À frente do Ministério Público Federal, Rodrigo Janot levou políticos de alta estirpe aos tribunais e deu gás para que a Lava Jato chegasse ao Planalto. Difícil é saber o que será do país até a hora que seu mandato terminar, em 2017
Por Paulo Vieira para a revista PODER de abril
ATUALIZAÇÃO: Com a votação do impeachment na Câmara e possivelmente no Senado dominando o noticiário em abril, as decisões de Rodrigo Janot à frente do MPF perderam seu caráter de espetáculo. Com isso, o procurador-geral só voltou à ribalta esta semana. Na quinta, 28, ele protocolou ação junto ao STF pedindo que as delações premiadas se façam, necessariamente, com a intermediação do ministério público, proibindo ação exclusiva da Polícia Federal. A solicitação, como era de se esperar, desagradou os delegados da PF. A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), em nota, lamentou a iniciativa, que chamou de “retrocesso”. Quando e se a bola baixar no Senado, que agora é o norte magnético dos jornalistas políticos do país, talvez os entendimentos contraditórios de Janot em relação ao destino do ex-presidente Lula voltem a dominar o noticiário. Num primeiro momento, Janot não viu problemas que Lula assumisse a Casa Civil, mas, ao mesmo tempo, negou-lhe foro privilegiado no STF, como cabe a qualquer ministro. Dias depois, mudou o entendimento e pediu ao STF a anulação da posse de Lula no Esplanada.
Em um vídeo institucional no site do Ministério Público Federal (MPF), um rapper, abusando do infinitivo, explica o que faz esse organismo tão citado no noticiário nacional. “Órgão independente / que defende os direitos da nação / Sua meta é fiscalizar (…) com o objetivo de nos defender da corrupção / que hoje anda a mil / Cabe a nós pelo patrimônio público zelar / Passar o certo adiante / e o errado denunciar.” Pode-se dizer, parafraseando Caetano Veloso, que se os procuradores públicos do Brasil forem em política o que são em estética, estamos feitos. Felizmente, não é pela estética que se move a instituição. Já a política, essa também não deveria ser uma grande motivação. Não deveria.
O procurador-geral da República, comandante do MPF, indicado pelo presidente da República após chancelar (ou não) o candidato mais votado de uma lista tríplice apresentada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), é uma figura cujas decisões, por mais técnicas que sejam, acabam por ter viés político. Geraldo Brindeiro, procurador-geral na época da presidência de Fernando Henrique Cardoso, é lembrado pelo apelido jocoso de engavetador-geral por não ter levado a cabo investigações que poderiam comprometer o governo FHC – para ficar numa, o caso da compra de votos na emenda da reeleição; já Roberto Gurgel, que deixou o cargo em 2013, legou à posteridade as peças acusatórias do mensalão, a Ação Penal 470, que calaram fundo no governo Lula e levaram à condenação, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de figuras estrelares do PT como o ex-ministro José Dirceu. A sustentação oral de Gurgel no plenário do STF teve direito a versos de “Vai Passar”, canção de Chico Buarque que fala da “pátria distraída subtraída em tenebrosas transações” – uma finesse musical inesperada a julgar pelo “Rap do MPF”.
A bola está hoje com o mineiro Rodrigo Janot, 59 anos, 32 deles como promotor público que, em seu segundo e último mandato à frente do MPF, lidera as investigações da Operação Lava Jato – há ainda equipes de policiais federais e auditores da Receita, categorias que não são subordinadas a Janot. A Lava Jato vem emparedando membros do Executivo, do Legislativo, funcionários da Petrobras e empresários suspeitos de se beneficiar com a corrupção. Tido como uma liderança na categoria, Janot foi reconduzido à cadeira em setembro passado com o voto de quatro entre cinco associados da ANPR. E mesmo com muitos congressistas no seu radar investigatório, foi aprovado para seu segundo mandato após a sabatina de praxe no Senado.
A Lava Jato tem sido um dos principais vetores do xadrez político nacional por arrastar políticos para o ostracismo – quando não para a cadeia. Curiosamente, Janot estava longe do Brasil em 16 de março, um dos dias mais explosivos de 2016, senão o mais, quando o ex-presidente Lula, implicado na Lava Jato por supostamente ter recebido favores de empreiteiras, aceitou tomar posse como ministro da Casa Civil de Dilma. Lula, na visão governista, ajudaria a reagrupar a base parlamentar fiel à presidente, numa tentativa desesperada e, como se viu depois, inútil, de vencer a batalha do impeachment na Câmara; para a oposição, a manobra visava tirar Lula da alça de mira do juiz federal de Curitiba Sérgio Moro, que poderia pedir a prisão da maior estrela do PT. Migrando para o ministério, ele passava a contar com foro privilegiado e, assim, teria seu caso apreciado pelo STF.
