O que leva empresários e executivos bem-sucedidos a enveredar por caminhos ilícitos? Para Eugene Soltes, da Harvard Business School, tem menos a ver com cobiça e falta de caráter do que se pensa. A distância física e psicológica das vítimas faz essas pessoas perderem a noção do estrago que podem causar
Por Paulo Vieira para a revista Poder de fevereiro
Não faltariam personagens no Brasil. E tampouco nos Estados Unidos, país onde está grande parte dos empresários e executivos citados no livro Why They Do It: Inside the Mind of the White-Collar Criminal (PublicAffairs, não lançado por aqui), que tenta explicar por que profissionais extremamente bem-sucedidos enveredam pelo caminho do crime corporativo. Seu autor, Eugene Soltes, professor da Harvard Business School, fez longo inventário sobre o surgimento desse crime e entrevistou gente que botou para quebrar, como Bernard Madoff, condenado a 150 anos de prisão por ter montado um esquema de pirâmide que levou seus investidores a um prejuízo de pelo menos US$ 18 bilhões. Mesmo na cadeia, Madoff não sossegou: monopolizou a compra do chocolate instantâneo para vender o produto com ágio para os colegas e, segundo se noticiou, recentemente levou um tapa de outro detento por mexer na posição da TV sem autorização dos “parças”.
Se até o fim dos anos 1960 despachar empresários e altos executivos para a cadeia era algo francamente desconfortável, no começo do século 21, em um período de apenas cinco anos, 200 CEOs, 50 CFOs e 120 vice-presidentes foram condenados por crime do colarinho branco nos Estados Unidos. Ainda assim, a corrupção cresceu nas corporações. Para Soltes, empresários e executivos fazem isso menos por cobiça ou por serem essencialmente maus, mas por não verem dano associado às suas ações e por estarem física e psicologicamente distantes de suas vítimas.
Nesta entrevista exclusiva a PODER, Soltes fala sobre o crescimento do crime corporativo no mundo, diz ser “encorajador” ver sinais de que países como o Brasil vêm tentando cada vez mais lidar com o problema, acha que os sistemas de compliance podem falhar na proteção dos funcionários e ainda tenta responder a uma pergunta que não quer calar: a Odebrecht vai sobreviver?
PODER: Em seu livro, o senhor mostra de que forma executivos trilharam caminhos em direção ao crime do colarinho branco. Há uma coleção grande de exemplos. Mas uma questão ficou, e ela é justamente o leitmotiv da obra: por que fizeram isso? Se tivesse de escolher uma única razão, qual seria?
EUGENE SOLTES: Executivos não veem o dano associado às suas ações ao tomar decisões passíveis de serem criminalizadas. No crime do colarinho branco, as vítimas estão distantes física e psicologicamente. Como resultado, não há o mesmo sentimento que se tem quando se inflige o mal às vítimas dos crimes comuns.
PODER: Ocorre no Brasil uma enorme investigação relacionada a crimes perpetrados por políticos e seus financiadores em companhias privadas ou estatais. O controlador da Odebrecht, maior empreiteira do país, por exemplo, está na cadeia e mais de 70 executivos assinaram acordos de delação premiada. Comparadas às empresas que o senhor estudou, acha possível que a Odebrecht mantenha sua força depois da investigação?
ES: Há companhias que conseguiram se recuperar. Computer Associates e Tyco, por exemplo, tiveram seus executivos condenados e encarcerados e seguiram fortes. Nas que conseguem sobreviver, a atividade-fim é sólida, e a fraude ou não faz parte do negócio (desfalques financeiros, por exemplo) ou não é aplicadacom o intuito de sustentar a empresa (como na pirâmide montada por Bernard Madoff). O desafio que a Odebrecht e outras empresas nessa situação enfrentam é que sua capacidade de manter contratos e de atrair novos negócios pode se reduzir por conta da corrupção interna. Companhias sólidas podem cair se clientes considerarem preocupante fazer negócio com elas. Nos Estados Unidos, organizações muito maiores que a Odebrecht estão indo à bancarrota por conta de alegações de fraude e de corrupção.
PODER: Se Bernard Madoff pudesse liderar uma companhia novamente, ele montaria outra pirâmide? Pessoas que incorrem em crimes do colarinho branco aprendem com seus erros ou esse comportamento é compulsivo?
ES: Não creio que Madoff tenha premeditado a criação de um esquema de pirâmide. Seu caso é trágico porque, como outros executivos com quem tive contato (para escrever o livro), ele é genial. Seu brokerage business (negócio que assessora na compra e na venda de ações) é responsável por inovações importantes em diversos mercados financeiros. Ao mesmo tempo, criou um sistema fraudulento. Quando a pressão era grande, em vez de parar, ele cavou mais fundo. Em outra vida e em outro mundo, talvez pudesse ser lembrado como um grande líder do sistema financeiro.
PODER: Dois casos de executivos condenados e presos citados em seu livro, Rajat Gupta, da consultoria McKinsey, e Scott London, da KPMG, levam a crer que não é dinheiro nem mesmo vantagens pessoais que conduzem ao crime corporativo. O que seria, poder? Amizade?
ES: As razões são diversas e incluem amizade e
lealdade. Mas esses dois executivos bem-sucedidos não premeditaram ações criminosas. Há um caminho escorregadio que leva de um ponto a outro. Quando eles perceberam o que haviam feito já estavam envolvidos em ações de enorme repercussão.
PODER: Como as companhias podem desenvolver antídotos para os crimes do colarinho branco?
ES: A eliminação total desses crimes nas corporações é inviável. Os custos altíssimos talvez criassem mais dano. Mas não se deve aceitar o nível atual de infrações. Um dos principais desafios está no fortalecimento da cultura corporativa. É comum firmas criarem sistemas de compliance que são mais focados em regras do que em proteger seus funcionários. Vejo muitas pessoas inteligentes e bem intencionadas engajando-se em atividades criminosas não por terem se tornado más, mas por sucumbir às circunstâncias, aos estímulos e às pressões que as cercam.
PODER: Depois que o senhor terminou de escrever seu livro algo mudou no mundo do crime corporativo?
ES: Acredito que houve um incremento da preocupação com essa questão no mundo. Historicamente, Estados Unidos e Reino Unido sempre estiveram na linha de frente do combate à corrupção corporativa. Agora vemos outros países lidando com esses problemas, e o Brasil é o mais proeminente deles. Acho isso muito encorajador.