“Entro já com uma expectativa muito positiva, primeiro pela matéria-prima, um poema extraordinário do João Cabral de Melo Neto, depois pelas pessoas envolvidas”, comentava Pedro Bial na noite dessa quinta-feira na porta do Theatro Municipal do Rio, prestes a assistir à estreia de “Cão sem Plumas”, novo espetáculo de Deborah Colker.
Fernanda Montenegro: “Me desculpem os paulistas”
Fernanda Montenegro também estava ansiosa. “Ela é uma criadora especial, essa coisa carioca – me desculpem os paulistas. É extraordinária, inquieta, um talento imenso, junto com o do Claudio Assis, que dirigiu as imagens desse espetáculo, com quem eu fiz um filme agora em Recife”.
Marieta Severo: “Se arriscando em outros caminhos e vencendo”
Ao final, Marieta Severo rasgava elogios. “Adorei! É um amadurecimento, um belo trabalho dela em cima desse poema, uma tradução da aridez, da secura, da poesia, com uma riqueza de coreografia, de movimentos. Bailarinos sensacionais com a técnica muito apurada… Fiquei bastante emocionada. É um outro momento da Deborah, uma nova linguagem. Isso que é mais bonito: ela se arriscando em outros caminhos e vencendo. Fazendo uma proposta complicada e complexa e vencendo completamente”.
Dira Paes: “Como se eu também fizesse parte daquele mangue”
Dira Paes também saiu em êxtase. “Foi surpreendente a sincronia da imagem do vídeo com os movimentos dos bailarinos… Era uma simbiose tão perfeita, mas não no sentido apenas da sincronia, mas da materialização da imagem. Isso me tocava muito, a cada ponto de convergência. Eu tive impressões muito fortes ali, como se eu também fizesse parte daquele mangue. As imagens de um bailarino em cima do outro… Essas construções em grupo são muito incríveis, um trabalho que veio de uma poesia, e a poesia está no presente”.
“Só a arte mantem essa dignidade”
A atriz lembrou da situação do Theatro Municipal, com músicos, bailarinos e todo o staff sem receber, sofrendo com a crise financeira que se instalou no Rio. “Pensei nisso enquanto assistia… Isso que o público quer, é por isso que o público está aqui hoje. Esse teatro merece esse espetáculo e esse espetáculo merece esse teatro. A gente até esquece, durante as cenas, de tudo que esse espaço está vivendo, de tanta grandiosidade que tem a arte, que nos faz transcender os problemas. Isso aqui tem que ser a nossa joia, um patrimônio de todos. É muito triste não poder olhar para esse prédio e pensar que está sendo respeitado como deveria. Só a arte mantem essa dignidade”.
Deborah Colker: “Viver pra transformar”
Com a palavra, Deborah: “É maravilhoso e trágico estrear aqui no Municipal do Rio, que vive um momento como é esse espetáculo, tragédia e riqueza simultaneamente. É isso: a gente tem que trabalhar, tem que continuar fazendo”. Sobre a mudança de linguagem no novo trabalho… “Para ‘Cão sem Plumas’, tive que descobrir um novo corpo, uma nova movimentação para poder traduzir, falar essas palavras, construir esses versos e estar nesse lugar, que é o Capibaribe, mas são todos os rios do mundo. É o ribeirinho, mas são todos os ribeirinhos do mundo. Atual e universal. A aridez existe desde 1950 e está cada vez pior. O que tenho pra dizer é que a gente tem que trabalhar pra mudar as coisas, e muito, trabalhar pra transformar, viver pra transformar, prestar atenção, parar com esse descaso com o que é importante na vida: as pessoas, a natureza”.
Pedro Bial: “João Cabral se mantem vivo e afiado, com sua poesia seca e direta”
Bial contou que tinha uma motivação extra para estar ali. “Vou fazer uma edição do meu programa [‘Conversa com Bial’, na Globo] sobre o João Cabral, com a participação do Gerson Camarotti, a partir dessa montagem da Deborah, então já andei estudando e vendo algumas coisas antes da estreia: as imagens que ela fez com o Claudio, alguns movimentos. João Cabral se mantem vivo e afiado, com sua poesia seca e direta e talvez por isso ela não envelheça. Infelizmente muito da paisagem objetiva que ele narrou pouco mudou então é sempre oportuno remontar e essa ideia de espetáculo de dança sobre essa obra é ousado por si só. Basta lembrar que quando Chico Buarque musicou ‘Morte e Vida Severina’ o João achou péssima a ideia… ‘Música no meu poema?’ Ele era um cara da palavra escrita, e hoje a gente está vendo essa palavra escrita virar movimento, gente, corpo, dança, balé”. (por Michelle Licory)
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