Os fatos que se seguiram foram dignos de tornar o seriado “House of Cards”, incensado por revelar os bastidores nada edificantes do poder nos Estados Unidos, em dramaturgia de baixo quilate. Naquela tarde, Moro liberou para a imprensa uma conversa telefônica entre Lula e Dilma, em que a presidente avisava que lhe enviaria – pelo portador “Bessias” – um documento, o Termo de Posse, caso Lula não pudesse ir rapidamente a Brasília. Para a oposição, era a assunção de que Lula buscava o foro privilegiado. Diversos outros áudios foram divulgados – em um deles Lula diz que o Supremo “está totalmente acovardado”. De Paris, onde participava de encontro da comissão transnacional anticorrupção da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Janot se manifestou: “Estamos em uma República. Ninguém tem privilégios ou tratamento diferenciado, nem a presidente”. Semanas depois, com Lula ainda impedido de assumir sua cadeira, Janot informou que viu “desvio de finalidade” na tentativa da presidente de apressar a posse. E, depois de mudar de posição, formou posição junto ao STF pedindo que o tribunal anulasse a nomeação de Lula.
GALO VINGADOR
Nas sugestões de busca do Google já apareceram associações como “Rodrigo Janot atleticano” e “Rodrigo Janot petista”. Ser torcedor do Galo, até mesmo um “Galo Vingador”, como uma facção mais apaixonada gosta de chamar o Clube Atlético Mineiro, não tem nada de polêmico – e Janot já chegou a usar uma xícara com o escudo alvinegro; mas chamá-lo de petista é algo que fica sob judice. “Uns dizem que Janot é petista, outros falam que ele é contra o PT. Vejo isso como um elogio. Em um país dividido, conseguir manter a imparcialidade é importante”, disse a PODER o criminalista Eduardo Muylaert, que já foi secretário de Segurança paulista. Para o deputado federal Afonso Florence, líder do PT na Câmara, a atuação do procurador-geral é “positiva”, e seu “trabalho sério e competente justificou sua recondução ao cargo”. Mas Florence faz ressalvas. Segundo ele, “é incompreensível que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) não tenha sido investigado, mesmo com quatro delações feitas no âmbito da Lava Jato e outras provas de seu envolvimento com um esquema criminoso na estatal (elétrica) Furnas, conforme documentos encaminhados à procuradoria pelo deputado estadual Rogério Correia (PT-MG)”. Florence também acha que faltou “pulso firme” ante “excessos dos procuradores em determinados momentos da Lava Jato”, o que teria permitido “uma série de irregularidades”.
Noves fora Aécio, a hipótese de que Janot tem um coração de cinco pontas ficou ainda menos crível desde o episódio da divulgação das falas grampeadas de Lula. É que em uma das conversas, com o ex-deputado federal e advogado Sigmaringa Seixas, o ex-presidente reclama da falta de “gratidão” de Janot, ele que fora reconduzido a seu segundo mandato de procurador-geral por Dilma. Janot foi rápido ao retrucar, de Paris, que “cargo público não é presente” e só devia gratidão “a sua família”.
Janot poderia também ter invocado sua liderança entre os cerca de 12 mil promotores públicos do Brasil. Sua votação, em 2015, foi histórica. “Ele deve deixar um legado consistente em seus quatro anos à frente do MPR”, diz José Robalinho Cavalcanti, presidente da ANPR. Para Cavalcanti, a implantação de uma reforma administrativa será uma das principais heranças da gestão Janot. “Mesmo com múltiplas responsabilidades, o procurador-geral não tinha estrutura de gabinete. Após sua implantação, foi possível dar um salto de qualidade. Isso se reflete, por exemplo, no aprofundamento do combate à corrupção” , afirma Cavalcanti.
Após a divulgação dos grampos de Lula, advogados e juristas se apressaram a dizer que o “Estado de Direito” havia sido afrontado pelas decisões da turma de Curitiba – e do MPF. O juíz Marcelo Semer, em nome da Associação Juízes para a Democracia (AJD), afirmou, em ato na Faculdade de Direito da USP, em São Paulo, que “há um estado policial que está desalojando o estado democrático de Direito no país”. A PODER, o presidente da AJD, o juiz André Augusto Bezerra, disse que é “preocupante a propagação das escutas telefônicas e outros métodos usados na Lava Jato, pois isso pode criar jusrisprudência e tornar-se prática corrente mais à frente”. Embora avalie positivamente a gestão Janot no MPF, Bezerra disse que “é impossível punir todos os crimes que são cometidos”. “O direito penal é necessariamente seletivo. Veja a cor da pele de quem está nas cadeias”, completou.
Em seu retorno da França, Janot achou por bem controlar seu rebanho. O cenário era meio Gaiola das Loucas: não bastassem as implicações das escutas telefônicas de Lula, uma entrevista do novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, homem também egresso do Ministério Público, jogou mais lenha na fogueira e desagradou policiais federais. Numa exortação em que citou Nelson Mandela e Winston Churchill, Janot pediu que os procuradores “evitassem o personalismo e o messianismo”. Disse: “Devemos dar combate incessante à corrupção, seja onde for e doa a quem doer, mas há de se preservar sempre as instituições. A Lava Jato certamente não salvará o Brasil. Até porque, se tivéssemos essa pretensão, já teríamos falhado antes mesmo de começar”.
