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por Paulo Sampaio para revista Joyce Pascowitch de outubro

Lilian Gonçalves acaba de voltar de Las Vegas, uma cidade, assim, super Lilian Gonçalves. Feérica e extravagante, Lilian acrescenta ao seu extenso currículo de empresária bem-sucedida da noite paulistana a informação de que é cantora, atriz e apresentadora. Definindo-se como “o Julio Iglesias de saia”, em alusão a seu repertório romântico, ela gosta de lembrar também de sua atuação no cinema, em filmes como o longa Joelma 23º Andar, tributo ao trágico incêndio que fez 191 vítimas e destruiu o prédio no centro de São Paulo. Lilian fala de si como se estivesse se referindo a uma celebridade do show biz, e é justamente essa privilegiada autoestima que faz dela uma estrela no âmbito em que circula. “Nunca quis ser dona de bar, sempre quis ser artista”, deslancha, sem rodeios, a proprietária de uma fileira de casas noturnas que compõem a chamada Rede Biroska, no lado ímpar da rua Canuto do Val, em Santa Cecília, centro de São Paulo. Com nomes tão sugestivos quanto “frango com tudo dentro” e “siga la vaca”, o ponto alto ali é o videokê com petiscos. “Cumprimento 3 mil pessoas por noite. Tiro fotos com pelo menos 500”, conta ela, que, na adolescência, já ensaiava para ser uma celebridade. “Aos 14 anos eu participei do concurso Miss Brasília. Menti a idade para conseguir me inscrever.” Conta que aumentou a idade para 20 e, desde então, nunca mais soube direito o ano em que nasceu. Calcula que tem 65 anos, porém suspeita que sua estimativa esteja inflacionada. Diz isso com uma gargalhada que lembra a de Fafá de Belém.

Em 1991, divulgou que era filha de Nelson Gonçalves, o cantor das multidões. Antes que os outros nove filhos a renegassem, ela se apressou a tranquilizá-los, dizendo que não fazia questão de sua parte na herança. Em compensação, desde então não parou de prestar tributos ao cantor. “Conheça o bar do Nelson, uma homenagem a Nelson Gonçalves, um dos maiores cantores de todos os tempos”, sugere ela em seu site sobre uma das casas noturnas que mantém. Uma vez por ano, faz uma festança para a entrega do Troféu Nelson Gonçalves, ao melhor garçom. Ela também comparece às inaugurações de obras que recordam o cantor. Em 2011, lá estava Lilian Gonçalves no CEU Tiquatira para a abertura do Teatro Nelson Gonçalves.

SINHOZINHO MALTA

A alusão a artistas é sempre bem-vinda. Lilian conta que já foi assediada por “milhões de sinhozinhos Malta”, referenciando o fazendeiro machão, poderoso e temido que Lima Duarte interpretou na novela Roque Santeiro, de Dias Gomes. Na trama, apesar de reproduzir o típico “coronel” com poderes ilimitados, que manda e desmanda na cidade toda, ele é completamente dominado pelas vontades da viúva Porcina, interpretada por Regina Duarte. Excêntrica, ruidosa, muito maquiada, toda enfeitada, Porcina não se importa que a chamem de perua, contanto que reconheçam nela um estilo próprio. Pois ao fazer menção ao assédio dos “sinhozinhos”, Lilian sugere que ela e Porcina são, tipo, a mesma pessoa.
De fato, há cenas protagonizadas pela empresária que poderiam muito bem ter sido escritas para a personagem da novela. Quando, por exemplo, alguém elogia as almofadas Versace estampadas que ornam o sofá de ferro dourado de uma das salas de sua casa, ela comenta alegremente: “Tinha muitas, mas os amigos vão levando…”. A escritora Maria Adelaide Amaral, que conheceu Lilian quando estava escrevendo a minissérie global JK, relembra: “A mãe dela era cozinheira do Catetinho, alojamento presidencial na época da construção de Brasília. Como ela foi criada lá, me contou várias histórias sobre Juscelino Kubitschek e Israel Pinheiro, algumas das quais acabei usando”. Na minissérie, levada ao ar em 2006, Lilian foi interpretada por Mariana Ximenes.

ADEUS,  MUNDINHO

Segundo Lilian Gonçalves, a história de sua vida começa no episódio em que a mãe dela irrompeu no salão onde se realizava o concurso Miss Brasília e, como num capítulo muito importante de novela, anunciou aos gritos que havia ali uma candidata menor de idade. “Foi uma cena horrível. Ela entrou lá com meus irmãos, descalços, falando alto. Ali eu decidi que aquilo tudo era pequeno demais para mim.” No outro dia, Lilian pegou o dinheiro que tinha ganho nas primeiras etapas do concurso e foi para a rodoviária. Decidiu na base do uni-duni-tê embarcar para São Paulo. “Não tinha ideia do que poderia acontecer. Só sabia que conseguiria tudo o que eu quisesse.” Ao chegar em SP, empregou-se como garçonete, começou a namorar um garçom, ficou grávida e teve logo dois filhos, Kalynka, hoje com 40 anos, e Job, 35. Nomes originais. “Sempre fui diferente”, gargalha. Seu primeiro casamento durou 16 anos. Houve outros, mas, ao que parece, não são pessoas que mereçam ser citadas. “Não vamos falar disso.”

