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Secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, Patricia Ellen da Silva se destaca no staff do governador João Doria e pinta como aposta de renovação política no ninho tucano. Nesta entrevista ela relembra a trajetória humilde na periferia, divide as impressões de sua passagem por Davos e fala sobre inovação, tecnologia e os desafios de tornar a gestão pública mais eficaz – e humana

por Dado Abreu e Paulo Vieira fotos João Leoci

Quando Patricia Ellen da Silva, secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, recebeu o convite do governador João Doria para assumir a pasta, ela telefonou para a mãe a fim de dividir a boa-nova. Do outro lado, dona Valda, orgulhosa, parabenizou a filha, mas queria ter a certeza de que ela, se aceitasse a função, seria por um “chamado do coração” e pela vontade de ajudar as pessoas. Caso contrário, fosse por ego, melhor seria recusar. Hoje, depois de um ano no comando da pasta que já foi guarda-chuva de velhos caciques como Guilherme Afif Domingos, Alberto Goldman e Geraldo Alckmin, Patricia recorda do telefonema
com emoção e se diz “muito realizada”. “O nível de integração do meu trabalho com meu propósito e senso de justiça social nunca esteve tão alto”, conta a executiva de 41 anos e perfil técnico. “O gestor público que se guia pelo ego se perde no meio do caminho.”

A afirmação carrega conhecimento de causa. Embora não seja – ainda – peça do xadrez político-partidário, ela é professora no mestrado em liderança e gestão do Centro de Liderança Pública e em pouco tempo tornou-se destaque do entourage de Doria – constantemente compartilha a agenda com o chefe. Semanas atrás, acompanhada pelo governador, ela foi a única mulher da área de gestão pública na América Latina a participar das rodadas do Fórum Econômico e Social de Davos, na Suíça, onde o Estado de São Paulo captou R$ 17 bilhões em investimentos graças, em boa parte, à interação da secretária. Pouco antes, Patricia já havia liderado reuniões da comitiva paulista em Pequim e Xangai, intermediando o diálogo entre empresários brasileiros e potenciais investidores chineses.

À vista disso, é natural que tenha se tornado a aposta número 1 de João Doria para sua sucessão. Nos corredores do Palácio dos Bandeirantes, Patricia é cotada para ser candidata a vice-governadora em 2022 e também pode ser um plano B para a prefeitura de São Paulo, ainda este ano, caso Bruno Covas não tenha condições de disputar o pleito por causa do câncer que o acomete. Ela desconversa, crava que não será candidata ao Executivo e que prefere colocar a mão na massa, mas fato é que seu estilo de liderança, aliado aos resultados obtidos no primeiro ano de suor na complicada cadeira 3 em 1 – por unir as pastas de Desenvolvimento Econômico, Trabalho, Ciência e Tecnologia – a transformaram em protagonista entre os 20 nomes do secretariado Acelera SP.

“Não inventamos nada, são políticas que foram aplicadas no mundo inteiro, mas que jamais tinham sido aplicadas no Brasil. O último plano de desenvolvimento econômico no Estado de São Paulo era da década de 1970”, explica. “O que tentamos fazer de diferente é a integração entre o técnico e o humano, porque não podemos falar de economia sem falar de gente, nem falar de gente sem falar de economia.”

A justiça social vem de berço. Nascida no Campo Limpo, zona sul de São Paulo, região em que seus pais vivem até hoje – a mãe, motorista de Uber, e o pai, seu Messias, comerciante na entrada da favela do Real Parque –, Patricia ganhou preciosos 20 anos de expectativa de vida ao ascender na carreira. A explicação vem de forma didática: da sua antiga casa, na Vila das Belezas, para o atual endereço, no Alto de Pinheiros, são 20 quilômetros de distância. Um trajeto que seria comum para intervalos metropolitanos, mas que carrega a razão da preocupação humana – e da visão holística – em seu trabalho na secretaria. “São 20 quilômetros que representam 20 anos em expectativa de vida, de 60 para 80 anos, entre um bairro e outro. Um ano a cada quilômetro, é inadmissível”, conta, ressaltando o seu objetivo em “colaborar para que outros brasileiros possam ganhar anos de expectativa de vida sem precisar mudar de CEP”.

