma lista de políticos e artistas que muito rodou, mas nunca foi divulgada.

Ela até hoje se diz vítima de uma injustiça. “Eu era dona de uma agência de modelos. Não tinha nada a ver com a vida particular dessas pessoas. Não sa¬bia o que elas faziam quando não estavam trabalhando. Quem somos nós para julgar um ser humano?”, argumenta. Só que ela mesma foi julgada: por formação de quadrilha, tráfico de mulheres, rufianismo (tirar proveito da prostituição) e intermediação do transporte de pessoa para exercer prostituição.

Seus advogados entraram com um habeas corpus para o trancamento da ação penal no Supremo Tribunal Federal. A defesa de Gigi argumentava que a acusação era infundada, por falta de provas, e por isso deveria ser desconsiderada. A ministra Cármen Lúcia foi relatora do pedido de anulação do processo. Mas não precisou dar seu veredito: Gigi foi absolvida de todos os crimes em um tribunal paulista antes da manifestação do STF.

ilustrações Bruna Bertolacini

A PRESA SOLTA

Jiselda, uma mulher jovial de músculos definidos nos braços e cabelos tingidos de castanho, afirma que nunca conseguiu retomar uma vida normal no Brasil. “Sou uma vítima. É muito desagradável”, afirma. “O que mais me incomoda é o que ficou do meu passado na Wikipédia e no Google. Falam que fui condenada a 30 anos de cadeia, que estou presa. Fiquei detida para averiguações, mas não tinham provas. Fui absolvida.” A página de Gigi na Wikipédia de fato não dá conta da vida que ela leva atualmente. O documento afirma que “hoje ela está na Penitenciária Feminina de São Paulo, no distrito de Santana”. Se as incorreções do texto tivessem acontecido na Europa, ela garante, teria movido uma ação contra cada caluniador. “E teria vencido todas. Uma hora o Wikipédia vai ter o que merece. Mas o mundo gira.” Gigi diz isso com a certeza de quem propaga ter dormido no chão da Praça da República quando chegou a São Paulo, vinda de Tatuí, no interior, aos 20 e poucos anos. “Sou aquela pessoa que se adapta a qualquer coisa: da sarjeta ao estrelato.”

Em 2006, ela abandonou o Brasil. Mas o motivo era o oposto da decepção. Foi amor. “Não mudei de país para mudar minha vida, ou começar um novo trabalho.” Saiu de São Paulo para viver com o homem que chama de “minha alma gêmea”. Em abril de 2012, se casou em Bergem, no principado de Luxemburgo, com o septuagenário Hans Arnt Salbu. O cônjuge, ela explica, faz parte de uma família da nobreza, mas não foi dele que ela adquiriu o título de nobreza. “Eu já vim baronesa do Brasil, porque sou uma artista monarquista imperial”, diz, orgulhosa de ter pintado 50 telas a óleo com cenas imperiais brasileiras e ter viajado com elas em uma exposição que passou por 37 cidades e 12 estados.

A abundância de retratos também está nas 56 fotos do casamento que compartilhou na internet. Jiselda, aliás, é ativíssima nas redes sociais: chega a postar seis vezes no Facebook em um dia. As postagens vão de poemas como “A arte existe porque a vida não basta (Ferreira Gullar)”, a lições de autoajuda em forma de poema: “Quando pensamos em desistir, atraímos más energias para o nosso coração, portanto, quando se sentir desmotivado, olhe ao redor: as pessoas que você ama estão ao seu lado?”.

ARTE EXPORTAÇÃO

Foi na internet que nasceu o novo projeto da ex-dona de agência de modelos. Jiselda hoje comanda a Artcom Expo International. A associação se define como: “Uma entidade de arte, cultura e literatura, sem fins lucrativos, que exerce forte influência no panorama artístico nacional e internacional”.

Em julho, vai promover um salão de arte brasileira na Suíça (cobra 400 euros por participante). Em outubro, pretende expor o que chama de “nata da arte” no Carrossel do Louvre (600 euros para participar). A mostra de Viena, que ocorre em junho, só custa 200 euros. “Fiz uma promoção. A crise está uma loucura! É o melhor preço que você vai encontrar!”, ela promete. O nome de Jiselda aparece com frequência na agenda cultural do site oficial da Embaixada do Brasil em Oslo.

Jiselda define seu trabalho como algo entre curadora e marchande. “Eu não engano ninguém. Deixo claro que não ganho comissão de venda e não garanto venda.” Ficou três meses no Brasil no fim de 2017, arregimentando artistas para seus eventos. “Eu sempre fui artista”, afirma ela, que se atribui 23 anos de carreira. “Sou muito respeitada no mundo da arte porque sou honesta, sou íntegra”, continua. Convidada a listar os artistas que mais se orgulha de representar, ela responde: “Vê no meu site, tem o nome de todos eles”. De fato as redes sociais ostentam dezenas de nomes de artis¬tas que passaram pelos salões da baronesa. Exemplos: Sayonara Brasil e Josafá Art.

“Nunca ouvi falar de nenhum desses eventos. Nem dessas pessoas. A comunidade artística não faz ideia de quem seja essa curadora. Não associe meu nome com essa pessoa, por favor”, diz, por e-mail, o maior crítico de arte do Brasil, que não quer se envolver na pendenga.

ilustrações Bruna Bertolacini

AQUI NÃO TEM PROSTITUIÇÃO

A artista, que sempre se considerou festeira, adaptou-se muitíssimo bem à pacata vida nórdica. A Noruega é um país ruim para os vícios, ela defende. “Cigarro aqui é caríssimo, bebida aqui é caríssima. Não existe prostituição nem drogados” diz. “É melhor viver fora e dar a volta no mundo do que viver no Brasil pagando mais do que nos países nórdicos.” A baronesa parece já pensar como europeia depois de 12 anos no exterior. Se refere a brasileiros como “vocês”. “O salário mínimo aqui é de R$ 8 mil. Vocês ganham muito menos do que isso, é um absurdo. Aqui é diferenciado.” Ela gosta muito do termo diferenciado. Saiu do Brasil porque aqui “não conseguia ter uma vida diferenciada”. Teve a oportunidade de conhecer quase todos os países da Europa, que define como “países diferenciados”.

Faz dois anos que, “com muito sacrifício”, comprou uma casa, que transformou em um hostel artístico com as próprias mãos. “Pintei parede, construí, fiz jardinagem.” Quando artistas chegam na sua hospedagem, ficam assustadas que não há empregadas. “Eu faço tudo!”

A baronesa Jiselda evoca uma das canções mais famosas de Édith Piaf quando diz que não se arrepende de nada do que aconteceu na sua vida. “Tudo o que ocorreu foi a melhor coisa que poderia ter acontecido. Todo mundo fala que eu sou uma fênix. Renasço das cinzas e incomodo muita gente. Nada hoje pode afetar minha pessoa”, diz, sob o sol da quase meia-noite. Sua volta por cima inspira muita gente. Ou pelo menos é o que acredita: “Eu sirvo de exemplo para milhões de pessoas que se espelham em mim”, finaliza a baronesa, que um dia foi acusada de ser a rainha da prostituição.

 

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