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Philipp Povel, CEO e cofundador da Dafiti || Crédito: Roberto Setton
Philipp Povel, CEO e cofundador da Dafiti || Crédito: Roberto Setton / Revista PODER

Por Paulo Vieira para revista PODER de dezembro || Fotos: Roberto Setton

Qual é a grande distorção do capitalismo? A pobreza indizível? As crises cíclicas? Os derivativos? As ações preferenciais da Petrobras? Ou seria o valor estratosférico que vem atingindo algumas empresas da nova economia, aquelas que nunca dão lucro?

No mundo digital, lucro é muito “yesterday”, como diria até o mais sisudo dos analistas. A Amazon, epítome dos novos tempos, reportou em boa parte de seus 20 anos de vida prejuízos contínuos, trimestre após trimestre. Mesmo assim, é a quarta maior companhia do mundo em valor de mercado, estimado em mais de US$ 500 bilhões – o dobro do que vale o Walmart, com seus 2,2 milhões de funcionários.

Lucro, como se vê, não é mais boa régua para medir o sucesso de um empreendimento. Há outros indicadores pertinentes – audiência, taxa de conversão, capacidade de atração de fundos de investimento.

Criada em 2011, a Dafiti, maior e-commerce de moda da América do Sul, jamais gerou lucro, mas “performa” em todos esses critérios, e seu jovem CEO e cofundador, o brasileiro Philipp Povel, 35 anos, parece bem à vontade com as linhas em vermelho. “É muito raro que uma empresa de e-commerce se torne rentável em menos de cinco anos, e o Brasil não é exceção. A Índia é um dos maiores mercados mundiais e todos perdem dinheiro lá. Você tem de pensar que crescer hoje custa menos do que irá custar daqui a cinco anos”, disse Povel a PODER na sede da empresa localizada num novíssimo prédio defronte ao Allianz Parque, o estádio de futebol do Palmeiras, em São Paulo.

Por falar nas linhas em vermelho dos relatórios da Dafiti, elas vêm se tornando menos encarnadas: a rentabilidade (medida pelo Ebitda em relação à receita líquida) ficou em menos 6% em 2016, marca digna de celebração diante dos 25,2% negativos do ano anterior. E há ainda os números escritos com tinta azul céu de brigadeiro. O faturamento de 2016 foi de R$ 1,26 bilhão, 15,1% maior que o de 2015. Já no segundo trimestre de 2017, a empresa reportou alta de 17,3% na receita líquida. Como pano de fundo, para ejetar mais otimismo, de janeiro a junho de 2017 o varejo on-line de moda no Brasil mostrou força, crescendo 37,8% em faturamento; o convencional, off-line, avançou 8,2%.

Povel não está no setor de moda por acaso. Sua família paterna, de origem alemã, teve negócios na área têxtil naquele país desde o século 19. Seu pai, que migrou para o Brasil para cuidar de uma empresa multinacional do setor e acabou por montar aqui seu próprio negócio de surfwear (vendia a famosa marca OP, entre outras), regressou por motivos de saúde para a Alemanha quando o filho tinha 8 anos.

Sem ainda imaginar que um dia reestabeleceria laços com o Brasil, Povel cursou administração de empresas em Colônia, na Alemanha, e desde então viajou como um cigano. Estagiou na consultoria BDO no Brasil, na Volkswagen da China e na Basf do Chile para, em seguida, obter seu MBA na Argentina. De volta à Alemanha, trabalhou no mercado financeiro e finalmente começou a empreender, fundando, em 2009, com sócios a MyBrands, um outlet virtual de moda. Com apenas um ano de vida, seu e-commerce seria vendido a uma empresa de colegas de universidade, a hoje hipervalorizada Zalando, e ele ficou lá cuidando da incorporação.