Foi com esse propósito que, em 2016, ela fundou, com Ilona Szabó e Leandro Machado, o movimento de renovação política Agora!, do qual Luciano Huck faz parte, que reúne lideranças progressistas, de centro e liberais, engajadas na discussão, formulação e implantação de políticas públicas. O currículo de Patricia Ellen da Silva se completa com formação em administração de empresas na FEA-USP e mestrado em administração pública pela Harvard Kennedy School e MBA pelo Insead. Foi sócia da consultoria McKinsey e presidente da Optum no Brasil, empresa de tecnologia em saúde do grupo United Health.

“Fiz meu pé de meia na carreira e hoje estou em busca do sonho de ajudar a melhorar a vida de outras pessoas, de construir uma sociedade menos segregada. Sou otimista, senão não teria ido parar no serviço público, mas tenho um sentido de urgência muito grande”, relata.

Talvez pelo tão apurado imediatismo que ela tenha aderido ao 5 am Club, como Jack Dorsey, cofundador do Twitter, Jeff Bezos, da Amazon, e Tim Cook, da Apple, todos profissionais ultrabem-sucedidos que caem da cama antes das cinco da manhã para aumentar a produtividade, serem mais saudáveis e performarem em alto nível. O sucesso começa cedo e Patricia é prova. Na rotina diária, ioga, reiki, meditação, corrida, academia, as pequenas gêmeas Ana Vitória e Maria Luiza, de 5 anos, e uma vida social condizente com a de uma jovem da sua idade. “Minha agenda pessoal preciso cumprir até as 6h30 porque depois disso eu sou atropelada pelas tarefas no governo.”

É a deixa para encerrarmos o Almoço de PODER e liberarmos a agenda da secretária. Antes de sair da Vinheria Percussi, porém, uma breve pausa. Patricia é abordada no corredor do restaurante pelo CEO de uma grande companhia que quer parabenizá-la. O homem faz parte do Movimento Brasil Digital, que busca promover o diálogo entre os setores público e privado para a construção de propostas que coloquem tecnologia como prioridade estratégica. Ela agradece, troca cartões, ideias e segue. Pela frente tem mais um longo dia de trabalho antes de concretizar o sonho da justiça social. A seguir, os principais trechos da entrevista:

DAVOS 2020
“Este ano o Fórum representou uma virada. Em 2019, passamos muito tempo apresentando São Paulo para os investidores, o Estado com a maior economia do país, que representa um terço do PIB, a Califórnia brasileira e a porta de entrada para investidores na América Latina. Desta vez fomos direto para a discussão prática e anunciamos R$ 17 bilhões em investimentos, parte deles no centro para a quarta Revolução Industrial, que foi outro anúncio que fizemos em Davos e vai ser inaugurado em maio durante o Fórum Econômico Mundial para a América Latina. Ele insere o Brasil na rede dedicada à governança global de tecnologia, junto com China, Japão, Índia, Colômbia, Israel e Emirados Árabes. Outro aspecto importante foi ter participado das agendas técnicas, para desenhar um novo modelo de capitalismo no combate à desigualdade.”

VALE DO SILÍCIO BRASILEIRO
“A primeira fase do Citi (Centro Internacional de Tecnologia e Inovação) começa a operar agora no primeiro semestre, onde hoje está o IPT [Instituto de Pesquisas Tecnológicas]. Será muito importante para dar o arcabouço legal para a governança digital e também para desenvolver novas políticas que ajudem empresas a acompanhar o ritmo das mudanças tecnológicas no mundo. Hoje o Brasil perde empreendedores que trabalham com blockchain, por exemplo, porque não tem uma regulamentação para isso. Nossa meta é justamente reunir tudo o que há de melhor no país em ciência, tecnologia e inovação para criar o Vale do Silício brasileiro.”

