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À esquerda, Karmita Medeiros, Frankie Mackey e Walter Clark, à direita, Frankie Mackey e Anna Maria Tornaghi || Crédito: Paulo Jabur

Vivendo fora do Brasil havia quase dez anos, o empresário argentino Frankie Mackey, principal suspeito do assassinato de seu ex-companheiro, o estilista Amaury Veras, seria julgado no dia 5 de fevereiro. Na véspera, porém, a defesa apresentou o atestado de óbito dele

Por Paulo Sampaio, para a revista J.P de março

Dois de setembro de 2004 é uma data que a diarista Maria José da Costa e Silva jamais vai esquecer. Naquela terça-feira, por volta das 9h, quando chegou à casa de seu patrão, o estilista Amaury Veras, ela encontrou um cenário devastador. Já na portaria do edifício, na rua Francisco Otaviano, Ipanema, zona sul do Rio, o zelador informou que Amaury não havia passado bem. Preocupada, Maria subiu correndo para o apartamento 22 e foi direto ao quarto dele, onde se deparou com uma cena que não sairia mais de sua cabeça: inclinado sobre o corpo inerte de Amaury, que tinha um corte profundo acima do supercílio esquerdo e um sulco arroxeado em torno do pescoço, o ex-companheiro dele, o empresário argentino Frankie Mackey tentava reanimá-lo fazendo respiração boca a boca. Aos prantos, Frankie orientou Maria a ligar para a confecção de Amaury para avisar que ele não iria trabalhar. Ela o afastou e passou a fazer massagem no coração do patrão, mas já era tarde. “Eu disse que a gente tinha de ligar era para a polícia!”, afirmou ela, ao prestar depoimento no 14º distrito policial, no Leblon, zona sul do Rio. Ignorando a orientação de Frankie, Maria desceu até a portaria e pediu ao zelador, Severino Sabino, que chamasse a polícia.

 

Créditos: Cassiano Reis / Revista J.P
Na ilustração, Amaury e Frankie  ||  Créditos: Cassiano Reis / Revista J.P

Na sua vez de depor, Frankie deu a entender que Amaury havia se matado porque atravessava uma crise financeira e enfrentava problemas de saúde. Ao delegado Carlos Jorge Sodré, encarregado do inquérito, chegou a dizer que a medicação que o amigo tomava para combater o vírus da Aids e da hepatite C provocavam “confusão mental” e que seu estado no dia em que morreu alternava “depressão e introspecção”. O pai de Amaury, Antônio Veras, afirmou que o filho tinha crises eventuais de depressão e fazia psicanálise, mas só soube de duas supostas tentativas de suicídio dele pelos jornais. “A situação financeira dele era péssima.” A de Frankie, pior ainda.

Carmem Mayrink Veiga

Figuras conhecidíssimas na alta roda carioca, os dois imprimiram seu nome na moda do Rio ao inaugurar a marca Frankie Amaury, de roupas de couro, cujas peças se tornaram um must entre as celebridades dos anos 1980. No início, eles atendiam em um ateliê pequeno na Ladeira Santa Leocádia, em Copacabana, mas logo se mudaram para um espaço maior. Depois veio a primeira loja, em Ipanema, a segunda, a terceira, uma rede. Frankie era o marketing da marca. Com incrível trânsito social, ele levava para os desfiles das coleções, sem que cobrassem nada, atrizes como Vera Fischer e Christiane Torloni. A essa altura, os vestidos, as capas e os acessórios Frankie Amaury tinham ido parar nos guarda-roupas de socialites como Carmen Mayrink Veiga, Kiki Garavaglia e Regina Marcondes Ferraz, e das atrizes americanas Olivia Newton-John e Melanie Griffith.

Juntos havia mais de 30 anos, eles chegaram a levar uma vida de casados. Durante os cinco primeiros anos, considerados por Amaury os melhores, os dois moraram em Saint-Tropez, no sul da França, onde começaram a confeccionar as primeiras peças da grife embrionária. Vendiam para amigas que iam visitá-los e, mais tarde, passaram a receber encomendas de conhecidas dessas amigas. De volta da França, foram viver em casas separadas, mas mantinham o vínculo afetivo.