Philipp Povel, CEO e cofundador da Dafiti || Crédito: Roberto Setton

“CRISTO VOADOR”

Mas o Brasil era na época a bola da vez, e a famosa capa da revista The Economist de 12 de novembro de 2009 com a manchete “Brazil takes off” (Brasil decola) – com a imagem do Cristo Redentor a ganhar os céus como um foguete –, deu a bênção que faltava para Povel decidir que era hora de reencontrar seu país de infância (menos de quatro anos depois a mesma publicação voltava a exibir o Redentor na capa, dessa vez de cabeça para baixo e prestes a explodir no choque inevitável com o solo, mas essa é outra história). Em 2010, com outros três sócios, os alemães Malte Horeyseck e Malte Huffmann e o francês Thibaud Lecuyer, Povel pesquisou rapidamente o mercado brasileiro e não teve dificuldade para conseguir R$ 50 milhões com o fundo de investimento Rocket Internet para lançar a Dafiti. O site começou a operar em janeiro de 2011. “Naquele tempo, os investidores pensavam que o Brasil seria a próxima China, ninguém imaginava que uma crise tão profunda estava por vir“, diz. “Era muito fácil captar, diferentemente de hoje. Éramos jovens querendo fazer uma empresa que ainda nem nome tinha.”

Os primeiros anos da companhia foram explosivos. Em 2011, o faturamento foi de R$ 400 milhões e, em novembro daquele ano, o site recebeu 3,6 milhões de visitantes únicos. Logo veio a expansão para Argentina, Chile, Colômbia e México – nesse último país, que se revelaria “pouco promissor”, a operação seria vendida. Em 2013, o volume de vendas já crescia muito em relação ao início, o que propiciou investimentos em soluções digitais inovadoras. Como os avatares e aplicativos que ajudam o consumidor a “provar” virtualmente a roupa que pretende comprar. Dessa maneira, a proverbial desconfiança do brasileiro de que a roupa não serviria quando finalmente chegasse foi sendo reduzida.

Hoje, a Dafiti comercializa 4 mil marcas e 390 mil produtos nos quatro países em que opera, tem 2 mil funcionários e, sob o nome Dafiti Group, incorpora desde 2015 os e-commerces Tricae, de moda infantil, e Kanui, de roupas e de acessórios para esportes de aventura. É um dos maiores anunciantes de mídia digital do Brasil e consegue ter preços finais muito atraentes, ou grandes “deals”, como diz Povel, por conta da escala do negócio. “Estamos entre os dois ou três maiores compradores de marcas brasileiras. Por conta disso, a gente consegue deals muito bons.”

Com tudo isso, a Dafiti é uma empresa discreta diante de gigantes do varejo eletrônico brasileiro como B2W, Magazine Luiza e Ricardo Eletro, marcas que tiram proveito de sua operação física e trabalham com diversas outras categorias de produtos. É também menor que a Netshoes, essa, sim, uma puro-sangue do e-commerce, que, aliás, vem negando especulações de que tem interesse em comprar justamente a Dafiti.

Estima-se que o e-commerce no Brasil represente de 3% a 4% de todo o volume de vendas do varejo no país, embora em certas categorias de produtos, como eletrônicos e smartphones, o desempenho seja muito melhor. Para Silvio Laban, professor e especialista em varejo do Insper, o espaço para o crescimento do comércio eletrônico no Brasil é muito grande, tanto quanto para o varejo convencional. “A ideia de que a loja física vai deixar de existir é ficção, não é realista”, diz. E completa: “As empresas enfrentam aqui muitos problemas de logística, mas as regiões mal atendidas têm muito potencial de crescimento a ser explorado”. O pressuposto amplamente comentado de que o consumidor brasileiro se acostumou com o frete gratuito e isso seria um grande entrave para as empresas de e-commerce operarem por aqui também parece não encontrar amparo na realidade.