AÉCIO E OS PENSADORES
O deputado Afonso Florence não está sozinho em sua crítica às escolhas de Janot em relação a Aécio Neves e seu suposto esquema de corrupção ligado a Furnas. Recentemente, a revista Época fez o caldo engrossar ao publicar detalhes de uma conta secreta que o senador mineiro manteria em Lichtenstein, que seria também abastecida com dinheiro subtraído da pátria distraída. Perguntado ainda em seu giro europeu se não iria investigar o senador para garantir o “equilíbrio” na ação do MPF, Janot disse que “não tem balanço”. E não se furtou a dar uma resposta protocolar: “Se houver indício de algum crime, quem quer que seja vai ter de ser investigado”.
Em dezembro, Janot foi citado pela revista americana Foreign Policy como um dos “100 pensadores globais” de 2015. A seu lado, gente de porte do papa Francisco, do presidente russo Vladimir Putin e da chanceler alemã Angela Merkel. Do Brasil, além do procurador-geral, só o neurocientista Miguel Nicolelis mereceu menção. Janot foi saudado por “mostrar os esqueletos dos armários brasileiros” e por “ir atrás, destemidamente, do círculo íntimo presidencial nos escândalos de corrupção da Petrobras”. A publicação mencionou a chamada “lista de Janot”, quando o procurador-geral pediu ao STF a abertura de inquéritos contra dezenas de parlamentares implicados na Lava Jato, entre eles o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o presidente do Senado, Renan Calheiros, e o senador e desafeto Fernando Collor de Mello (veja boxe) .
Embora o Brasil – e a imprensa brasileira – respirem Lava Jato e os movimentos pela sobrevivência ou queda do governo Dilma, o MPF também tem outras agendas. Em entrevista ao jornalista Fernando Rodrigues no começo de seu mandato – Janot não quis falar com a PODER –, destacou que há no Brasil “excesso de formalismo e uma mentalidade muito litigiosa”. Também mostrou preocupação em melhorar o sistema prisional, considerado por ele “vexatório e vergonhoso”. A estratégia passa pela adoção de penas alternativas e a liberação de vagas nos presídios a partir de melhorias no regime semiaberto. Por fim, atacou a quantidade de pessoas com direito a foro privilegiado no país. Para ele, a prerrogativa deveria ser apenas do presidente, do vice, de senadores e de ministros do STF. Ministros de governo, deputados e prefeitos só teriam processos analisados pelo Supremo após o rito normal pelas primeiras instâncias. Menos gente com foro privilegiado talvez ajudasse a inibir movimentos pouco retos de nossos políticos. Uma ideia de raras contraindicações. Quando muito, ficaríamos privados de conhecer um personagem secundário como o Bessias – corruptela anasalada de Messias – do “House of Cards Brazil”.
A luz do sol é o melhor desinfetante, costumam lembrar certos comentadores políticos, ecoando a famosa frase do juiz da Suprema Corte norte-americana Louis Brandeis (1856-1941). Resta saber quantas janelas ainda faltam ser abertas no extravagante prédio espelhado do MPF em Brasília.
BOX: BOMBAS SOBRE O MPF
Os procuradores da república, especialmente os que atuam na força-tarefa da Operação Lava Jato, têm sido elogiados pela cruzada anticorrupção levadas a cabo pela categoria nos últimos anos. Houve críticas, como as que recaíram sobre a profusão de escutas do ex-presidente Lula, mas elas atingiram principalmente o juiz Sérgio Moro, que autorizou a divulgação das conversas. Se dependesse, contudo, de funcionários da Odebrecht, o MPF ficaria muito mal na fita. Um documento apócrifo de “análise de cenário” apreendido no escritório carioca da empreiteira, durante a 23ª fase da Operação Lava Jato, acusa procuradores do órgão de proteger políticos. “Querem julgar rapidamente os empresários como os responsáveis pelas mazelas da corrupção do país, tornando-se heróis da pátria, julgando somente uma parte do problema, como se essa fosse a causa principal”, sustentou o documento.
Críticas sobre a conduta do MPF não são uma novidade e pode-se dizer que elas começam antes mesmo que o chefe, o procurador-geral, tome posse. Quando seu nome ainda era apreciado pelos membros da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, em 2015, Rodrigo Janot foi duramente inquirido pelo senador e ex-presidente Fernando Collor de Mello (já então denunciado pelo MPF em um dos processos da Lava Jato por corrupção e lavagem de dinheiro). Entre outras acusações, Collor disse que Janot advogou quando já estava nos quadros do Ministério Público, atividade vedada aos procuradores, e que deu abrigo a um irmão (já falecido) procurado pela Interpol. Mais grave, chamou Janot de “catedrático” em vazamentos de informações sigilosas. Na hora em que Janot respondeu que não tinha “atuação midiática”, Collor riu.
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