Desde sempre, porém, o relacionamento dos dois era turbulento, cheio de idas e vindas. Os amigos já sabiam que, por pior que fosse o rompimento, eles logo reatariam. Os ataques mútuos costumavam chegar à agressão física, o que não os impedia de, no momento seguinte, estarem se chamando pelos apelidos que inventaram um para o outro: “Neném” e “Frankileta” (ou, no auge do ressentimento, “O Bebê de Rosemary”). O estilo de vida tipo montanha-russa de Frankie ganhava potência graças ao uso abusivo de álcool e cocaína. Em um conturbado voo para Buenos Aires, no começo dos anos 1990, ele foi tomado por um acesso de desvario que o fez xingar gratuitamente os passageiros e atirar sorvete por todo o avião. No auge do piti, urinou no carpete e se vangloriou de sua amizade com a então primeira-dama Rosane Collor de Mello: “Eu sou amigo da mulher do Collor!”, gritava. À época, a crônica social deitou e rolou em cima da história.

Créditos: Ilustração Cassiano Reis
Créditos: Ilustração Cassiano Reis

Sem-Teto

Na ocasião da morte trágica de Amaury, os dois ainda brigavam, mas havia muito tempo que a relação era só de amizade. Por causa da falência financeira (maior) de Frankie, Amaury tinha aceitado acolhê-lo em casa. Eles já moravam juntos havia dois anos, tempo suficiente para a empregada do vizinho, Núbia do Valle, avaliar o comportamento da dupla. “O Amaury era discreto, calmo, sereno, educado. Já o Frankie estava sempre fazendo escândalo”, disse Núbia à polícia. “E pode acrescentar que eu sempre via o Amaury saindo para o trabalho, ao passo que o Frankie ficava a maior parte do tempo em casa e, muitas vezes, batia aqui para pedir bebida e outros mantimentos, geralmente na parte da manhã.”

A socialite Kiki Garavaglia, amiga íntima dos dois, concorda com a análise de Núbia, porém faz uma ressalva: “O Amaury de fato era mais zen, fazia meditação, buscava a tranquilidade, mas o Frankie nunca levantou um dedo contra ele. Era sempre o Amaury que partia para cima”. Segundo ela, as brigas começavam por causa do mau comportamento de Frankie. “Ele tinha mania de grandeza, adorava uma grife, estava sempre dizendo ‘mi casaco de Hermès, mi sapatos de Prada’, e aprontava as maiores confusões nos lugares. Aí, chamavam o Amaury…”

Na primavera de 2004, as brigas tinham chegado ao fim. Ou melhor, ao fim de Amaury. Frankie, o sobrevivente, fazia tudo para convencer as autoridades que o amigo havia se enforcado. Argumentava que o ferimento na testa era decorrência do tombamento do corpo de Amaury no momento em que ele, Frankie, o liberou da echarpe de seda que o mantinha pendurado pelo pescoço acima da porta da sacada do quarto.

Versões Suspeitas

Ao tentar provar o que dizia, Frankie enveredava por relatos improváveis, controversos. Suas versões para os fatos mudavam em questão de horas e, assim, em pouco tempo a hipótese de suicídio deu lugar à suspeita de homicídio. O mais provável, de acordo com a conclusão da perícia, é que Amaury tivesse sido atingido na testa por um objeto pontiagudo e, em seguida, já desacordado, suspenso até o laço forjado com a echarpe de seda. Amigos de ambos garantem, porém, que Frankie não teria força para suspendê-lo, especialmente depois de um acidente que comprometeu seu braço direito. Sugerem que alguém o teria ajudado. Mas quem? Um nome circulou insistentemente na sociedade carioca, nada provado.

O laudo elaborado pelos peritos Márcio Costa da Silva e Tito de Abreu Fialho aponta mais de dez itens divergentes nos depoimentos de Frankie. Um deles mostra que o argentino fez três relatos diferentes do episódio: um às 13h41 do dia 2 de setembro, outro às 17h36 do mesmo dia e o terceiro durante a reprodução simulada, quase um ano depois. No primeiro, ele disse que encontrou o corpo de Amaury desfalecido e tentou fazer respiração boca a boca, subindo posteriormente ao sétimo andar para pedir ajuda à vizinha Cynthia (Howlett); no segundo, contou que havia removido o corpo do laço e então tentado boca a boca; na reprodução simulada, informou que só tentou a respiração depois da chegada de Maria.