Na Dafiti, o frete gratuito vale para compras acima de R$ 99,90 na capital paulista. E, curiosamente, Povel não endossa as críticas generalizadas à logística nacional. “Dos países emergentes que conheço, o Brasil é onde é mais fácil terceirizar o transporte. Na Rússia, só dá para usar frota própria e no México há outro problema, a pouca penetração dos cartões de crédito.” A menção à Rússia não é casual, já que desde 2014 a Dafiti é uma das cinco empresas controladas pelo Global Fashion Group (GFG), que opera em 24 países do Leste Europeu, Sudeste Asiático, Oceania, Oriente Médio e América do Sul. A marca Lamoda, presente na Rússia, Cazaquistão, Ucrânia e Belarus, é a estrela, com a Dafiti, do portfólio do GFG. Para Povel, não houve qualquer mudança, em termos de gestão, quando a Dafiti passou a integrar a GFG, cujos grandes investidores, os fundos europeus Rocket Internet e Kinnevik, já estavam na brasileira. “A grande diferença é que posso telefonar para outros CEOs do grupo a qualquer momento e receber e compartilhar informações. Em outra situação elas seriam bem mais protegidas.

“FIRST WHO”

Mesmo com sua pouca idade, Povel tem dificuldades em citar gurus que admira e segue. Um deles é o norteamericano Jim Collins, cujo conceito “first who, then what”, desenvolvido no livro Empresas Feitas para Vencer, endossa de olhos fechados. Na metáfora de Collins, primeiro se acham as pessoas certas, depois se decide para onde levar o ônibus. Entre os brasileiros, Povel destaca a gestão de custos “extremamente agressiva” do grupo 3G, dos ubíquos

Lemann-Telles-Sicupira, mas acha que ela não é panaceia para todos os males administrativos. “Quando se começa uma empresa do zero, muito mais importante é a construção da marca. Eles gostam de pegar uma marca forte, um negócio que já foi criado, que já teve investimento.” Curiosamente, o ano de 2017 para a Dafiti vem sendo de grande empenho em redução de custos. No último relatório corporativo destinado aos shareholders do GFG, publicado em setembro de 2017, é destacado o “foco no controle de custos” da marca brasileira.

“BRASIL X ALEMANHA”

Tendo crescido, estudado e iniciado sua vida empresarial na Alemanha, Povel é capaz de tecer comparações acuradas entre os dois países. Lá, segundo ele, há mais acesso a talentos e um custo de tecnologia menor. “Se eu quiser comprar um servidor [de internet] no Brasil, vou pagar o dobro do preço alemão.” E a mão de obra mais barata daqui termina por não ser uma vantagem competitiva quando são acrescidos os encargos sociais. Mas há compensações. Para ele, o brasileiro médio é mais empreendedor que o alemão, apesar da ideia bastante aceita de que nos trópicos há uma certa “aversão ao risco”. “E o consumidor é mais disposto a testar.

O começo da Dafiti no Brasil foi muito fora da curva, acho que em outros países não daria tão certo”, diz. “Em 2010 0s investidores pensavam que o Brasil seria a próxima China, ninguém imaginava que uma crise tão profunda estava por vir”


Philipp Povel, CEO e cofundador da Dafiti || Crédito: Roberto Setton

“A MODA VENDE”

Principal termômetro do e-commerce brasileiro, a pesquisa WebShoppers, da Ebit, mostrou um crescimento consistente do varejo eletrônico no primeiro semestre de 2017, 10,3% quando comparado ao mesmo período do ano anterior. O valor médio (tíquete) das compras ficou em R$ 418 e a categoria de produtos mais comercializada é justamente moda e acessórios. Mas esse segmento, nicho da Dafiti, gera apenas 6,4% do faturamento global, que é liderado pelos celulares.

A pesquisa também destaca o crescimento de 178% de produtos novos e usados e itens de artesanato vendidos em marketplaces como Mercado Livre e Enjoei. Ter vendas cada vez mais substanciais feitas em marketplace – quando o site vira uma espécie de supermercado para marcas que não são as da casa – é uma tendência do setor na opinião do CEO da Ebit, Pedro Giusti. “O marketplace já é 35% de todo o movimento da B2W”, diz, fazendo alusão à gigante do setor, controlada majoritariamente pela 3G. “O brasileiro médio é mais empreendedor que o alemão e o consumidor aqui mais disposto a testar”

Philipp Povel, CEO e cofundador da Dafiti || Crédito: Roberto Setton

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