ANO 1
“Registramos o segundo maior número de atração de investimentos dos últimos 20 anos, o número de abertura de empresas foi o maior nesse período, mais de 222 mil, e São Paulo teve o maior descolamento de crescimento econômico com relação ao resto do Brasil. Temos desafios de recursos, precisamos reduzir gastos, mas não dá para deixar de investir em ensino técnico, ciência e tecnologia. Acho que aprendemos o caminho das pedras, mas os percalços do setor público existem e às vezes te amarram. Do tipo: quando eu entrei na
secretaria as canetas não funcionavam. Como é feita uma licitação para compra de canetas que não escrevem? Não entendo. Imagine, então, para contratar um serviço de uma consultoria para fazer um plano de desenvolvimento econômico? É complicado.”

JOÃO DORIA
“A objetividade dele é uma das razões que me levou a aceitar o cargo. Gosto muito do ritmo que ele coloca na gestão pública, é algo raro no Brasil, tem disciplina e um olhar empreendedor. O mundo inteiro fala em unidade de entrega, acompanhamento de projeto, e aqui é raro. Porque não dá para apenas ter ideias, é preciso implantar e fazer virar realidade. Além disso, o respeito e o espaço que o governador dá para as mulheres que trabalham com ele é um ponto importante [João Doria tem 20% do seu secretariado composto
por mulheres, ainda pouco, porém índice recorde com relação a seus antecessores].”

MULHERES
“Em Davos me chamaram a atenção duas coisas: uma delas é que, nas mais de 30 reuniões que fizemos, só dois encontros tinham mulheres na sala, a outra aconteceu na reunião de mulheres líderes globais, em que metade da sala estava vazia. Onde estão as
mulheres? Por isso que é tão importante quando você vê um David Solomon [CEO do Goldman Sachs, o maior banco de investimentos do mundo] dizendo que eles só farão IPO [oferta pública] de instituições que tiverem mulheres no conselho. E não é dá boca para fora, porque é uma iniciativa fundamentada em dados. Companhias com mulheres na diretoria tiveram um desempenho maior do que as que não têm nenhuma. Então eu acho que é preciso ter regras, sim. E levo isso para a secretaria, em que somos 50% mulheres, 50% homens. Senão, como a gente vai entregar políticas públicas para a população como um todo?”

AGENDA AMBIENTAL
“São Paulo tem a maior faixa contínua de Mata Atlântica do Brasil e nosso desmatamento é negativo, apesar de termos questões importantes para se trabalhar. É nossa agenda também, queremos alavancar modelos de negócios mais sustentáveis e humanos. Por exemplo: o governo de São Paulo desenhou o maior leilão rodoviário da história do Brasil, com milhares de quilômetros, e pela primeira vez serão rodovias carbono zero, ou seja, toda a infraestrutura investida terá que ser neutra em emissões de gás carbônico. Em paralelo a isso, o maior investimento feito no ano passado, da Bracell, que está trazendo uma fábrica de celulose para Lençóis Paulista: R$ 1 bilhão destinado a novos processos produtivos focados em inovação e sustentabilidade. Será a maior planta de celulose solúvel do mundo.”

PARAISÓPOLIS
“Fiquei com muito medo depois do episódio de Paraisópolis [quando nove jovens foram mortos durante uma ação da polícia militar] de se levar o diálogo para o discurso do ódio. Tenho tios que são policiais, tenho primos e primas que frequentam bailes funk. Quando essas coisas acontecem, esquecemos que são pessoas envolvidas de todos os lados. Quem mais perde com esses episódios horríveis que não deveriam acontecer são os que vivem na comunidade. Fui quatro vezes para Paraisópolis desde então, fizemos mais de 20 reuniões,
e minha maior preocupação foi ouvir as pessoas, suas demandas, suas necessidades. Não se pode desumanizar a política pública – e acho que o Brasil fez muito isso no passado. Política pública se faz com diálogo, baseado em entender as pessoas envolvidas no processo.
Procuramos fazer isso na nossa gestão.”.

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