A casa onde ela mora há mais de 40 anos fica no Alto de Pinheiros, bairro habitado por personagens como o titã Paulo Miklos e o ex-prefeito José Serra. Este último, por sinal, aparece abraçado com Lilian em um porta-retrato na sala de estar que dá para o jardim dos fundos e a piscina. Na mesma estante, estão fotos dela com Andrea Matarazzo e Geraldo Alckmin. “Sempre fui PSDB”, afirma Lilian. Ultimamente, porém, andou se decepcionando com o partido. “Na última gestão deles, fui massacrada, interditada, lacrada. Mandei todo mundo para a puta que o pariu”, conta. Explica que as fotos com os três não deveriam mais estar ali.
Cultivar um bom relacionamento com o poder público é fundamental para uma empresária da noite, mas Lilian precisou mais do que isso para administrar sozinha 400 funcionários. “Desde pequena eu já mandava até nos meus irmãos mais velhos. Trabalho das 11 da manhã às 8 do dia seguinte, o ano inteiro.” Ela diz que, do mesmo modo como desencorajou todos os “sinhozinhos Malta” que tentaram medir forças com ela, jamais quis ter sócios. “Gosto de fazer do meu jeito e sei que, se eu não estiver presente, não vai sair como quero. Todos os dias desmantelo verdadeiras quadrilhas de funcionários querendo me passar a perna. E, muitas vezes, gente antiga.”

Lilian afirma que precisa de uma sobrecarga de energia para enfrentar os problemas com a vizinhança. Além de se queixar do barulho produzido pelos bares, um grupo de moradores de Santa Cecília reagiu mal quando ela quis replicar na região a calçada da fama de Hollywood. “Tudo deveria ser discutido em sociedade. Essa obra só visa os interesses dela”, disse à época o morador José Ricardo Campelo, proprietário de uma loja na Canuto do Val. Pelo transtorno causado, o projeto foi apelidado de “calçada da lama”. Apesar de não ter saído do papel, Lilian mantém sua vontade: em uma foto publicada em seu site, ela posa ao lado da estrela de Kevin Costner na calçada de Hollywood.

LOURO ULTRACLARO

Os amigos dela a reverenciam como uma guerreira. “A Lilian merece todo respeito pela garra com que enfrenta a vida. Eu a admiro profundamente”, diz o cabeleireiro Jassa, conhecido por atender Silvio Santos e Gugu Liberato. Além de cortar os cabelos de Lilian, Jassa aplica neles a tintura louro ultraclaro. “Ela é uma pantera”, define ele, que também foi a Las Vegas para um casamento que reuniu ainda Zeca Pagodinho e Amaury Jr. Pelé, outro que estava na cidade na mesma época, reverenciou a rainha da noite . “Ele tava dando uma entrevista para poucos jornalistas do mundo todo. Quando me viu, mandou me chamar. É um amigo muito querido.”
Ao conversar pela primeira vez com a produção da J.P, Lilian disse que havia trazido modelos incríveis da viagem. Desde o início, sabíamos que ninguém conseguiria vesti-la melhor do que ela mesma. “Esse aqui ela comprou na Saks, em Nova York. É uma réplica de um modelo que a Nicole Kidman usa no filme sobre a vida da Grace Kelly”, diz a empresária Marly Lamarca. Ela também “explica” cada um dos reluzentes sapatos separados por Lilian. “Esse é belíssimo, custa um carro… Ou é esse?” Lilian não tem problema em revelar-se consumista. Quando vai a uma loja, e gosta de cinco modelos, não demora a se decidir: “Levo todos”.

SHARON STONE

Aos poucos, observa-se que o temperamento voluntarioso dela e a necessidade de ser forte nos negócios lhe custaram um certo isolamento. “Lido muito bem com a solidão”, afirma. Está namorando? Mistério. “A paixão maior é pelo trabalho.” Se cuida? Diz que detesta fazer ginástica. Plásticas? Garante que “nem botox”. Silicone nos seios? “Também não, meu peito é natureba, dei sorte!” Lilian é do tipo que enxerga a vida com óculos cor-de-rosa. Em um retrato pintado, pendurado na sala, ela está a cara, digamos, de Sharon Stone. “Essa era eu”, gargalha.  Ao fim da entrevista, ainda não está satisfeita. “Gostaria de dizer algo apimentado”, informa. Defina “apimentado”, Lilian. A dona de três automóveis importados de luxo, já “enjoada” deles, decide que quer continuar a conversa outro dia, mas isso parece mais um dos excessos de um personagem assumidamente insaciável.

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