Frankie Mackey estava no olho do furacão. Sua foto nos jornais passou a sair mais na crônica policial do que na social (embora não se falasse em outra coisa nos salões da cidade). Os investigadores não pareciam se comover com o desequilíbrio psíquico dele, nem estavam dispostos a dar desconto para sua confusão mental.
No fim de 2005, ele deixou o Brasil dizendo que ia passar o Natal com a família em Rosario, a 280 km de Buenos Aires, e não voltou mais. Desde então, a Justiça brasileira o intimou inúmeras vezes por meio de cartas rogatórias (documento utilizado para dar prosseguimento ao processo, quando os implicados encontram-se em outro país), mas ele nunca compareceu. Sua família apresentou um atestado de insanidade mental assinado pelo psiquiatra argentino José Aldo Mossotti. O médico declara que Frankie sofria de transtorno bipolar e que estava se tratando com medicamentos e sessões de psicoterapia. A defesa usou os problemas psíquicos de Frankie para tentar extinguir o processo, mas não funcionou.

Créditos: Ilustração Cassiano Reis
Créditos: Ilustração Cassiano Reis

Conduta Desrespeitosa

O juiz Marco M. Couto, que trabalhou no caso, não considerou o argumento suficientemente forte para justificar a ausência do réu no Brasil (e no tribunal daqui). Couto lembrou que no início do inquérito, antes de deixar o país, “o acusado foi ouvido quatro vezes e em nenhuma delas foi sequer sugerido que sofresse de algum tipo de perturbação mental”. Em decisão de 2009, o juiz acatou a denúncia do Ministério Público do Rio, segundo a qual Francisco Agustin “Frankie” Mackey “consciente e voluntariamente (…) desferiu forte golpe com instrumento contundente na região frontal, sobre o supercílio esquerdo da vítima, Amaury Veras, causando-lhe uma ferida na forma de fenda, medindo 37 mm por 11 mm (…). Igualmente com o ânimo de matar, asfixiou-o mediante enforcamento, colocando um laço em torno de sua garganta, pendurando-o na porta de seu quarto pelo pescoço (…)”. Em outras palavras, ele era acusado de homicídio triplamente qualificado – por motivo torpe, emprego de meio cruel e impossibilidade de defesa da vítima.
Para o juiz, se havia dúvida a respeito da integridade mental do réu, isso seria resolvido quando ele se apresentasse no tribunal daqui. Depois de agravos negados em todas as instâncias, o júri finalmente foi marcado para o dia 27 de março de 2014. Como duas testemunhas faltaram, o MP pediu que as substituíssem pelos peritos que trabalharam no caso. Assim, o julgamento foi adiado para o dia 5 de fevereiro deste ano.

Kiki Garavaglia, único personagem da alta roda a testemunhar no processo (a favor de Frankie), garante que o amigo não fazia ideia de ter se portado tão mal com a Justiça. Tanto que, segundo ela, “ele tinha como certa a absolvição”. “O Frankie estava eufórico com a ideia de voltar para o Brasil. Até pediu para a empregada lá de casa arrumar um quarto para ele.” Nada disso, porém, tem mais importância. No dia 1º de janeiro, aos 63 anos, Frankie Mackey morreu em decorrência de problemas cardíacos. Seu advogado, Luciano Saldanha Coelho, apresentou o atestado de óbito na véspera do julgamento. Por que a demora? “Soube da morte no próprio dia, pela irmã dele, mas estava fora do Brasil. Pedi por e-mail a ela que me encaminhasse o atestado de óbito para eu providenciar a tradução juramentada.” Na segunda-feira, 2 de fevereiro, já de posse do documento traduzido, Coelho não pôde apresentá-lo no Tribunal de Justiça do Rio “porque naquele dia o presidente da casa tomava posse”. Deixou então para terça, antevéspera do júri. Segundo o promotor Marcelo Muniz, agora é preciso oficializar o documento na Argentina. Só então, o juiz vai declarar a “extinção de punibilidade” – que, automaticamente, põe um fim ao processo.

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