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Por Paulo Sampaio para revista PODER de setembro

Blá-blá-blá. Blá-blá. Blá-blá-blá. Blá-blá. Ao fazer uma apresentação importante no trabalho, executivos da escola americana clássica tendem a reproduzir um número ritmado de sílabas. Mesmo que a audiência tenha vontade de dormir, todos aplaudem o profissional pelo incrível talento de conseguir ser fiel ao mesmo script, sempre.  E então, você aparece na empresa, um sujeito de inteligência incomum, dotado de reconhecida capacidade para desenvolver sua função, mas que padece toda vez que precisa seguir um padrão de oratória.  Sudorese, taquicardia e boca seca são apenas alguns dos sintomas verificados quando chega a hora de falar em público. Só de ouvir a expressão power point, o estômago se retorce em uma cambalhota. Será que não dá para quebrar o parâmetro e fazer do seu jeito?

Sim, garante a atriz Nany di Lima, professora do curso de teatro para executivos da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), em São Paulo: “Tudo é uma questão de achar a própria forma de se comunicar e de encontrar nela uma situação de conforto”, explica. A convite da diretora de programação do Teatro Faap, Claudia Hamra, PODER acompanhou incógnita, em julho, uma aula no curso. Logo na abertura, a professora pede com um tom de voz suave, distribuindo o olhar atentamente pelos 20 alunos, que todos se dediquem àquele momento. Reunidos em uma sala retangular, de cerca de 80 metros quadrados, o grupo vivencia a experiência com uma espécie de curiosidade infantil. O primeiro exercício parece estimulante: dispostos em círculo, os participantes terão de repetir os nomes dos colegas que estão antes deles, a partir do primeiro à direita de Nany, de tal forma que o vigésimo precisará se lembrar de todos. “Não é para decorar um por um e se livrar da tarefa às pressas. Tem de pensar enquanto fala, e associar o nome à pessoa”, diz a professora. Para mostrar o que ela não quer, a atriz imita com um timing cômico os sons dos nomes ditos apressadamente. Todos riem e maneiram na velocidade. O repórter duvidou de sua própria capacidade de memorização. Era o 15º da roda. Tinha de dizer pausadamente: “Leda, David, Christian, Lúcia, Ana, Alfredo, Lígia, Sílvia, Eduardo, Malu, Fábio, Álvaro, Helena, Otávio, Paulo”. O que vinha depois, Maurício, precisaria repetir todos esses nomes, mais o do jornalista.

IMPROVISAÇÃO E PRESENÇA

O curso foi criado em 2008, quando o departamento de teatro da Faap percebeu uma demanda crescente de empresários em busca de algo que os ajudasse informalmente na comunicação corporativa. Em oito aulas de três horas cada uma, Nany aborda aspectos como autoconhecimento, improvisação, presença e expressividade. No dia da visita da revista, as atividades desafiam a capacidade de concentração e foco dos participantes. Ainda em círculo, eles devem agora eleger alguém para apontar com um gesto de mãos que consiste em espalmar uma na outra e mirar na direção do escolhido. Quem recebeu o “disparo” faz o mesmo na direção de outra pessoa. Tem gente que, de tão nervosa, não consegue focar em nenhum colega e acaba atirando no meio de dois. Risos. Em uma tarefa especialmente instigante, os alunos separados em duplas entrevistam seu par e, depois, sobem ao palco para representar o outro: “Meu nome é Álvaro”, diz uma moça chamada Ana, enquanto se esforça para não olhar para o chão. A maioria foca em Nany, com expressão de quem pede aprovação. “Não é para ficar olhando só para mim”, ela “corrige”. Os que aguardam para subir ao palco procuram se municiar de informações sobre sua dupla para não pagar mico.

Mel Fernandes, diretora-geral do hotel Unique, um dos mais sofisticados de São Paulo e uma das 1.200 pessoas que já fizeram o curso da Faap, fala maravilhas da experiência. Para ela, foi além das expectativas. “Não só descontraiu, como mexeu com o emocional. Uma coisa é dar uma palestra com roupa de trabalho, tailleur; outra é tirar a armadura em um curso de teatro”, compara.  Mas, atenção. Apesar dessas vasculhadas no inconsciente, Nany explica que o curso não tem nada a ver com psicodrama.  “A gente aqui não busca psicanalisar o aluno, mas fazê-lo desenvolver ferramentas da formação de um ator que possam estimular as habilidades dele.” A professora explica que o perfil do interessado em fazer o curso varia. Vai desde o que não consegue relaxar em público até o que sofre de “expressividade excessiva” e também precisa “ficar tranquilo em seu papel”.  É como se houvesse uma “timidez silenciosa” e uma “verborrágica”. Na primeira, as palavras não saem. “Tem gente tão fechada que só vem na primeira aula”, conta Claudia. Na timidez verborrágica, o discurso sai aos borbotões, antes que o palestrante possa controlar seu fluxo – ou avaliar os danos que o “show” pode ocasionar em termos de receptividade. Com o curso, o publicitário Cláudio Gouvêa descobriu a utilidade de qualidades pessoais na construção do discurso profissional. “Quando você está em um fórum e fala para muita gente, precisa ser persuasivo na exposição das ideias porque, no fim das contas, tem de vender.” Uma das lições principais que o curso deu a ele foi que, na hora H, o palestrante precisa “se apoderar de sua própria figura, assumir o controle do gesto, da respiração, da fala”. “Acendeu a luz, é com você. Não adianta querer fazer rapidinho, para acabar logo.” Ao fim do curso, Gouvêa ouviu da professora que ele poderia avançar um pouco mais no teatro propriamente dito. Ele foi. Chegou a se apresentar em uma peça, mas a atribulada agenda do executivo acabou tirando o ator de cena.

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